Um dia meus amigos me participaram tamanho assunto que os tive na conta dos doidos. Eis que me contaram a façanha de Guandu, um nosso amigo índio de infância lá da aldeia. Ele deu de sair com uma conversa que falava de árvores que voavam. Na risca fui ter com Guandu, tentar abraçar melhor aquela palestra. Matutei tratar de histórias velhas do avô de Guandu. Ele nos entranhava em causos misteriosos, catados das matas. Então eu disse “guandu, por que você proseia por aí que as árvores voam?” Eis que ele se saiu com essa palestra: “a verdade é bonita de se dizer, eu não posso desmentir os digos dos meus olhos, eu não posso desmentir os digos dos meus ouvidos, eu não posso desmentir os digos da minha boca, eu não posso desmentir os digos do meu nariz. A natureza é dizedora. É senti-la, isso só... Eis que as árvores estão inteirinhas dentro das sementes, eis que não importam os seus tamanhos, sejam como pedrinha qual semente de sucupira, sejam grandes como a semente de castanha do Pará, seja minúscula como a semente de Ibirapitanga, seja a semente do tamanho de um fio, como a quaresmeira ou embaúba… as árvores estão ali, guardadinhas dentro das sementes, como criancinha na barriga da mãe, como a sucuri ou a onça, guardadas para nascer depois que saem de dentro dos seus bichos-mães. Então as árvores crescem como aqueles prédios de uma cidade. Então das árvores saem sementes já responsabilizadas de gravidez. Então tem algumas que explodem suas caixinhas. Então as sementes voam nos mais longes céus. Há sementes que são todinha um passarinho-mirim, do tamanhozinho de um cisco. Então o vento sopra aquela semente. Então ela viaja para os lugares. Então caem na terra. Então o solo a abraça. Então surge uma pequena árvore e crescerá igual a mãezinha dela. Também existem sementes que voam dentro dos bichos. Voam no papo dos pássaros que comem as frutas e passeiam os seus estrumes por onde andam. E tem os bichos de patas. Eles vagueiam desaparecidos, comem os frutos e viajam os estrumes nos infinitos. É assim, toda árvore voa, não importa se uma gigante gameleira, se um baobá, se um jequitibá ou qualquer cipó. É assim que a natureza faz florestas. É assim que as florestas fazem águas, rios, lagos, nascentes, chuvas, corixos…”. Indígena é sabedor para coisas que dessabemos. Encantei-me pela explicação de Guandu. De doido ele só tem só nada. Doidos, sim, os nossos pensares que pensavam que as árvores têm asas de passarinhos e voam como aviões. Doidos sim os maus juízos que pregávamos em Guandu. Já ia deixar esquecido que Ibirapitanga é o nome que os indígenas chamam o pau-brasil. No idioma indígena significa “árvore vermelha”. Guandu ainda esclareceu que ybirá é árvore e pitanga, vermelho. Eis que tive essa aula de natureza com Guandu. Nunca me esqueci. Nunca mais desprezei a sabedoria daqueles povos. Toda vez que passeava na floresta que abraçava a cidade, olhava o céu. Sabia que havia muita árvore voejando… L.C. F. 9.6.2006.
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