Gaudi o santo transgressor

- Igual
a alguns poetas que transgridem as normas da
gramática e constroem escritos excepcionais,
Gaudi foi um desses desertores e produziu uma arquitetura
ousada e surpreendente.
- Suas
obras são esculturas instigantes que parecem saídas de um naco
insignificante de argila e transformado em edificações
inacreditáveis. Não há como vê-las sem contemplação.
- As
cores, formas e os materiais... tudo nos convida a perquirir cada
detalhe.
- Como
não bastasse a excepcionalidade do Palácio
Guell –
sua
primeira obra – ele produziu móveis singulares. Há um
tocador que parece bicho estranho. Cadeiras lembram animais em
movimento (creio ser tênue a linha que separa pintura, arquitetura, literatura, engenharia, anatomia - se é que ela existe).
- Suas
inconfundíveis chaminés transmitem alegria e infância. As torres
percorrem os telhados, oferecendo um aspecto similar ao de
um pequeno bosque de cipestres.
- Esse palácio nos
reporta a uma escultura surrealista. Não há cantos, há curvas. Há
côncavos e convexos.
- A
leveza do formato orgânico dos metais desafia o entendimento.
- Ele
conseguiu levar luz natural a ambientes nunca antes
conseguido pelos mais respeitáveis engenheiros.
- Criou
nesse monumento espaços diáfanos, que enganam os sentidos. Até
um firmamento se faz presente.
- A
singularidade de tudo o que se vê não ofusca a presença da
natureza, denotando o quanto ele a valorizava.
- Não
é de se estranhar que durante a sua construção a imprensa
divulgou-a de forma incomum.
- Os
ziguezagues do Colégio
Teresiano.
Alguém viu algo igual? Seus belíssimos arcos parabólicos. Foi ali
que ao ser lembrado para gastar menos, respondeu ao padre que o
encomendou: "Com todo respeito, padre Enric, mas o senhor entende de missas, eu entendo de fazer prédios".
- A Casa
Calvet,
ou a casa da fantasia, a mais convencional de suas obras. Suas
famosas cruzes, as belas esculturas no telhado. Os móveis, iguais
aos seus edifícios, são a expressão de um equilibrado jogo
harmônico entre sobriedade e barroquismo.
- A Cripta
da Colônia Guell é
pura genialidade e uma de suas obras mestras. Seus arcos
parabólicos.
- A
aparência externa, dinossáurica, às vezes lembrando um
animal estranho, contradiz o seu interior. Nota-se quão
cuidadoso foi esse gênio com a pressão sobre os pilares
em conformidade com as escalas.
- Essa
obra é um hino, uma poesia disfarçada de arquitetura.
Cada coluna sustenta a composição de uma árvore. Sua
modernidade incomoda.
- Aliás,
suas obras são assim: depende de onde se olha se vê o dórico e ao
mesmo tempo o gótico, o neogótico, o árabe, o persa, o
ultramoderno... logo se volta ao medieval como se rendesse homenagem
ao passado glorioso da Catalunha. Há cuidado em
prestar culto ao nacionalismo e a religiosidade.
- A Casa
Bellesguard é
um castelo medieval em miniatura. Sua magnífica porta e a influência
do neogótico em suas janelas causam admiração.
- A
fachada recorda a Idade Media.
- Nessa
obra de arte, Gaudi teve o cuidado de respeitar as
ruínas da casa de campo do último rei de Aragón. A brancura
interior, a luz vazada de coloridos vitrais, em harmonia com azulejos
coloridos contrastam com as pedras escuras que revestem as
paredes externas.
- O
incrível Parque
Guell de
pura arquitetura orgânica é simplesmente um encanto escultural.
- O
banco sinuoso e contínuo de mosaico com diferentes fragmentos
cerâmicos lembra as gigantescas sucuris pantaneiras.
Teria ele pensado em grupos de reuniões a céu aberto? São
fascinantes os motivos ornamentais que serpenteiam ao longo de seu
corpo.
- Essa
obra revela um artista com uma extraordinária intuição para a
forma e a cor: verdadeiro escultor.
- Esse
inigualável conjunto arquitetônico é um estranho corpo de pedra,
cimento, ferro, azulejos e ladrilhos espraiados engenhosamente por um
terreno acidentado, surpreendendo a cada centímetro.
- As
casas parecem saídas dos contos de fadas. Suas pedras sempre em tom
ocre com telhados revestidos de azulejos multicoloridos transmitem
felicidade aos céus.
- O dragão
com escamas a base de azulejos multicolores faz-se de guarda,
mas encanta mais que assusta. Sua figura
representa Pithon, guardiã das águas subterrâneas.
- Num
dado momento um pórtico com colunas de estilo dórico se levanta
como um imponente templo grego: uma reverência a Guell, admirador da
arte antiga e seu mecenas.
- As
colunas lembram palmeiras. O belo anfiteatro. Suas cavernas
com ventilação perfeita. Na aridez do terreno houve o
cuidado de canalizar as águas da chuva para
reaproveitá-las, combinando arte com
funcionalidade.
- A Casa
Batló,
construída no ponto culminante de sua carreira é pura profusão e
riqueza. Chama a atenção as poderosas colunas parecidas com as
patas de um elefante. O telhado recorda a espinha dorsal de um
dinossauro.
- Os
balcões retorcidos parecem máscaras gigantes. A casa tem pele, é
de peixe!
- Os
cantos e as formas que, pela arquitetura convencional seriam
quadradas, desaparecem, se ondulam oferecendo o mesmo aspecto de pele
escorregadia de uma serpente aquática.
- Os
muros externos são como pele, suaves e moldáveis. Esse sonho de
naturalismo e flexibilidade se estende também no seu
interior.
- Nenhum
outro edifício de Gaudi mostra tanta modernidade. Sua arquitetura
vanguardista é das mais chocantes. A construção nos leva ao mundo
da fantasia, assim como a Casa Calvet.
- O
prédio parece mole, algo feito de barro recém-modelado como as mãos
de oleiros alisando seus potes.
- Tudo
é curvo, roliço, arredondado. Até o teto. A casa nos transmite o
quadro "A Persistência da Memória", de Dali, com seus
relógios derretidos. A casa também parece se derreter.
- Balcões
semelhantes a gotas de mel... quem já viu isso?
- A
Casa Batló é verdadeira casinha de alfinin.
Nada lembra as pedras duras, frias que modelam o seu corpo
arquitetônico.
- Na
sala onde se encontra a lareira, tudo parece rechonchudo, macio,
ondulado.
- A
Casa Milá,
apelidada de 'a pedreira' provocou estupefação nos contemporâneos
de Gaudi, sendo incompreendida durante muito tempo.
- Não
faltou quem fizesse caricaturas, paródias e deboches, desacreditando
em cada metro que se erguia… Estariam assustados?
- Mas
com certeza tanta ironia não era mais que uma prova de fascinação
que ela exerceu sobre seus contemporâneos.
- Essa
construção constitui uma síntese de todos os elementos que definem
a época tardia do estilo gaudiano.
- A
casa é paisagem em movimento. Sua fachada é obra primorosa…
fantástica.
- Os
numerosos ventiladores e chaminés configuram uma estranha paisagem
de esculturas surrealistas, cujas formas se repetirão muito mas
tarde na história da escultura.
- Este
atrativo residia desgraçadamente em detalhes externos, duvidando
por completo que Gaudi havia baseado em reflexões
práticas. Havia uma antecipação do futuro, como o
prelúdio da garagem subterrânea dos porões.
- Suas
obras são marcadas por inúmeros chaminés:
características puramente gaudiana.
- A Igreja
da Sagrada família,
de inspiração gótica, parece saída dos contos fantásticos.
Não há nada que se possa comparar em toda a história da
arte.
- Quando
falamos de um gênio como esse, o mais comum é apontarmos uma obra
de culminação. Mas em Gaudi isto é impossível, pois com a Sagrada
Família, sua obra mestra, ele ocupou toda a sua vida.
- Quando
compunha se encantava com a própria obra. Era tanto que não admitia
vê-la lenta ou parada. Durante a primeira Guerra Mundial ia de porta
em porta pedindo donativos para que os trabalhos não parassem, mas
infelizmente só chegou a concluir uma torre.
- Por
falar nelas, lembram as mitras episcopais.
- A
Igreja da Sagrada Família é uma oração de pedra. Lugar onde as
rochas exalam Deus.
- As
doze torres que coroam a fachada fazem referência a toda a
cristandade, representadas através dos doze apóstolos.
- Gaudi
tinha repugnância pela monocromia. Dizia que a natureza é
multicolorida e desconforme, portanto sua obra seria sempre cheia de
vida e de formas diversas.
- Outro
detalhe também interessante e que o faz poeta da arquitetura: ele
gostava de introduzir em suas obras letras e palavras sob forma de
anagramas.
- É
impossível encontrar em suas obras algum elemento igual.
- A
escultura de um caracol, uma tartaruga serve de base a uma coluna
situada ao lado do portal do amor, ao lado aparecem animais
domésticos.
- Às
vezes até nós mesmos não entendemos como alguns
de seus edifícios se sustentam em pé. Algumas obras
refletem frágil aspecto, mas se caracterizam por assombrosa
firmeza.
- Tudo
é permeado por mosaicos, ladrilhos, cristais, azulejos,
madeira, ferro, pedra, vidro, fragmentos de vidros, vitrais,
cerâmicas... dominava o ladrilho como nunca.
- Gaudi
antecipou as técnicas de colagem dadaísta, os métodos cubistas de
Picasso e Miró, e as próprias pinturas de Miró.
- As
instituições públicas de sua época o ignoraram, mas ele teve
sorte com os canais privados, assim como o
industrial Guell, seu maior fã e mecenas.
- O
conjunto de sua obra revela ousadia e criatividade
insuperável.
- Sua
abnegação, sua religiosidade o tornam santo, tal
qual a santidade de sua arquitetura.
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