NOVELOS DE AREIA...
Qual semente voejante em redemoinhos e arremessada ao chão,
A cidade germinou em planície vermelha,
Despontando morosa, sob o lençol da terra,
E as casas foram se acomodando aos quarteirões vazios.
O lugarejo, como colcha de retalho, costurou-se lentamente...
Remansosa, a cidade pincelou-se de residências de madeira.
As únicas calçadas estavam deitadas na única praça de único busto.
Eram passeios geométricos de cimento e pedra, separados com ripas de madeira, emoldurados de Coroa de Cristo.
Ninguém se arriscava a mudar de aleia, pois os espinhos picavam.
Tempo em tempo as chuvas cavavam as ruas da cidade.
Os temporais retorciam as marquises do posto de gasolina,
Voando-as longe,
Enquanto os meninos amavam as enxurradas.
Éramos ribeirinhos,
Tínhamos um rio particular adiante da casa.
Rio que caia do céu e escorregava em nós...
Nossa infância embalou laços afetivos com a lama,
Brinquedos de águas cor de café com leite.
No cemitério gritava um ancho túmulo de madeira, guarnecido de balaústres.
Pedra fundamental: inaugurou o campo santo!
O morto chegou ali por obra de um açougueiro da cidade.
As máquinas Caterpilar davam retidão às ruas vermelhas,
Rasgavam a terra, nivelando avenidas largas, nossos parques infantis.
Um perfume saltava das raízes velhas,
Restos de mata das fazendas Formosa e Limeira.
Na beira das ruas amontoavam-se pequenos morros.
Inventamos brincar “guerra de torrões”.
Nossos brinquedos eram criados na hora,
Conforme acontecia a infância.
Um dia enfiaram imensos lápis de cor na avenida Campo Grande.
Depois pregaram bolas de vidro, chamando-os de postes.
Anoiteceu e descobrimos que os equipamentos esticavam o dia.
Cada lápis tinha um sol amarelo.
Aqueles homens fabricaram o dia dentro noite.
Para a nossa felicidade, nos tornamos notívagos,
Até que o chamado paternal fosse berrado do portão.
Amanhecia, o sol instigava um lençol de areia fina nas ruas.
Agosto enlouquecia os ventos, desenhando novelos de areia iguais tornados.
Os redemoinhos rodopiavam a metros,
Perpassando os nossos corpos como fantasmas,
Pinicavam a pele,
Sacudiam os varais e árvores,
Invadiam os quintais, traquinando tudo,
Os velhos diziam ser o saci buscando fumo.
Não sei bem.
Bem sei que a cidade era infinita em areias...
Onde desfilaram onças e sucuris
Que, agora, escondidas nas matas, olhavam a cidade,
Assistiam aos moradores com seus olhos de fogo.
Essa infância teve parte com a verdade e dou fé. 7.7. 2022
Nenhum comentário:
Postar um comentário