quinta-feira, 8 de junho de 2017

Gaudi o santo transgressor

  • Igual a alguns poetas que transgridem as normas da gramática e constroem escritos excepcionais, Gaudi foi um desses desertores e produziu uma arquitetura ousada e surpreendente.

  • Suas obras são esculturas instigantes que parecem saídas de um naco insignificante de argila e transformado em edificações inacreditáveis. Não há como vê-las sem contemplação.

  • As cores, formas e os materiais... tudo nos convida a perquirir cada detalhe.

  • Como não bastasse a excepcionalidade do Palácio Guell sua primeira obra – ele produziu móveis singulares. Há um tocador que parece bicho estranho. Cadeiras lembram animais em movimento (creio ser tênue a linha que separa pintura, arquitetura, literatura, engenharia, anatomia - se é que ela existe).

  • Suas inconfundíveis chaminés transmitem alegria e infância. As torres percorrem os telhados, oferecendo um aspecto similar ao de um pequeno bosque de cipestres.

  • Esse palácio nos reporta a uma escultura surrealista. Não há cantos, há curvas. Há côncavos e convexos.

  • A leveza do formato orgânico dos metais desafia o entendimento.

  • Ele conseguiu levar luz natural a ambientes nunca antes conseguido pelos mais respeitáveis engenheiros.

  • Criou nesse monumento espaços diáfanos, que enganam os sentidos. Até um firmamento se faz presente.

  • A singularidade de tudo o que se vê não ofusca a presença da natureza, denotando o quanto ele a valorizava.

  • Não é de se estranhar que durante a sua construção a imprensa divulgou-a de forma incomum.

  • Os ziguezagues do Colégio Teresiano. Alguém viu algo igual? Seus belíssimos arcos parabólicos. Foi ali que ao ser lembrado para gastar menos, respondeu ao padre que o encomendou: "Com todo respeito, padre Enric, mas o senhor entende de missas, eu entendo de fazer prédios".

  • Casa Calvet, ou a casa da fantasia, a mais convencional de suas obras. Suas famosas cruzes, as belas esculturas no telhado. Os móveis, iguais aos seus edifícios, são a expressão de um equilibrado jogo harmônico entre sobriedade e barroquismo.

  • Cripta da Colônia Guell é pura genialidade e uma de suas obras mestras. Seus arcos parabólicos.

  • A aparência externa, dinossáurica, às vezes lembrando um animal estranho, contradiz o seu interior. Nota-se quão cuidadoso foi esse gênio com a pressão sobre os pilares em conformidade com as escalas.

  • Essa obra é um hino, uma poesia disfarçada de arquitetura. Cada coluna sustenta a composição de uma árvore. Sua modernidade incomoda.

  • Aliás, suas obras são assim: depende de onde se olha se vê o dórico e ao mesmo tempo o gótico, o neogótico, o árabe, o persa, o ultramoderno... logo se volta ao medieval como se rendesse homenagem ao passado glorioso da Catalunha. Há cuidado em prestar culto ao nacionalismo e a religiosidade.

  • Casa Bellesguard é um castelo medieval em miniatura. Sua magnífica porta e a influência do neogótico em suas janelas causam admiração.

  • A fachada recorda a Idade Media.

  • Nessa obra de arte, Gaudi teve o cuidado de respeitar as ruínas da casa de campo do último rei de Aragón. A brancura interior, a luz vazada de coloridos vitrais, em harmonia com azulejos coloridos contrastam com as pedras escuras que revestem as paredes externas.

  • O incrível Parque Guell de pura arquitetura orgânica é simplesmente um encanto escultural.

  • O banco sinuoso e contínuo de mosaico com diferentes fragmentos cerâmicos lembra as gigantescas sucuris pantaneiras. Teria ele pensado em grupos de reuniões a céu aberto? São fascinantes os motivos ornamentais que serpenteiam ao longo de seu corpo.

  • Essa obra revela um artista com uma extraordinária intuição para a forma e a cor: verdadeiro escultor.

  • Esse inigualável conjunto arquitetônico é um estranho corpo de pedra, cimento, ferro, azulejos e ladrilhos espraiados engenhosamente por um terreno acidentado, surpreendendo a cada centímetro.

  • As casas parecem saídas dos contos de fadas. Suas pedras sempre em tom ocre com telhados revestidos de azulejos multicoloridos transmitem felicidade aos céus.

  • O dragão com escamas a base de azulejos multicolores faz-se de guarda, mas encanta mais que assusta. Sua figura representa Pithon, guardiã das águas subterrâneas.

  • Num dado momento um pórtico com colunas de estilo dórico se levanta como um imponente templo grego: uma reverência a Guell, admirador da arte antiga e seu mecenas.

  • As colunas lembram palmeiras. O belo anfiteatro. Suas cavernas com ventilação perfeita. Na aridez do terreno houve o cuidado de canalizar as águas da chuva para reaproveitá-las, combinando arte com funcionalidade.

  • Casa Batló, construída no ponto culminante de sua carreira é pura profusão e riqueza. Chama a atenção as poderosas colunas parecidas com as patas de um elefante. O telhado recorda a espinha dorsal de um dinossauro.

  • Os balcões retorcidos parecem máscaras gigantes. A casa tem pele, é de peixe!

  • Os cantos e as formas que, pela arquitetura convencional seriam quadradas, desaparecem, se ondulam oferecendo o mesmo aspecto de pele escorregadia de uma serpente aquática.

  • Os muros externos são como pele, suaves e moldáveis. Esse sonho de naturalismo e flexibilidade se estende também no seu interior.

  • Nenhum outro edifício de Gaudi mostra tanta modernidade. Sua arquitetura vanguardista é das mais chocantes. A construção nos leva ao mundo da fantasia, assim como a Casa Calvet.

  • O prédio parece mole, algo feito de barro recém-modelado como as mãos de oleiros alisando seus potes.

  • Tudo é curvo, roliço, arredondado. Até o teto. A casa nos transmite o quadro "A Persistência da Memória", de Dali, com seus relógios derretidos. A casa também parece se derreter.

  • Balcões semelhantes a gotas de mel... quem já viu isso?
  • A Casa Batló é verdadeira casinha de alfinin. Nada lembra as pedras duras, frias que modelam o seu corpo arquitetônico.

  • Na sala onde se encontra a lareira, tudo parece rechonchudo, macio, ondulado.

  • A Casa Milá, apelidada de 'a pedreira' provocou estupefação nos contemporâneos de Gaudi, sendo incompreendida durante muito tempo.

  • Não faltou quem fizesse caricaturas, paródias e deboches, desacreditando em cada metro que se erguia… Estariam assustados?

  • Mas com certeza tanta ironia não era mais que uma prova de fascinação que ela exerceu sobre seus contemporâneos.
  • Essa construção constitui uma síntese de todos os elementos que definem a época tardia do estilo gaudiano.

  • A casa é paisagem em movimento. Sua fachada é obra primorosa… fantástica.

  • Os numerosos ventiladores e chaminés configuram uma estranha paisagem de esculturas surrealistas, cujas formas se repetirão muito mas tarde na história da escultura.

  • Este atrativo residia desgraçadamente em detalhes externos, duvidando por completo que Gaudi havia baseado em reflexões práticas. Havia uma antecipação do futuro, como o prelúdio da garagem subterrânea dos porões.

  • Suas obras são marcadas por inúmeros chaminés: características puramente gaudiana.

  • Igreja da Sagrada família, de inspiração gótica, parece saída dos contos fantásticos. Não há nada que se possa comparar em toda a história da arte.

  • Quando falamos de um gênio como esse, o mais comum é apontarmos uma obra de culminação. Mas em Gaudi isto é impossível, pois com a Sagrada Família, sua obra mestra, ele ocupou toda a sua vida.

  • Quando compunha se encantava com a própria obra. Era tanto que não admitia vê-la lenta ou parada. Durante a primeira Guerra Mundial ia de porta em porta pedindo donativos para que os trabalhos não parassem, mas infelizmente só chegou a concluir uma torre.

  • Por falar nelas, lembram as mitras episcopais.

  • A Igreja da Sagrada Família é uma oração de pedra. Lugar onde as rochas exalam Deus.

  • As doze torres que coroam a fachada fazem referência a toda a cristandade, representadas através dos doze apóstolos.

  • Gaudi tinha repugnância pela monocromia. Dizia que a natureza é multicolorida e desconforme, portanto sua obra seria sempre cheia de vida e de formas diversas.

  • Outro detalhe também interessante e que o faz poeta da arquitetura: ele gostava de introduzir em suas obras letras e palavras sob forma de anagramas.

  • É impossível encontrar em suas obras algum elemento igual.
  • A escultura de um caracol, uma tartaruga serve de base a uma coluna situada ao lado do portal do amor, ao lado aparecem animais domésticos.

  • Às vezes até nós mesmos não entendemos como alguns de seus edifícios se sustentam em pé. Algumas obras refletem frágil aspecto, mas se caracterizam por assombrosa firmeza.

  • Tudo é permeado por mosaicos, ladrilhos, cristais, azulejos, madeira, ferro, pedra, vidro, fragmentos de vidros, vitrais, cerâmicas... dominava o ladrilho como nunca.

  • Gaudi antecipou as técnicas de colagem dadaísta, os métodos cubistas de Picasso e Miró, e as próprias pinturas de Miró.

  • As instituições públicas de sua época o ignoraram, mas ele teve sorte com os canais privados, assim como o industrial Guell, seu maior fã e mecenas.

  • O conjunto de sua obra revela ousadia e criatividade insuperável.

  • Sua abnegação, sua religiosidade o tornam santo, tal qual a santidade de sua arquitetura.











 












  

















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