quinta-feira, 22 de agosto de 2019

A mulher que enganou o diabo



A MULHER QUE ENGANOU O DIABO
Certa vez uma mulher encontrou uma garrafa de vidro. Era recipiente diferenciado. Chamava atenção. Ela a tomou às mãos. Percebeu algo esquisito se mexendo dentro. ERA O DIABO!!!
Ele disse:
- A belíssima dama poderia me tirar daqui? É só destampar a garrafa.
A mulher percebeu a argúcia da estranha figura, pois ela mesma se achava feia demais. Mas como era velha e calejada pela vida, não se importava com piadas. Quis se divertir com a situação, e disse:
- Pois bem, nobre cavaleiro, claro que posso. Eu tenho poderes para lhe soltar e lhe prender.
No mesmo instante retirou a tampa e o diabo saiu num jato, acomodando-se sobre uma pedra. Muito aliviado, disse:
- Ufa! Graças a Deus!
A mulher redarguiu:
- Estranho! Justo o senhor dar graças a Deus! Nunca imaginei ouvir o diabo dar graças a Deus?!!!
O diabo atalhou:
- Eu disse isso?!!!
- Claro! Tu disseste um claro e notório “Ufa! Graças a Deus!”
- Ave Maria! Cruz Credo três vezes, eu falei isso sem querer (disse isso batendo num galho seco de árvore). Foi força de expressão!
- Olha agora o que acabaste de falar!
- Como assim?
- Tu acabaste de dizer claro e em bom som “Ave Maria! Cruz Cedo três vezes!” Ainda bateste numa madeira três vezes!
- Eu disse isso? Sostô!!! Que presepada bater em madeiras... coisas desses folclores velhos!!!
- Seja como for, tu disseste “Ave Maria! Cruz Cedo três vezes!”
- Meu Deus! Logo eu dizer isso!
- Pois, sim. E agora acaba de dizer “Meu Deus! Logo eu dizer isso!”
- A senhora está querendo me enlouquecer, pelo visto. Bem que me disseram que com mulher não se brinca. São ladinas como as serpentes!
- Se se brinca ou não se brinca, o senhor é que deve estar brincando! Mas chamaste por Deus. Ouvi muito bem com essas oiças que Deus mo deu.  
- Certo. Eu até acredito, mas quis mesmo chamar pelas potestades do mal.
- Cruz Credo!!! Vire essa boca para lá! Leve o teu mal para os mil e seiscentos diabos!
- Ora! Mas a senhora disse que tinha poder para me soltar e me prender novamente. Senti vontade de rir ao ouvir essa bestagem, mas como queria ajuda, me calei. Que invenção é essa?  Respeite, a senhora está falando com o diabo. Não sou qualquer coisa. Não é tão esperta? Toma-me nas mãos e me coloque de volta na garrafa!
Percebendo o erro que acabara de cometer, a mulher pensou logo em reverter a situação, mas preferiu lhe dar corda inicialmente.
- Senhor diabo, eu só estava brincando. O senhor é que tem poder. Quem sou diante de tamanha criatura.  Mesmo se tivesse poder para colocá-lo de volta não o faria, pois estou adorando a vossa companhia. Se estivesses na garrafa não estaríamos em prosa tão agradável. Eu sempre quis conhecer o diabo!
- Ah! é? Mas eu não posso ficar aqui perdendo tempo com vossa pessoa. Preciso sair aí pelo mundo em busca de malfazejos. Tenho muito serviço... pois é, já me vou indo!
       - Não vá – insistiu a mulher - fique e prove de fato que tens poder. Queria ver na prática o que dizem sobre vossa nobre pessoa. Nunca vi nada demais que vossa persona tenha feito.  Dão-te toda essa protuberância meléfica... mas, com perdão da palavra, estás parecendo um bobinho, aliás, bonzinho!
       O diabo, inchado de raiva e vermelho igual ao diabo, bravejou:
       - Sois abusada mesmo! Diga o que queres?
   - Se sois esse cara todo que falam, cheio de malevolências, infernizador-mor do mundo, entre e saia novamente da garrafa. Duvido! Tu lá tens poder para isso? Sois um mentiroso!
       - Oras bolas, que ingênua. Esqueces que sou o pai da mentira. Mas se achas que sou um ingênuo qualquer, estás benevolamente enganada. Mostro que entro e saio disso sem problema algum. Não viste que saí como um raio?!!!
       - De fato! Mas deixes de blábláblá e te enfia nessa garrafa que ganha muito mais. Tu tens lá maldade. Sois bonzinho igual a um anjo da guarda!
       O diabo, ainda mais inchado deu uma guinchada e num rompante apareceu dentro da garrafa.
       - Veja, disse ele – estou cá dentro – percebe?
       - E não é verdade, mesmo!!! Pois dê umas piruetas...
       Enquanto o diabo estava entretido com a falácia, ela pegou imediatamente a tampa e meteu-a na boca da garrafa, prendendo o bute.
       - Pronto! Continue dançando! Danças bem, aliás, mal...
       - Maldita! Infeliz! Demônia dos mil e setecentos diabos me enganaste! Sois ladina!
       - Claro, meu jovem fedido. Estava só no banho-maria. Quando percebi que eras o diabo em pessoa, aliás, em espírito mal... espírito de porco... vi a gravidade do que fiz. Coloquei o mundo em risco. Desde que o libertei, me vi no dever de criar um contexto para levá-lo no bico e engarrafá-lo novamente. E veja que caíste como um diabinho desajuizado! Pois bem. Fique aí bem quietinho! Vá dormir com os anjos...
       O diabo desmaiou de ódio ao ouvir tamanho insulto.
       Ela aproveitou e enterrou a garrafa bem no fundo de um buraco. Pôs até uma pedra sobre ela. Esse episódio se deu na Barreira do Inferno.
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       Sempre ouvi alguém dizer que ‘a mulher enganou o diabo’. Nunca ouvi alguém contando a história. Certo dia, sem que eu estivesse sequer imaginando algo parecido, ouvi o esqueleto dessa história dentro de um VLT, em 2017, contada por um bêbado. Ele adentrou no veículo dizendo pilhérias e abusos. Todos se afastaram. Fedia a urina. Uma mulher disse-lhe algum desaforo. Ele mastigava algumas palavras tronchas contra ela. Percebi quando ele disse: “mas também a mulher enganou o diabo!”. Aproximei e engatei conversa. Fiquei curioso com o que ouvi. Perguntei-lhe: que história é essa de a mulher ter enganado o diabo? Ele disse: o senhor nunca ouviu? Não, respondi. Renunciei ao meu olfato para não perder a oportunidade de tamanho tesouro. Peguei do lápis e agenda. Anotei os tópicos. Somente ontem organizei este texto, lembrando que hoje seria o dia do Folclore. Foi assim em meio ao aroma de mijo que tenho a graça de oferecer-lhes a história...

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