sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

A Ira de Judas


            
A ira de Judas

            O livro “A ira de Judas”, da escritora Ana Cláudia Trigueiro traz uma porção de contos de medo e malassombros. A autora inventa estórias dentro de fatos, lugares e crenças, ora inspirados nas páginas da história do Rio Grande do Norte, ora importados de lugares impensados. Foi feliz na façanha, sombreando ineditismo sobre episódios que pensávamos conhecê-los de todo.
            Quem tem medo de fantasma deve correr da obra, pois tudo está a flor das páginas, num buuuuuuuuuuuu! constante. Começa pela capa, onde salta um monstruoso tubarão para nos engolir, respingando sobre o leitor a água salgada do mar de Ponta Negra?
            Na velha Igreja Matriz senti vontade de me tornar arqueólogo e estar lá, junto com os pesquisadores, desvendando fatos da revolução de 1817. Mas com as luzes muito acesas para não presenciar as experiências horripilantes vividas por eles.
            Tive medo da surpreendente história da serial killer. Quem imaginava que uma fêmea tivesse autoria naquelas passagens assustadoras? A autora concede um empoderamento meio louco à mulher. Seria para vingar anos de tabus e preconceitos amealhados durante séculos contra a mulher? Só ela para explicar!
            Depois da loucura de inventar de ler esse livro triste não visito mais a Praia do Meio. O diabo é quem vai! Também não passo mais defronte ao edifício 21 de Março, no centro. Não nasci para ver fantasmas. E olha que vivem, ou melhor, insistem em “viver” próximo da Assembleia Legislativa! Sonhava conhecer Serra Caiada, lugar tão proclamado, com seus serrotes e paisagens de tirar o fôlego... mas a vontade foi apunhalada nas páginas d’A Ira de Judas. Há muito tempo visitei o Museu Café Filho. Ainda bem que desconhecia seus bastidores fantasmagóricos.  
Era louco para contemplar o Lajeiro da Soledade... Vá outro em meu lugar! Quem prova que ali não revive o anômalo Labatut, monstro com forma humana, pés redondos, mãos compridas, cabelos longos e assanhados, corpo cabeludo, só um olho na testa e dentes como os do elefante, mil vezes pior que o lobisomem? A história de que o mataram é balela! A autora inventou isso para tranquilizar os viajantes e ter mais panos para contos futuros.
São tantas façanhas malassombradas que só vendo! E lendo!
Curiosos são os detalhes nos detalhes, num rococoíssimo esdrúxulo. Pessoas velhas ressuscitam e incorporam os novos tempos. Apareceu até um homem que casou com outro homem. Que ‘mulesta’ é essa? Quem diabo via isso no passado (mas era porque ficava escondido!). Ainda bem que o cabra ressuscitou e encontrou o seu amor num novo tempo. E a velha que iria ser comida pelo monstruoso malassombro! Tinha que ser a pobre de uma velha tão bondosa? Não teria sido melhor se fosse a serial killer para pagar seus crimes.
Numa dada passagem um monstro comeu o prefeito e os vereadores da cidade. Foi a única hora que gostei de monstro! Com as devidas exceções, faltam monstros desses em muitos municípios do Brasil. Fariam limpezas utilíssimas. A autora inventa cenas picantes entre um casal. Da até para imaginar as coisas! A última vez que vi o pelo no pelo com outro pelo dentro foi em Ana Terra, de Érico Veríssimo. Outrora, narra uma safadeza das mais nojentas de ‘servengonhices’ politiqueiras numa cidade. Lembrei-me de “Norte das Águas do Sarney.
É isso!
O livro faz todos os tipos de medo. Um infanto-juvenil de primeira. E mais uma vez a autora representa muito bem a literatura brasileira.
           
           
           


quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Conjunto Habitacional da Aeronáutica lentamente desaparece


 Velhas fotografias de domínio público nos contam sobre as inúmeras construções que se ergueram na explosiva Parnamirim dos tempos de guerra: galpões, alojamentos, saguões, oficinas, igreja, comando, enfim inúmeras edificações que serviriam aos soldados americanos primariamente. São imagens gostosas de ver, pois retratam um tempo muito diferente.

      Nesse álbum é possível ver alguns flagrantes datados de 1942, ou seja, há 77 anos, quando se deu a construção do “conjunto dos oficiais”. As paredes se ergueram num descampado de terras alvas como lençol, no centro da cidade. Bem ao lado das construções que acolheram os primeiros aviadores franceses no início do século XX. Hoje está rodeado de casas e comércio. Como as plantas foram desenhadas por norte-americanos, a arquitetura desse conjunto obedeceu ao design dos estados Unidos. São casas bem diferentes, inclusive as únicas construções de Parnamirim cobertas com telhas francesas.

 O aspecto singular dessas velhas residências chama a atenção. São muito altas (justamente para haver boa ventilação). O íngreme telhado complementa o contexto. Mas assim como fizeram aos vários elementos arquitetônicos da Base Aérea, os quais desapareceram sob o crivo do desconhecimento ou desrespeito assumido às leis de preservação do Patrimônio Histórico, esse belo Conjunto Habitacional sofre lentamente a sua depredação.
 Coincidentemente passei por ali, ontem, e deparei-me com essa cena difícil de ser vista com normalidade, e que vem se repetindo eventualmente. Os pedreiros, que não tem culpa alguma e muitas vezes dilapidam inocentemente, apenas me olharam sem entender o por quê de eu estar fotografando. Acenei para eles e fui retribuído com o mesmo gesto. Quando vi a cena pensei: vou registrar isso para pelo menos exercer o meu direito de chorar pela memória brasileira que se esvai como vento.

Eles rebaixavam a construção, colocando telhas de amianto. Vejam a estupidez: destruir a história e a memória de uma cidade, substituindo-a pela ignorância, pois não existe cobertura mais inadequada, tanto pelo aspecto visual quanto pelo aspecto do calor que emanará no interior da residência.

Entrada da Base Oeste, exatamente onde estão as construçoes que abrigaram Jean Mermoz e Paul Vachet, primeiros aviadores a pousar no Rio Grande do Norte exatamente no local onde seria fundada Parnamirim.

Suponho que essa descaracterização apelidada de “reforma” seja uma espécie de estratégia, ou seja, é como se dissessem “vamos fazer uma por uma, aos poucos para que a sociedade não perceba proteste”. E por falar na sociedade, onde anda a sociedade?
É impressionante que os militares da Basse Aérea de Parnamirim não tenham o devido olhar para esse conjunto que é um dos resquícios do que sobrou das origens da cidade. Tenho impressão que a visão cultural desses senhores é muito limitada. Talvez esteja mais atrelado às bandas marciais e coisa do tipo.
No lugar desses senhores eu faria uma pesquisa de mercado para ver onde se fabricam tais telhas. Para quem não sabe o único lugar do Brasil que produz esse modelo é no estado de Santa Catarina. Seria necessário um projeto muito antecipado. Então se recuperaria o telhado original, sem necessidade de rebaixar a parede e colocar o horroroso amianto. Isso é coisa que não se faz da noite para o dia. Tem que haver orçamento e coisa e tal. Tudo o que é planejado da certo. Mas o grande projeto vem de dentro de nós. Os “proprietários” precisam ter consciência da importância desse conjunto arquitetônico. Do contrário pensarão que esse teto é fruto de bobagem.
É uma pena.
Torço para que a sociedade também esteja enxergando isso e pense igual a mim.
-----------------------------------------------
Veja, abaixo fotografias originais da época da construção desse conjunto, datado de 1942.