segunda-feira, 9 de setembro de 2019

ACTA NOTURNA – SOCORRO TRINDADE – MEIO SÉCULO DE UMA HISTÓRIA GUARDADA NO ARMÁRIO – 26.8.2019



ACTA NOTURNA – SOCORRO TRINDADE – MEIO SÉCULO DE UMA HISTÓRIA GUARDADA NO ARMÁRIO – 26.8.2019

Quem vê Socorro Trindade recolhida em seu cadinho logo à entrada de Nísia Floresta, talvez saiba que ela é escritora. Uma minoria tem conhecimento de que um dia ela foi escritora aclamada e professora nas universidades federais do Rio Grande do Norte e do Rio de Janeiro. Mas quase ninguém sabe que ali mora uma rainha... ou melhor a rainha da cana de açúcar. Quem sabe dessa página da história são pessoas com seus setenta anos de idade adiante. Para entender a história, vamos retroagir no tempo... 
 
O viço da mocidade ofertou a Socorro Trindade uma beleza singular. Ela roubava a cena quando transitava pelas ruas de Floresta. Com o fim da adolescência foi estudar em Natal e o fato se tornou gancho para uma experiência curiosa de sua vida. Tudo começou com pessoas querendo saber quem era a moça tão atraente. Os rapazes faziam todo tipo de corte, mas ela não se curvava a nenhum. Estava ali para estudar. Mas os burburinhos continuaram, despertando os “olheiros” da época.
 

Em 1967, portanto, há 52 anos, seus pais receberam um grupo de senhores que se deslocaram até a residência da bela jovem, em Nísia Floresta, para exclusivamente convidá-la a concorrer ao concurso “Rainha da Cana-de-Açúcar”, evento tradicional e disputado que ocorria em Ceará - Mirim. Ela contava 17 anos de idade. A princípio não aceitou, mas cedeu às insistências. O concurso era organizado por uma espécie de associação de usineiros e produtores de cana de açúcar. Todos os municípios potiguares produtores de cana de açúcar participavam. As emissoras de rádio divulgavam amplamente o evento.
 
O certame tinha uma aura de concurso de miss, devido ao glamour. As candidatas representavam os municípios onde moravam. Havia muita disputa e intrigas típicas desses acontecimentos que envolvem beleza. As moças potiguares aguardavam com êxtase o dia da inscrição, embora não foi o caso de Socorro Trindade, a qual foi descoberta por olheiros, sem imaginar a existência do concurso. “Nunca fui ligada a isso... se fosse hoje, jamais teria participado”, contou-me.
 

No dia do concurso comitivas das cidades envolvidas se deslocavam em peso à terra de engenhos. Era prefeito de Papari o senhor Wilson de Oliveira, presença marcante no evento. Ceará-Mirim ficava pequena para tanta gente. No centro do clube era montada uma passarela cercada de mesas e cadeiras. Enquanto as candidatas desfilavam, as famílias, autoridades políticas, os empresários e fazendeiros apreciavam e consumiam comes e bebes no espaço decorado com imponência. A festa tinha uma conotação puramente familiar. Autoridades políticas davam o retoque final, com direito a presença do governador Walfredo Dantas Gurgel.
 
Dona Conceição Trindade, mãe de Socorro, mandou fazer um vestido verde-cana com detalhes em branco, apliques de lantejoulas, cristais, e uma luva de pulso, bordada com pedrarias. Houve um boom acerca desse vestido. Espécie de aura nupcial. Pessoas estranhas à família não poderiam vê-lo. O assunto passeava de casa em casa, de rua em rua, na praças, nas esquinas, no comércio. Pudera! Papari cheirava a floresta e curral. Os poucos nativos que tinham aparelho de rádio acompanhavam as notícias com curiosidade.
 

E foi justamente nesse verão de 1967 que Socorro Trindade roubou a cena, coroada Rainha da Cana de Açúcar. A coroa e a faixa lhe foram colocadas por uma importante autoridade política, cujo nome ela não se recordou durante a conversa. “Quando retornei a Nísia Floresta não se falava n’outra coisa... a cidade era pacata... o episódio foi um acontecimento muito significativo para o contexto daquela época... virei o centro das atenções, o assunto foi comentado até na igreja, era todo mundo me dando os parabéns e me visitando... virei uma rainha mesmo”, explicou Socorro Trindade em 2015, narrando alguns fatos da sua vida ao autor desse blog. A fase de rainha passou, dando lugar à escritora que brotaria lentamente, cuja história está publicada na ACTA NOTURNA DO DIA 25.8.2019.
 

O fato de ela ter me mostrado o seu famoso vestido de “Rainha da Cana de Açúcar”, e permitido fotografá-lo ao seu lado, contando minúcias sobre o episódio, foi um feito extraordinário para quem escolheu a reclusão e o silêncio como seus companheiros atuais. A peça, sepultada num antiqüíssimo guarda-roupa de madeira de lei, foi retirada por suas próprias mãos após mais de meio século. Assim exumou-se a história. 
 
Hoje, ninguém pode desconhecer que na entrada da cidade, além de residir a escritora que promoveu polêmica com livro audacioso em plena Ditadura Militar, mora a “Rainha da Cana-de-Açúcar” do ano de 1967. Saibam todos quantos possam conhecer essa história que todos nós somos livros, e mesmo fechados guardamos história, e que ouro algum paga a emoção de abri-lo e disponibilizá-lo a quantos puderem lê-lo, principalmente pelo ineditismo que se encerra neste exato momento.
 






















5 comentários:

  1. Boa noite como faço para ter contato com a escritora Socorro Trindade?
    A conheci no Rio de Janeiro com uma amiga em comum nossa e gostaria de entrar em contato com ela. Desde já agradeço

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    1. Boa tarde! Desculpe, mas vi agora o seu contato. Me mande todos os seus contatos que eu repassarei neste exato momento para uma vizinha dela, que foi minha aluna e terá o maior prazer em fazer tal gentileza. Obrigado pela apreciação ao blog.

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    2. Boa tarde! Desculpe, mas vi agora o seu contato. Me mande todos os seus contatos que eu repassarei neste exato momento para uma vizinha dela, que foi minha aluna e terá o maior prazer em fazer tal gentileza. Obrigado pela apreciação ao blog.

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  2. Minha querida Socorro. Gostava muito de conversar com ela, que não bebia, no Bar da Arleide e do Fernando no.Andarai. Espero que esteja tudo bem com ela.

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    1. Sinto informar que Socorro Trindade faleceu no dia 11 de maio de 2024.

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