segunda-feira, 12 de junho de 2023

O livro da minha infância...


Toda infância é um livro na biblioteca da memória e jamais reaberto por alguém que não seja nós mesmos... Há tantos desses livros esquecidos, perdidos, carcomidos, empoeirados... Só nós temos o poder de viajar nessas obras da memória e voar, e fazer piruetas, e rodopiar, e virar as páginas, e voltar as páginas, e reviver tudinho tal e qual... sem mexer no enredo, pois o que foi escrito, foi escrito. O meu livro está sempre aberto porque reler a minha meninice é como comer um pedaço de doce. O livro da minha infância traz um tempo cujas nossas vidinhas miúdas, inocentes e arteiras, moravam dentro de uma caixa de brinquedo (passei para o plural porque não existe infância verdadeira sem estar misturadas às outras infâncias). Essa caixa de brinquedo era feita de terra vermelha, lama, chuva, enxurrada, rios, mato, frutas silvestres e uma infinidade de bichos saltando entre árvores... Uma caixa que guardava as histórias de Trancoso contadas à noitinha pelo "Seu Expedito". Existíamos numa fartura extraordinária de infância. Creio que sinônimo de infância é felicidade, e antônimo de infância é mau. Nossos brinquedos não se quebravam. Nossas brincadeiras não conheciam limites. Por isso louvo a minha infância com sabor apetitoso de quintal mágico. Só crianças do nosso tempo viveram os encantos dos espaços sem réguas, sem muros, nem cercas. Onde existiu encanto, existiu a nossa infância. Um buraco cavado com latas enferrujadas ou o pular da ponte era matéria prima para felicidade. Fui menino que revirava os ninhos de cobras, colecionava cacos de vidros coloridos e à noite empreendia viagens com Andersen e Grimm. Fui menino descompromissado com brinquedos de lojas. Meu brinquedo, ou melhor, minha vida foi desse quintal sem fim. O quintal está guardado dentro de uma caixinha de brinquedo que resiste, intacta, nas minhas memórias... eis que hoje visitei essa biblioteca e dei-me com esse livro de infância... 

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