Em
1954, quando os despojos de Nisia Floresta chegaram ao Brasil, que
aportou no cais de Natal, uma multidão o aguardava, ali mesmo foi
executado o Hino Nacional enquanto os despojos deixavam a embarcação.
Houve missa no Ginásio Municipal de Esportes em Natal. à ocasião a
jornalista e professora D. Chicuta Nolasco Fernandes, então diretora da
Escola Normal de Natal, organizou um grupo de alunas para fazer as vezes
de "Guarda de Honra" junto ao caixão com os restos mortais de Nísia
Floresta. A
educadora recebeu muitas críticas devidas ao histórico de
conservadorismo da instituição, além de outras autoridades. Alguns
natalenses não compreendiam como uma escola com padrão de referência
parava para homenagear uma mulher cuja história era regada à difamação
decorrente da famosa carta-detratora escrita por Isabel Gondim.
sábado, 4 de dezembro de 2021
Chicuta Nolasco e sua relação com Nísia Floresta - 1954
Sabemos que entre 1884 (data da carta) e 1954 (chegada dos despojos) perpassaram 70 anos. Muita água rolou e diversos acontecimentos evocativos à Nísia Floresta aconteceram em diversos lugares, por exemplo, o monumento em sua homenagem (em Papari/1909), outro monumento em Natal (1911), dentre conferências, textos de simpatizantes pelo Brasil afora. Adauto da Câmara já havia publicado um belo livro sobre Nísia Floresta (1941), Raquel de Queiroz escreveu sobre ela na década de 50, Monteiro Lobato também a enaltece em um de seus livros que no momento não me recordo o título. Enfim, soma-se a esses nomes figuras extraordinárias como Gilberto Freyre e uma infinidade de brasileiros. Mas a carta de Isabel Gondim ainda era muito forte. Muitas pessoas pareciam mais estimuladas à fofoca que à verdade. E esse ranço, embora muito diluído, ainda segue.
D. Chicuta Nolasco foi metralhada por críticas, mas não abriu mão. Ela sabia da importância de sua conterrânea e ignorou os opositores gratuitos, inclusive algumas autoridades. Foi um dos gestos mais belos ocorridos no RN quando do referido episódio. Para quem não sabe, D. Chicuta nasceu em Jardim de Piranhas, diplomou-se em 1929 e sempre se envolveu em polêmica.
Em 1930 ela foi contratada pelo governo pernambucano para integrar a Comissão de professores para colaborar na reforma "José Escobar". O episódio provocou grande celeuma nos centros educacionais do país. Exerceu a função de professora de História e Língua Portuguesa na Escola Doméstica durante 35 anos. Foi a primeira mulher a exercer o cargo de diretora da Escola Normal de Natal. Depois foi nomeada para lecionar Língua Portuguesa na Escola Normal de Natal. Essa escola recebeu posteriormente o nome de "Instituto Presidente Kennedy". Também colaborou no jornal A República, escreveu peças teatrais e pertenceu a várias instituições filantrópicas e de outras naturezas em Natal.
Em 2007 visitei a professora Noilde Ramalho na Escola Doméstica, onde ela foi diretora por mais de 50 anos. Foi uma tarde inesquecível. Muito serena e delicada, ela atendeu-me como quem recebe um parente querido. Conversamos muito em sua sala. Contei-lhe que havia estado com Chicuta Nolasco e ela se surpreendeu a ponto de mudar a fisionomia, em nítida admiração.Havia uma caneta de caligrafia em sua mesa. Ela informou ter comprado num país que não me recordo mais. Então, como calígrafo, peguei dessa caneta e de um papel e comecei a escrever palavras aleatórias; depois caligrafei o nome "Noilde Ramalho”. Nunca me esqueço do seu gesto. Ela se afastou do espaldar da cadeira e, num rompante, trouxe a cabeça até se aproximar do papel. Ficou impressionada, dizendo que era difícil uma pessoa trazer aquela letra nos dias de hoje. Então expliquei-lhe que aquilo era fruto de um pai rigoroso, que tinha uma letra incrível.
Após boas conversas sobre coisas velhas do Rio Grande do Norte, ela disse que iria me dar um livro que gostava muito, e via em mim a pessoa certa. Então levantou-se, foi até um armário e esquadrinhou as prateleiras, localizando a obra "Menina Feia e Amarelinha", obra de autoria de Chicuta Nolasco. Um primor. Para mim foi um dos presentes mais significativos da minha vida, justamente por esse contexto, e por suas palavras.
Pois bem… e assim vamos montando o quebra-cabeça de histórias encobertas pela poeira da desmemória...
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