quarta-feira, 10 de maio de 2017

LENDA DA LAGOA PAPEBINHA


  Há muitos anos os padres Capuchinhos aportaram em Papari com o objetivo de evangelizar os índios aldeados nas vilas de São José do Rio Grande (hoje Mipibu) e Papari (hoje Nísia Floresta) que, fazendo jus ao nome, era uma região de floresta intransponível, berço de algumas casinhas de palha e taipa onde atualmente se localiza o centro da cidade. Nos pontos mais distantes ficavam poucas casas que findaram originando os atuais distritos e povoados como Alcaçuz, Cururu, Porto Búzios e outros.
Papari era um grande vale permeado de lagoas piscosas de água doce, emoldurada de gigantescas árvores, abrigando uma multiplicidade de animais. Os frades percorriam longos caminhos abertos a facão. As viagens eram difíceis e feitas em lombos de jumentos. Eles também serviam-se de um carro de boi da irmandade, pois algumas vezes levavam materiais para as capelas, como por exemplo, pequenos sinos, bancos, cestos, potes de barro, altares de madeira e outros assessórios. As pesadas carroças venciam lentamente rios, pauls, dunas, morros, lagoas e pedregulhos até chegar ao destino.
Contavam os mais velhos que a léguas de distância era possível ouvir o ranger das rodas de madeira, cujo som lembrava um clamor triste, parecido com choro. Desse modo os frades Capuchinhos se anunciavam, permitindo aos fiéis se organizar para acolhê-los. A grande novidade dos pequenos povoados era exatamente a chegada de alguém. A visita dos capuchinhos destoava sempre, tendo em vista que usavam um roupão marrom com capuz e o característico cavanhaque e careca no centro da cabeça.

Próximo à lagoa Papebinha existia uma capelinha de palha, onde eram celebradas missas para os índios aldeados naquela proximidade. A referida lagoa era muito funda. O assoreamento deu-se muitos anos depois, em virtude do corte de sua mata ciliar, substituída por roças.
Certo dia um velho Capuchinho montou uma junta com vários bois para fazer o trajeto do centro de Papari até a capelinha, acompanhado de alguns sacristões. Junto trouxeram um sino. Após mais ou menos uma hora de viagem rasgando as pequenas veredas, deram de cara com a lagoa Papebinha.
Era comum aproveitarem as margens da lagoa como estrada. Naqueles dias havia chovido muito e o volume de água emendava-se com a mata, impedindo-os de ver o caminho. Eles não se intimidaram, pois era possível se guiar pelas árvores que emolduravam a lagoa, desse modo encetaram marcha bem devagarinho.
Como se sabe, carro de boi é um veículo muito pesado, pois é todo de madeira maciça e ferro. Num dado momento alguns bois começaram a beber água. Estavam cansados e sedentos devido a subida que haviam acabado de vencer. Logo adentraram nas águas mais profundas, fazendo com que o carro de boi adernasse para o lado de dentro da lagoa. Naquele instante chovia muito. Amedrontado, o Capuchinho começou a açoitar a junta de bois, para que tomassem a direção da mata, mas o movimento assustou os animais. Ao invés de investirem para as margens, avançaram para a lagoa e o pesado carro desceu de uma vez para as profundezas. Como já foi dito, o veículo era muito pesado e a carga agigantou o peso, arrastando-os para o leito em fração de segundos. O episódio aconteceu exatamente às dezoito horas, inclusive já estava escuro.
 
Nenhum dos viajantes sabiam nadar, portanto deslizaram todos para o leito da lagoa. Ninguém nunca soube explicar o paradeiro do padre Capuchinho, nem de seus coroinhas. Sumiram sem deixar pista alguma. Apenas um indígena viu a cena, mas ninguém lhe deu crédito, afinal os condutores eram muito experientes. Até disseram que eles foram comidos por canibais. A história comoveu a todos, mas acabou sendo esquecida. Com o passar do tempo os poucos moradores das proximidades da lagoa Papebinha passaram a ouvir um badalar de sino, e em seguida surgia a voz do sacerdote celebrando missa. O som era tão perfeito que alguns se arrumavam para o evento, embora não compreendiam de onde vinha o bimbalhar. Mas ao chegarem à capela encontravam-na vazia, e o sino, como se sabe, sequer teve o gosto de ser instalado. Logo foram percebendo que se tratava de um malassombro. Era a alma do Capuchinho e dos sacristãos. O sino havia se encantado. O tempo continuou passando, a lagoa Papebinha tornou-se cercada por sítios com casas e outras estradas foram rasgadas por ali. Mas até hoje os mais velhos contam que escutam o malassombro exatamente às seis horas da tarde. Por esse motivo existe o hábito de acender uma vela em louvor às almas dos religiosos ali afogados, e isso se dá exatamente na hora do Angelus. L.C.F. agosto de 1994.
 

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