quinta-feira, 25 de julho de 2024

PIONEIRISMO: QUAL A RELAÇÃO DE ARTHUR MOREIRA LIMA, ORIANO DE ALMEIDA E LUIZ GONZAGA?

 


PIONEIRISMO: QUAL A RELAÇÃO DE ARTHUR MOREIRA LIMA, ORIANO DE ALMEIDA E LUIZ GONZAGA? (QUANDO VOCÊ VINHA COM OS CAJUS EU JÁ ESTAVA VOLTANDO DAS CASTANHAS)...

O Rio Grande do Norte tem passagens históricas que marcaram época. Algumas são tão visionárias que, quando contadas, alguns não acreditam, pois o tempo sufocou-as na poeira da falta de divulgação. Elas permanecem desconhecidas por muitos, restando aos trabalhadores da História direcionar os holofotes sobre as mesmas para que os verdadeiros pioneiros sejam enxergados, reconhecidos e respeitados, dando a César o que é de César.

Ser pioneiro não faz ninguém melhor que ninguém, mas quem faz primeiro dividiu águas, marcou época, enfrentou maiores dificuldades, portanto é importante lembrarmos sempre dos que vieram na frente cortando capim a facão. E quando vermos as “novidades” do presente, cabe dizer “lá atrás, alguém fez isso”.

Em 2007, a rede Globo, através do Jornal Nacional, Programa do Faustão, até o Globo Repórter e outras emissoras não falavam outro assunto que não fosse sobre o projeto “Um piano na estrada”, assinado pelo renomado pianista Arthur Moreira Lima (1940), um músico muito excepcional e que até hoje faz a diferença, inclusive segue tocando piano apesar de ter desenvolvido um problema nas mãos (ironicamente). Arthur é um dos maiores especialistas da obra do compositor polonês Frédéric Chopin e passou cinco anos rodando o Brasil.


Quando começou o projeto ele beirava os 70 anos de idade anos, mas isso não o impedia de usar a maior parte do seu tempo viajando pelas deploráveis estradas do interior do país com seu comboio que incluía dois enormes caminhões, um deles servindo como palco. O maestro desafiava os buracos das estradas, levando um piano com cauda de mais de 2 metros, um instrumento perfeito e com tamanho adequado para os salões de concerto de menor porte. E outro caminhão levava outro piano de reserva.

Ele chegava na cidade e, igual a um circo, anunciava a sua arte que também era divulgada nas emissoras de rádio e televisão, resultando num sucesso de plateia. Quem não queria se banhar naquela fonte de arte?

Pois bem, o projeto de Arthur fez o maior sucesso, mas o que me intriga é que nunca vi alguém que tenha divulgado esse projeto fazer a menor referência ao norte-Rio-Grandense Oriano de Almeida (1921 - 2004), renomado músico que fez exatamente o mesmo 60 anos antes. Quando Artur começou, aos 67 anos de idade, Oriano de Almeida já havia começado aos 30 anos de idade.

Na verdade, Oriano nasceu em Belém (PA), mas chegou a Natal com 9 anos de idade e aqui deslanchou no universo da música clássica como exímio pianista. Como músico formado, ele se apresentou nos mais louvados ambientes europeus onde reinava a música clássica.

ORIANO DE ALMEIDA SE APRESENTANDO EM CAICÓ

Ele formou-se em piano com 12 anos no Instituto de Música do Rio Grande do Norte e em 1936 deu seu primeiro recital público, em Recife. Aperfeiçoou-se no Rio de Janeiro, onde foi muito elogiado. Em sua carreira se apresentou em quase todos os estados brasileiros e nos Estados Unidos, França, Itália, Espanha, Polônia, Uruguai, Paraguai e Argentina. Na Inglaterra apresentou-se a convite do governo britânico, além de ter sido professor em diversas universidades federais do Brasil, inclusive era membro da Academia Norte-Riograndense de Letra e do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte.

Como compositor deixou canções, música de salão e uma coleção de peças para piano de inspiração folclórica. Nesse aspecto ele nos lembra Brasílio Etiberê. Oriano é referência para quem estuda música clássica, principalmente no Rio Grande do Norte, inclusive há um pequeno memorial em sua homenagem no anexo do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, em Natal, ao lado da Praça João Maria. Na década de 40 foi considerado um dos maiores intérpretes da obra de Chopin do mundo.

MEMORIAL EM HOMENAGEM A ORIANO DE ALMEIDA - ANEXO DO IHGRN.

Oriano escreveu Paris... Nos Tempos de Debussy. Mais do que uma biografia de Debussy, essa obra deveria ser referência para todos pela alta qualidade e multiplicidade de assuntos. Na verdade, a biografia de Oriano de Almeida dá uma Bíblia. Ele ganhou muitos prêmios, honrarias, gravou muitos Lp’s. É muito reconhecido, inclusive o auditório da Escola de Música da UFRN tem o seu nome.

Mas o que eu quero chamar a atenção do leitor é sobre um projeto de Oriano de Almeida que, inclusive – por incrível que pareça –, não consta em sua biografia na Wikipédia. Também não vi em outros matérias sobre ele, mas que é fato e existem registros fotográficos, como podem ser vistos nessa postagem.

Na década de 40, Oriano de Almeida percorreu alguns municípios do Rio Grande do Norte levando um piano e se apresentando para diversos públicos. Vejam se isso não era visionário! Ele fez diferente!


Sabemos que Heitor Vila Lobos, Mário de Andrade e outros monstros da intelectualidade brasileira percorreram muitas partes do Brasil recolhendo músicas populares e folcloridades, mas o faziam como pesquisadores, estudiosos, cumprindo a função de recolher material. Diferente de tudo, Oriano de Almeida percorreu lugares levando a música clássica – apresentando-se com um piano sobre a carroceria de um caminhão –, num tempo que não existiam estradas e o povo mal sabia o que era a própria música popular. Imagine a música erudita. Ele é o grande pioneiro, inclusive, se soubesse disso, provavelmente Arthur Moreira Lima teria colocado o seu nome nesse projeto.

E ainda dando a César o que é de César, na década de 50 o famoso músico pernambucano Luiz Gonzaga (1912 - 1989) viajou pelo interior do Brasil com um caminhão que, sem adaptação nenhuma, era usado como palco, encantando a plateia de maneira diferente, pois o popular é mais comum, e Luiz Gonzaga era um showman. O povão ficava louco.

LUIZ GONZAGA EM TOUR PELO BRASIL

Obviamente que o projeto de Arthur Moreira Lima era maior em proposta e atingia maior público, percorreu diversos estados e eventualmente se associava às programações já prontas de diversos eventos culturais de determinados locais, como o aniversário de Brasília, por exemplo. Mas não era melhor. Era apenas diferente. Os três tinham notáveis qualidades.

Com este texto, provoco o leitor a ligar sempre o “modo dúvida” quando ver algo novo – ou “novo” –, pois muitas vezes podemos estar sendo injustos ao omitirmos quem construiu o asfalto para que outros passassem. Ou melhor, quem, percorreu a estrada de terra e teve a ideia de fazer o asfalto. Isso não acontece apenas na História do Rio Grande do Norte, mas em outros estados também. A História deve ser sempre reparada. (L.C. Freire).




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