ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO COMIGO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. O pelo formulário no próprio blog. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. O título NISIAFLORESTAPORLUISCARLOSFREIRE foi escolhido pelo fato de ao autor estudar a vida e a obra de Nísia Floresta desde 1992 e usar esse equipamento para escrever sobre a referida personagem. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto trechos com menção da fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

sábado, 9 de novembro de 2024

Sr. Diógenes e a Casa Grande da Fazenda Catolé...

Sr. Diógenes

Senhor Diógenes, fazendeiro, 91 anos. Encontrei-o metido na plantação de cardeiro (palmas) e fava na fazenda Católé, em Lagoa Salgada, município do Rio Grande do Norte. Veio me atender com uma pinha em cada mão. Fruta imensa. Nem parece saída de ambiente habituado à aridez. Seu corpo esbelto tem a vitalidade de um jovem. Voz potente. Sua alegria contagiante faz falta a muitos jovens mal humorados - ocupados com o celular -, acostumados com tudo às mãos...


A célebre frase "O sertanejo é, antes de tudo, um forte" foi proferida por Euclides da Cunha em sua obra Os Sertões, publicada em 1902. Nesse trabalho, Euclides retrata o sertanejo como um indivíduo de grande resistência, diferente dos mestiços frágeis e neuróticos do litoral. Embora sua aparência não revele uma forma atlética, nem a simetria e o vigor das figuras esportivas, sua força interior se destaca. A obra Os Sertões é estruturada em três partes: "A terra", "O homem" e "A luta". O livro aborda a vida e as condições sociais dos sertanejos, explora as origens do sertão brasileiro e detalha o episódio histórico da Guerra de Canudos. Juro que era eu olhando o Sr. Diógenes e vendo na minha frente “Os Sertões”. Os Sertões de Euclides e os sertões do Sr. Diógenes...


Amigo de infância da minha mãe. O rio Trairi era o quintal e ao mesmo tempo o parque de diversão dos seus tempos de infância. Quem vê o senhor Diógenes pensa tudo, menos que ele seja o dono daquela fazenda próspera e carregue nove décadas de história. Os fazendeiros de São Paulo deveriam vir aprender humildade com ele. Sua terra produz predominantemente macaxeira, mas nas safras de milho e feijão a produção é próspera. Um amplo galpão guarda mangaios de toda sorte, e faz papel de silo, armazenando grãos e sementes para o novo ano. Tudo guardado em garrafas bem fechadas para não bichar. O inverno é aproveitado como ouro, garantindo a fartura. A cisterna é seu rio.

 


Os arredores da casa grande expressam mil poemas. A verdura dos arvoredos difere dos arrabaldes secos, permeados de garrancheira. Gado bonito, bem cuidado, empregados tangendo os bichos no curral, chiqueiro distanciado do casarão, galinhas, perus e guinés criados soltos, lenha franca, forrageira devorando tudo, pilha de cardeiro aguardando destino, manivas amontoadas para plantio, caminhão carregado de sacos de farinha de mandioca… tudo capitaneado por um homem de responsabilidade gigante, cuja estatura miúda insiste em nos causar admiração. De onde vem tanta energia?

 


Católico fervoroso, devoto de São José, mandou demolir a capela velha e erguer uma maior em louvor ao pai de Jesus. Há um quadro com uma pintura da fazenda na parede. Foi feito por um artista local. A sede da fazenda lembra o surgimento das antigas urbes. No centro, um cruzeiro simbolizando a religiosidade, olha para o templo, abraçado a sua moradia. O casario dos filhos e empregados emoldura o resto, formando a letra ‘C’. Atrás das casas ficam as árvores frutíferas e hortas.

 


A capela de São José recebia roupa nova naqueles dias. Encontrei-a se trocando, afinal o Natal batia à porta... e ela nem se incomodou. As imagens novas, saídas da caixa, aguardavam o local para se afixarem nas paredes. Sr. Diógenes caprichou! Parece exagero, mas ele realiza festas que duram dias. 


Impressionante essas antiguidades de costumes resistirem com tanta originalidade. Na região todos aguardam suas festas. Dizem que a fartura embala o evento. Muita galinha, porco, peru, carne de gado... O Sr. Diógenes contou que essas festas o renovam como um tônico.

 

O São João dali foi congelado no tempo. São dias de festejos, cujas fogueiras ardem até o amanhecer, sob os acordes de sanfona, triângulo e pandeiro. É forró antigo. Lixo musical não chega naquele evento que arrasta a vizinhança inteira. Tachadas de comidas diversas engordam o povo, temperadas por ‘água que passarinho não bebe’, ponche, refrigerante e cerveja. Um boi é eleito anualmente para garantir a comilança incrementada por perus, galinhas e guinés. 

O imenso terreiro passa um dia sendo molhado para não levantar pó. Há casais que começam a dançar banhados de lua e terminam banhados de sol. Mas tudo isso começa na contrição. Ora! Deus em primeiro lugar! Um terço é rezado junto ao povo local na hora do “Angellus”. O padre vem dizer missa logo a seguir. Respeito absoluto. É! Encerrada a celebração, o sacerdote se deleita numa faustosa comezaina à moda caipira. Volta para a casa bem mais pesado que chegara, e com um dinheirinho que o senhor Diógenes faz questão de entregar discretamente nos ritos e risadas de saída. Dizem que ele é muito generoso nesses termos.

 

Convidado para adentrar a casa, ouvi um som de voz agoniante, provocando desconforto, logo explicado pelo senhor Diógenes. Na cama de um dos quartos a esposa, 87 anos, acometida de “Alzheimer”, emitia uma voz lamentosa e triste... uma sequência de mamã... mamã... mamã... Não tinha fim. A cantilena era dia e noite. Impressionante como nos reportamos às nossas mães até na demência, como se a insanidade não corroesse a imagem materna…

 

Nunca vi alguém tão bem cuidada. Cama impecável. Colchão caixa de ovo, ventilador na velocidade mínima, voltado para a parede… Quarto impecável. Vestia com um vestido de tecido macio... perfumada com a lavanda preferida…  tudo impecável... A empregada, contratada com exclusividade só para ela, é explicada pelo nobre Diógenes como justificativa para jamais entregá-la a um abrigo de idosos. A casa, imensa, é impecável. Cheia de vida. Cheia de poesia. Cheia de bondade. Tudo brilhante como os olhos azuis da cor do céu do Sr. Diógenes.

 


Perguntei se a esposa não esboçava alguma reação de insatisfação com o barulho da festa tão esperada como os bailes reais. Não! Ela sempre disse que essa festa não deve parar nem com a sua morte, pois os filhos continuariam, e sempre com as bençãos de São José! Quando sã, tomava a dianteira de tudo e a organizava com desvelo. Nesse dia vem comadre e compadre de toda freguesia. Se ela consegue entender ou reconhecer, não se sabe, mas os compadres ficam felizes ao vê-la. Todos vão até a cama cumprimentá-la.

 

Perguntei se, por sua versatilidade e jovialidade tão visível, ele teria coragem de se casar, acaso a esposa se encantasse. Não! Casamento é um só! É com ela que eu quero me encontrar lá no céu, quando a gente virar anjo. A única coisa que peço a Deus é que não me leve antes dela, pois sei que continuará bem cuidada, mas quero cuidar dela até a derradeira hora. Aí, então Deus pode me buscar! 

Senhor Diógenes é a luz daquela fazenda... Nunca vi tanta decência… (2019 lcf)



sábado, 2 de novembro de 2024

Ana Cláudia Trigueiro e o Jabuti...


Hoje apareceu para mim uma postagem da escritora brasileira Ana Cláudia Trigueiro em que ela expressa a sua decisão de não concorrer mais ao Jabuti, prêmio dedicado aos escritores brasileiros em nível nacional, tendo em vista ser uma concorrência acirrada e ainda não ter ficado nem entre os dez melhores, nas palavras dela. Sem contar que a inscrição custa absurdos 500 reais por obra.


Ela escreve com humildade, sem desmerecer nem desacreditar a instituição Jabuti, nem os avaliadores. Ninguém. Inclusive reconhecendo o alto nível das obras premiadas. “Muitos, super bem escritos”, nas palavras dela.

Falando com pouco ensino, e ainda não tão alfabetizado para tal ousadia, fiquei triste ao ler sobre essa decisão. Ver uma escritora experiente, com uma trajetória sólida e uma escrita excepcional, optar por se afastar dessa premiação mexe com qualquer um. Entendo que, muitas vezes, o sucesso não pode ser forçado; ele ocorre naturalmente, à medida que o autor se afirma em sua própria verdade.

Acredito que o escritor não é apenas uma construção de si mesmo, mas também produto do ambiente em que vive, seja o simples, seja o sofisticado. Alguns são forjados em bibliotecas paternas, em escolas, no convívio com pessoas eruditas. Outros são formados no sofrimento, na dor, na pobreza (como Carolina Maria de Jesus). Mas acredito que o habitat constrói o escritor.

A capacidade de ser escritor fora do local-comum não vem magicamente, como se fôssemos Harry Potter dizendo “império!” e, nesse passe de mágica, a comissão do Jabuti, enfeitiçada sob tais foros, decidisse por unanimidade: “Habemus Ana Cláudia Trigueiro”. Assim não teria sentido.

Penso que todo prêmio atende algo mais. Não sei exatamente o quê, mas sinto isso. Talvez o contexto, tipo isso: “pessoal, esses são os livros que concorrerão esse ano; vamos ler, observando se há algo com a necessária qualidade, produzido por pretos, indígenas, ciganos e a comunidade LGBTQIA+. Deem uma olhadinha boa nisso, se há algo de qualidade nesses termos, tá bom?” (não confundam a minha reflexão: eu disse “algo com a necessária qualidade”. A diferença é uma espécie de modismo, de contextos, do que está em voga, algo do tipo).

Não sei, mas penso isso!

Um prêmio literário nem sempre reflete a qualidade das obras. Por exemplo, li alguns trabalhos premiados pelo Jabuti que, juro, deixam a desejar em termos literários quando comparo com outros livros (de escritores diversos) que nunca foram premiados em outros concursos (inclusive o de Ana Cláudia Trigueiro, por exemplo). Já fui jurado em audiência criminal, já fui jurado em concurso de redação, já fui jurado em concurso de contos, já fui jurado em concurso de telas, já fui jurado em outros momentos e, confesso a subjetividade e a condição das coisas relativas sempre me incomodou.



A forma como percebemos e interpretamos o mundo a partir de nossas próprias experiências, emoções, crenças e pensamentos vigora numa avaliação. Ela envolve tudo o que é pessoal e único para cada avaliador (seja do que for), pois é filtrado pelo "eu" de cada um. Em termos mais amplos, a subjetividade também se refere ao que não é objetivo ou universal, ou seja, o que não pode ser medido ou verificado de maneira absoluta, como acontece com fatos concretos. Avaliar uma obra literária, por exemplo.

Em situações práticas, por exemplo, ao ler um livro, duas pessoas podem ter interpretações diferentes sobre a história e os personagens. Isso acontece porque cada uma delas tem uma experiência subjetiva, que é influenciada por suas próprias vivências e perspectivas. A subjetividade está presente na arte, na literatura, na filosofia, e até em questões do cotidiano, pois cada pessoa enxerga o mundo de um ponto de vista único.

Assim como na Física, onde a Teoria da Relatividade de Einstein sugere que tempo e espaço dependem do observador, a avaliação de uma obra literária também pode variar conforme a perspectiva do avaliador. Creio que subjetividade e o estado de coisa relativa persuadem o avaliador.

Parece louco, mas como a Física, a Teoria da Relatividade explora como o tempo e o espaço também são relativos e dependem do observador e da velocidade em que ele se move. Em outras palavras, tempo e espaço não são absolutos, mas podem mudar com a posição e o movimento de quem os observa.

Exposto isso não é louco entender que o valor ou significado de algo pode variar dependendo do contexto, das circunstâncias ou do ponto de vista. Em vez de ser algo fixo e absoluto, a relatividade sugere que o entendimento ou a avaliação de uma ideia, situação ou fenômeno pode mudar com base em diferentes fatores. Quem lê? Que conhecimento de mundo tem o avaliador? Etc.

Em um sentido mais amplo e cotidiano, a relatividade pode aparecer quando interpretamos opiniões, culturas ou normas sociais. O que é considerado "bom" ou "moral" em uma cultura pode ser visto de maneira diferente em outra, justamente porque as referências variam conforme o ambiente cultural e social. Por exemplo, certos costumes podem ser considerados educados ou rudes dependendo do país. E isso se aplica a quem avalia. Como? O regionalismo, por exemplo: se um avaliador do Rio de Janeiro e São Paulo lerem a frase “Maria sempre foi caningada” não saberá o seu significado tanto quanto quem mora no Rio Grande do Norte, por exemplo.

No meu berço de nascimento, Mato Grosso do Sul, “sertão” significa recôndito, lugar afastado de muita mata fechada e quase inacessível, ermo. Sertão Para Guimarães Rosa é algo completamente diferente do que é para Manoel de Barros. Talvez por isso que quando ele escreveu Grande Sertão de Veredas foi ao Mato Grosso do Sul entender aquele sertão tão falado desde a época getulista da “Marcha para o Oeste!”, e percebendo não ser o sertão que ele via na divisa da Bahia (que era o que ele se interessava), desenhou a sua história no sertão da aridez.

Enfim, a obra premiada provém dos que se inscreveram, e se entre os tais estiver uma obra que realmente sai do lugar comum, que houver espontânea unanimidade na escolha, é diferente. Mas aí cabe uma consideração bastante legítima: em termos dos que saem do lugar comum, não existe melhor obra do lugar comum. Existem diferentes obras do lugar-comum. Esse é o caso de Ana Cláudia Trigueiro. Concorrer ao Jabuti e ser premiado não é o mesmo que ser reconhecido. Ana Cláudia Trigueiro já é. E por sair do lugar-comum. O que talvez seja muito bom no Jabuti é a visibilidade, pois toda a mídia brasileira e internacional toma conhecimento.

Mas eu tenho uma profecia para Ana Cláudia Trigueiro: a sua obra vai explodir por outros meios, e com visibilidade superior. E por sê-lo, será maior que o Jabuti. Tenho vontade de criar aqui no Rio Grande do Norte o Prêmio Sagui, para "competir" com o Jabuti. Que eu fale pela boca dos anjos...😂

quinta-feira, 31 de outubro de 2024

Outubro: mês de Nísia Floresta, mês de pensarmos sobre uma grande dívida com Nísia Floresta Brasileira Augusta...

 

Imagem: Williams Rocha


Todo dia é dia de tudo, por isso, ao longo do ano, gasto os meus verbos com homenagens a Nísia Floresta e aos povos indígenas, principalmente, dentre outros assuntos que priorizo sempre. Faço textos que edificam e conscientizam, pois acredito que quem gosta da palavra deve sempre ter a palavra... Ontem, percebendo que outubro dava os últimos suspiros, e é o mês de Nísia Floresta,  meu juízo latejou pensamentos de sino, badalando texto como se tivesse domínio sobre o meu cérebro… Eu estava muito cansado mentalmente e não obedeci. Eis que hoje pego do lápis e do papel, e passo a gastar grafite, desenhando o que você lê. Só insisto que não vejam o resultado como garatuja, mas como a homenagem que faltam fazer a Nísia Floresta Brasileira Augusta daqui adiante. Não é nada extraordinário. É respeito. É civilidade...

 

A situação em que se encontra o monumento em homenagem a Nísia Floresta (1909) e o túmulo de Nísia Floresta (1955) no Sítio Floresta, é um fato que não pode ser exaurido pelo incômodo que causam.

 

A relevância da intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta para o mundo, exige, por excelência, a garantia de um espaço digno, que contenha atributos que combinem com o estado de pessoa visionária que ali está. O local, mesmo simples deve ser um cartão postal, e jamais um local macabro e sem zelo como se encontra.

 

O atual estado desses dois elementos reflete desprezo e desrespeito. Refiro-me às condições em que se encontram, sufocados por construções de alvenaria, e o silêncio de todos, como se não enxergassem isso. A impressão que tenho é que há uma intenção de esconder o túmulo e o monumento. As fotografias antigas revelam que originalmente havia um espaço maior que separava a cerca (inicialmente de varas e depois de arame farpado) e túmulo; bastante diferente do que vemos hoje. Cabe à Prefeitura de Nísia Floresta localizar o documento antigo de doação do terreno. E reivindicar o que foi avançado, até porque o terreno não foi doação da família Gondim. A história desse detalhe está no meu blog.

 


Nísia Floresta deixou de presente no seu município ter nascido ali. Mas muitos parecem não dar conta disso. O povo e as autoridades devem tratar esse bem como a mesma modernidade que ela coroou as suas ideias. Falta uma ação visionária a esse espaço. Uma cidade tem vereadores, secretários e prefeitos para vigiar e constatar os fatos, portanto todos viram quando teve início a construção do prédio que hoje sufoca o túmulo. O prédio não foi colocado ali, mas construído ali.

 

Houve tempo para as autoridades negociarem com os donos, com civilidade e respeito, propondo indenizar os gastos feitos com o alicerce, pedindo que eles construíssem de maneira a deixar uns cem metros afastado do túmulo, enquanto buscariam parcerias para levantar o devido valor do terreno, comprando-o, demolindo o prédio e construindo ali o que se deve. É simples. Não há nada de extraordinário. Não acredito que alguém seria contra algo tão necessário. Não se trata de reivindicar a proteção de um curral, mas proteger um espaço genuíno onde a semente Nísia Floresta nasceu. O local simboliza a memória de uma pensadora que atrai gente do mundo inteiro. Vale dizer que do outro lado está a residência da família Paulino, a qual também precisa ser revista com civilidade.

 

Confesso que sinto vergonha quando vejo, principalmente estrangeiros chegando ali. Recordo-me, em 2016, quando uma professora universitária sueca esteve no local, depois entrou em contato comigo, por rede social, e indagou horrorizada, questionando se eu sabia o porquê tratavam o espaço com tanto desprezo. Ela estudou a obra de Nísia Floresta e veio só conhecer o local. Saiu perplexa. É o que sinto. Quantos turistas saem dali revoltados sem que nada possam fazer?

 

As autoridades Rio Grande do Norte (do passado) são responsáveis por esse imbróglio. Quando ainda existiam os restos das ruínas da casa onde Nísia Floresta nasceu e viveu até a pré-adolescência, o Estado deveria ter comprado uma grande área, pois era só mata. Mas nem comprar, compraram. Ganharam. Foi doação do fazendeiro que, anos antes, comprou por procuração da mãe de Nísia Floresta.

 

Foi um vacilo muito grande, e o mesmo vacilo o Estado repetiu três anos depois, quando Henrique Castriciano localizou Lívia Augusta de Faria Rocha, filha de Nísia Floresta, na França e, novamente o Estado teve uma visão medieval sobre o episódio, ignorando a grandiosidade de Nísia Floresta. Ela já era a Nísia que vimos hoje – renomada – mas passaram por cima de tudo. Se o Estado tivesse olhado aquele momento como um ‘achado arqueológico’ (praticamente), teria presenteado o Rio Grande do Norte com um museu com móveis de Nísia Floresta. Aliás, como roupas, passaportes, documentos, canetas, cartas, livros, objetos pessoais de todo tipo, enfim, o que Nísia Floresta deixou.

 

A vida de Nísia Floresta teve muitos percalços e obstáculos. A morte também. Começou com a odisseia para descobrir onde estava o seu túmulo que, graças a Orlando Dantas houve a localização. Depois veio o traslado com o ataúde confundido com “mercadoria” pela alfândega. Imbróglio resolvido por Café Filho.  Depois veio o velório com o episódio visionário de Chicuta, que peitou autoridades e pais conservadores para render homenagens devidas à ilustre defunta em sua escola. Depois, tendo o cortejo se deslocado ao município berço do nascimento da falecida, não havia túmulo para repousar o caixão. Não bastasse tudo isso, o município não cumpriu a palavra de construir o túmulo e sobrou para a Academia. E o percalço atual é o estado deplorável do monumento e do túmulo.

 

O povo nisiaflorestense precisa perceber que o monumento e o túmulo de Nísia Floresta pertencem - em primeiro lugar a cada nativo - em seguida, ao mundo. Essa consciência continua em falta. Não adianta apenas meia dúzia de pessoas terem essa consciência, se boa parte não se compromete com  anecessária profusão. A consciência deve ser ainda maior por parte das autoridades, pois eles têm o poder nas mãos, eles têm o poder de fazer milagres, se quiserem. Mas algo é certo: Nísia Floresta deixou uma mina de ouro ali onde está o seu túmulo e o seu monumento. É só pensar. L.C.F. - 31.10.2021.

 

EM 2018 ESCREVI A SUGESTÃO ABAIXO E A REPRODUZO AQUI COMO CURIOSIDADE... ESTÁ VALENDO!

 

O QUE PODERIA SER CONSTRUÍDO AO REDOR DO MONUMENTO E DO TÚMULO DE NÍSIA FLORESTA?

Desde que ocorresse a compra dos terrenos laterais, é possível construir um ambiente de sociabilidade para o mundo. A primeira ideia é um projeto arquitetônico. O engenheiro faria uma réplica da casa onde morou Nísia Floresta para abrigar o museu que falaremos logo abaixo, e que essa construção ficasse em torno de uma réplica do “Jardim de Luxemburgo”, compatível com o tamanho da área total. Um bom paisagista enriqueceria o espaço com árvores locais, tipo abricó, gameleira, samaúma, baobá e outras espécies interessantes, sem esquecer uma alameda matizada com mangueira, abacateiro, coqueiro, como ela descreveu a sua “Floresta”.

 

O “Museu de Nísia Floresta”, diferente de ser “desomenagem”, seria um poema de respeito a ela, um sinal de agradecimento por ela ter sido luz numa época de escuridão. Ela deixou fogo para nós, e sua chama arde. O museu ficaria no centro desse complexo, de maneira que fosse construído uma réplica da casa que existiu ali, onde ela viveu com os pais e seus irmãos. Nesse espaço deveria estar apenas a sua família, e jamais quem quis destruí-la gratuitamente (como acontece no “museu” que existe no centro da cidade), pois assim seria um museu do horror, como se até nós a desonrássemos. 

 

Penso na reconstituição de um ambiente antigo, característico ao tempo de Nísia Floresta em termos de mobiliário, com escrivaninha, biblioteca, sala, quarto num primoroso estudo de especialistas, de maneira que, conforme o grupo de visitantes passeasse pelos cômodo - acolhido por pessoas caracterizadas com vestimentas de época - visse os retratos de Nísia Floresta, fotografias de lugares onde ela andou, réplicas das capas originais de suas obras expostas sobre os móveis etc. Tudo isso primorosamente permeado com riquezas de detalhes de época. Como se a casa estivesse congelada no tempo. A cozinha teria uma réplica original de fogão a lenha com os mínimos detalhes de uma cozinha.

 

A sala teria livros antigos que fizesse desaparecer as paredes, significando que só os livros nos podem nos elevar aos patamares que elevaram Nísia: “ver adiante do tempo”. No alpendre estariam pedaços de pedra sabão, destacando-se a réplica da peça que o pai de Nísia Floresta fez na sacristia da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó.

 

Ao lado da casa-museu, haveria uma edificação moderna, com auditório e salas amplas, de maneira que o visitante interagisse com Nísia Floresta, assistisse documentários, filmes, ouvisse o hino em homenagem a Nísia Floresta, conhecesse a letra, dentre outras músicas e poemas afins, numa proposta de inclusão. Uma sala especial contaria com hologramas https://olhardigital.com.br/2016/06/10/noticias/cientistas-criam-holograma-em-3d-capaz-de-conversar-com-pessoas/ permitindo que os visitantes estivessem cara-a-cara com Nísia Floresta, ouvindo-a declamar parte de seus poemas, frases clássicas e suas principais ideias, além de dialogarem com ela.  Esse espaço reuniria tudo o que existe até o momento alusivo a Nísia Floresta seja no município ou fora dele (uma imensa galeria de fotografias dos principais acontecimentos). Ou seja, seriam dois museus, o da casa (no passado) e o atual.

 

O local abrigaria uma grande biblioteca, onde os visitantes teriam acesso a todas as obras de Nísia Floresta principalmente. Somaria-se ao acervo obras de autores norte-riograndenses (do passdo e do presente) e franceses, como Auguste Comte, Flaubert, Victor Hugo, Simone de Benvoir, Jean Paul Sartre, Alexandre Dumas, Exupery e Voltaire. A biblioteca seria uma obra em parceria com o Governo Francês, cuja ponte seria a Aliança Francesa.

 

Ao lado teria-se o Teatro Municipal de Nísia Floresta com aulas de dramaturgia, cuja história de Nísia Floresta seria a atração principal, exibida ao longo do mês de outubro, com ampla divulgação em todo o país (tenha certeza absoluta que essa dramatização assumiria patamares imprevisíveis, podendo se tornar uma das grandes atrações do país). O teatro teria um anexo para aulas de dança em parceria com o balé de Bolshoi (esse detalhe é um processo construído a longo prazo. Santa Catarina conseguiu uma parceria com Bolshoi devido a muita qualidade; é a única extensão de Bolshoi em todo o mundo. Por que não em Nísia Floresta?). Esse espaço seria uma referência.

 

A área contaria com lojas que disponibilizassem artesanato e lembrancinhas da cidade, com destaque a cartões-postais com todos os retratos existentes de Nísia Floresta, dentre folders com retrato e biografia de Nísia Floresta em português e inglês.

 

Haveria uma sala com a reconstituição daquele retrato em que Nísia Floresta aparece de corpo inteiro, segurando um livro, levemente encostada num pilar clássico. Teria-se disponível réplicas do vestido e um livro, permitindo que pessoas do sexo feminino o vestissem e se fizessem se fotografar em reconstituição ao retrato, além de fazer fotografias em outros ambientes do complexo.

 

Os “Jardins de Luxemburgo” teriam muitas esculturas: dos pais e irmãos de Nísia Floresta, além de “Pepé” (uma espécie de ama, ou babá que Nísia Floresta teve), e de Augusto, o grande amor da homenageada, além de esculturas de indígenas locais. Numa das alamedas se perfilariam esculturas dos filósofos e escritores que Nísia Floresta conheceu na Europa, como Castilho, Alexandre Herculano, Auguste Comte. O complexo seria emoldurado por um estacionamento arborizado com Pau-Brasil.

 

O complexo abrigaria também três réplicas que evocassem o passado, sendo uma casa de farinha nos moldes originais (conforme tantas que existiram em Papary), um alambique (conforme tantos que existiram em Papary) e um engenho de cana de açúcar (conforme inúmeros que existiram em Papary).

 

O riozinho próximo poderia garantir a água para uma pequena lagoa artificial que oferecesse curso de mergulho e fotografias aquáticas para atrair turistas, aulas de natação para crianças e fisioterapia e lazer para idosos. Esse espaço seria uma alusão à lagoa Papary, reverenciada por Nísia Floresta. A partir do momento em que se criasse dispositivos contraditórios dentro desse complexo, com certeza teria-se gente o ano inteiro ali, considerando, também, que haveria uma política de cunho turístico, interligada a todos os hotéis e ambientes de gastronomia do estado.

 

Dia desses eu conversava com um nisiaflorestense, ocasião em que sugeri que ele apresentasse à Câmara Municipal de Nísia Floresta um projeto para a construção de um coreto em estilo francês na praça Coronel José de Araújo, de maneira que abrigasse a instalação de uma escultura de bronze, em tamanho natural, que poderia ser feita por um dos mais geniais escultores do mundo, que - pasmem! - é brasileiro, Ique Woitschach. Uma peça desse tipo permite a interação das pessoas com a escultura, ou melhor, com Nísia Floresta, pois se faz fotografias como se estivesse, de fato, com Nísia Floresta. Poderia-se reconstituir aquele famoso retrato de Nísia Floresta em que ela aparece de pé, segurando um livro. Vejam um exemplo nesses dois links:

https://www.campograndenews.com.br/lado-b/comportamento-23-08-2011-08/na-afonso-pena-24h-com-manoel-de-barros-mostram-que-poeta-virou-grande-amigo

  

https://www.campograndenews.com.br/lado-b/artes-23-08-2011-08/estatua-chegou-para-comemorar-os-101-anos-de-manoel-de-barros

 

Pois então… o grande começa pequeno. É necessário o início. É necessário parcerias. É necessário lançar as ideias, comungá-las. O que posso, no momento, é oferecer esse projeto e enviá-lo para todas as autoridades mais significativas do Rio Grande do Norte, em caráter de provocação. As pessoas precisam ser provocadas para, depois, se sentar, discutir e colocar as ideias em prática. Nísia Floresta está à altura das coisas visionárias, pois somente nesses conformes as coisas se tornam referenciais. Como se diz… é o pulo do gato. Entenderam a mina de ouro que eu falei? Sou absolutamente contra arrancarem o monumento e o túmulo de Nísia Floresta do local original – como há quem cogite –, pois ali está a semente dela. Ali ela rebentou-se em choro natalício (L.C.F.2018)


terça-feira, 22 de outubro de 2024

As mangueiras da viúva Machado...

Uma das dezenas de mangueiras do Engenho Pitimbu

Essas mangas e 'laranjas da terra' foram colhidas ontem à tarde no Engenho Pitimbu que pertence à família de Manoel Machado e a Amélia Machado (a "Viúva Machado). Todas as mangas são do mesmo tipo: "Tommy Atkins", também conhecida como "coração de boi". Nos supermercados eles escrevem "manga Tomi".


Originalmente, as mangas Tommy são imensas, maiores que a nossa mão. Ela chegou ao Brasil no século XVI, juntamente com a mangueira, trazida pelos portugueses. É originária da Ásia Meridional, principalmente da Índia, que é o maior produtor mundial da fruta. 

Fiz essas fotografias por uma curiosidade. Embora todas sejam mangas Tommy, são minúsculas. A manga maior - do meio - eu comprei no Nordestão. As demais vieram  do Engenho Pitimbu. Então por que as demais são tão pequenas? Por que as mangueiras são centenárias e, assim como nós, seres humanos, seu metabolismo diminui ao longo do tempo, de maneira que ela não produz mais as mangas gigantes que quase não conseguimos segurar. Do mesmo modo as "laranjas da terra", que são imensas, mas as do engenho mais parecem um limão porque são centenárias.

Tendo ido a esse engenho, hoje, em caráter de pesquisa, vi incontáveis pés de árvores frutíferas: jaqueiras, mangueiras, jambeiro, cajueiro, mangabeiras e outras, inclusive um pé de tamarindo que suponho ter mais de 200 anos devido à compleição do seu tronco muito deformado e com muitas partes ocas, além do diâmetro anormal. É uma árvore a se conservar, pois sem dúvida é um tesouro.

Para quem não sabe, Manoel Machado foi um empresário riquíssimo. Ele doou toda a área onde está a Base Aérea e a mata atlântica ali conservada até hoje, assim como grande parte da área onde se ergueu Parnamirim, município integrante da região metropolitana, aqui pertinho. 


Manoel Machado faleceu há mais de 60 anos. A viúva, Amélia Machado, uma simples dona de casa, teve que se virar nos trinta - numa época em que a mulher só vivia para o lar - e Amélia, de uma hora para outra, teve que administrar a fortuna que ele deixou, surpreendendo a todos por ter o feito com mãos de ferro.

O empresariado daquele tempo era composto somente de homens. De repente viram na morte do marido a possibilidade de dar o golpe do baú ou comprar a preço de banana tudo o que Manoel deixou. Mas a surpresa foi grande. Amélia geriu a riqueza como nunca, dando um show na administração. 

Resultado? Inventaram uma lenda terrível contra ela como vingança, pois não admitiam uma mulher empresária, lidando de igual para igual com quem aparecesse. Inclusive importando.

Amélia Duarte Machado, a "Viúva Machado"

Amélia foi a primeira empresária de Natal. Na verdade, apesar de originalmente ter sido uma simples dona de casa, ela sempre viajava com o marido para a Europa, e como era comum as damas daquela época, organizava jantares requintados em meio à alta sociedade natalense. Faleceu aos 100 anos de idade, em 1981. A casa do engenho era onde ela descansava. Sua residência está localizada no centro de Natal, na cidade alta. Um palácio que chama a atenção.

Pois bem, eis que, degustando as mangas de Amélia Machado, colhidas no pé em que ela também colheu, viajei na doçura de sua história, e até brinquei "estou chupando as mangas no mesmo pé da dona Amélia..."

OBS. Estou escrevendo sobre o Engenho Pitimbu e a qualquer hora posto o texto.

domingo, 20 de outubro de 2024

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Uma frase de Nísia Floresta...

 

“Todos os brasileiros, qualquer que tenha sido o lugar de seu nascimento, têm iguais direitos à fruição dos bens distribuídos pelo seu governo, assim como à consideração e ao interesse de seus concidadãos.”


— Nísia Floresta

Em “Opúsculo Humanitário”, 1853.

O pai de Nísia Floresta foi o seu pilar intelectual...


Muito já foi escrito sobre Nísia Floresta Brasileira Augusta. Uns escreveram livros, outros a reverenciaram em pequenos textos ou frases breves, mas muito fortes. Dentre uma infinidade de intelectuais ilustres - brasileiros e estrangeiros - que a citaram em tempos mais remotos, encontramos o genial pernambucano Oliveira Lima (1867-1928). Como se percebe, ele defende que Nísia Floresta já saiu de seu berço, no "sítio Floresta", com notável instrução. O que nos faz acreditar que a participação de seu pai, Dionísio, consistiu num pilar dos mais importantes para a formação educação da filha, estruturando-a para que ela se deslanchasse. É como se a criança Nísia, depois a adolescente Nísia, tivesse se despertado como por um estalo, um 'insight' a partir da experiência com o pai - que era um intelectual - e de forma prodigiosa. Julgando pela precariedade que aqueles ermos ofereciam, nada se deveria esperar da nossa Nísia. O pai, em termos de sua ilustração, foi peça fundamental. Essa frase desperta a ideia que todos sabemos: pais leitores, pais que envolvem naturalmente os seus filhos na floresta dos livros, via de regra os desperta para os mais impensáveis insights do bem. Eis Nísia Floresta... eis a frase de Oliveira Lima.



Oliveira Lima



Nísia Floresta: Uma escritora de causas...



Toda a produção literária de Nísia Floresta foi orientada por um profundo compromisso com causas sociais, incluindo seus poemas, romances, contos e ensaios. Essa abordagem, embora comum entre escritores, era particularmente central na obra de Nísia, que concentrava seus esforços em tais questões.
Sua produção, além disso, possui um viés sociológico, jornalístico e filosófico, sendo que elementos filosóficos permeiam até mesmo seus "diários de viagem", considerados verdadeiras obras-primas. Nísia esteve sempre engajada em algum propósito social relevante.
Essa inclinação é compreensível, especialmente considerando que Nísia, desde cedo, demonstrou ser uma leitora ávida e versátil. Ao deparar-se com a obra de Mary Wollstonecraft (1759–1797), uma escritora que se destacou por estar muito à frente de seu tempo, Nísia provavelmente experimentou um insight profundo que a impulsionou a escrever. Esse impulso resultou na publicação de sua primeira obra em 1832, aos 22 anos: “Direitos das Mulheres e Injustiças dos Homens”.
A realização de uma obra dessa magnitude nessa idade indica um histórico intelectual impressionante, reforçando a hipótese de que seu pai, um intelectual português, desempenhou um papel crucial em sua formação precoce. Ele a introduziu nas ciências que ela tanto admirava, e essa influência foi aprofundada por sua educação em um convento em Goiana - como supõem -, além de sua incansável dedicação à leitura.
A obra “Direitos das Mulheres e Injustiças dos Homens” é descrita por Nísia e por estudiosos, como Constância Lima Duarte, a maior especialista na autora, como uma "tradução livre" de “A Reivindicação dos Direitos da Mulher” (Vindication of the Rights of Woman), de Mary Wollstonecraft.
Publicada originalmente em 1792, a obra de Wollstonecraft critica de forma incisiva o modelo educacional feminino do século XVIII e tornou-se um dos textos mais influentes na defesa dos direitos das mulheres na Inglaterra.
Do ponto de vista contemporâneo, Wollstonecraft pode ser considerada ainda à frente de seu tempo em outros aspectos, que fogem ao escopo central deste texto e da obra traduzida por Nísia. Alguns de seus posicionamentos poderiam ser chocantes para o leitor moderno, e Wollstonecraft, após se tornar mãe, revisou algumas de suas ideias, sepultando o que, neste texto, seria polêmico entrar em detalhes.
Nísia, ao deparar-se com “A Reivindicação dos Direitos da Mulher”, certamente identificou nesta obra uma fonte de inspiração fundamental, que orientou sua trajetória. Antes dessa obra, raras discussões tão avançadas haviam sido formuladas sobre os direitos das mulheres.
Nascida em um ambiente rural, onde até mesmo a capital da província oferecia poucas oportunidades intelectuais, Nísia se viu angustiada com o marasmo que a cercava. Seu olhar crítico estendia-se para além das limitações geográficas, observando a sociedade com uma perspectiva sociológica refinada, questionando costumes e práticas que presenciava em seu entorno.
As desigualdades e contradições que presenciou na Vila Imperial de Papary – com seus engenhos, escravizados, missas em latim e costumes portugueses impregnados de preconceitos – despertaram nela um impulso investigativo que a acompanharia ao longo de sua vida, alimentando sua vasta produção escrita.
Em seu livro O Brasil (1857), escrito originalmente em italiano, Nísia retrata um Brasil distinto das alegorias frequentemente apresentadas por viajantes estrangeiros, muitos dos quais descreviam o país de forma fictícia e desmerecedora. Nísia, ao contrário, destacou as qualidades de sua terra natal, enfatizando seu potencial de desenvolvimento, mesmo em comparação com nações mais avançadas, como a Itália, onde o livro foi publicado. Esta obra representou sua defesa do Brasil, contrapondo-se às críticas externas.
No ensaio A Mulher, parte de Scintille d’un’Anima Brasiliana (1859), publicado em Florença e posteriormente traduzido para o inglês, Nísia aborda a importância do amor materno e da amamentação pela mãe biológica. Este ensaio, que reflete o amadurecimento de suas ideias desde Opúsculo Humanitário, relata uma viagem a uma aldeia próxima a Paris, onde as mães enviavam seus filhos para serem cuidados por amas de leite. Nísia denuncia as condições deploráveis em que as crianças eram mantidas e critica duramente essa prática, defendendo o papel insubstituível da mãe biológica no cuidado dos filhos. Essa observação revela a preocupação de Nísia com o tema do amor materno, que, para ela, implicava diretamente na amamentação.
Ao longo de sua vida, Nísia se dedicou a várias causas. A EDUCAÇÃO FEMININA era uma de suas maiores preocupações, acreditando que somente através do conhecimento científico as mulheres poderiam alcançar a emancipação. Defendeu também a ABOLIÇÃO DA ESCRAVIDÃO, e sua visão anti-escravagista foi sendo construída ao longo dos anos, colocando-a ao lado dos principais abolicionistas brasileiros.
Outra causa importante foi a QUESTÃO INDÍGENA, na qual denunciou a destruição das terras e culturas dos povos originários, combatendo a visão romantizada dos viajantes europeus. Nísia também apoiou a CAUSA REPUBLICANA e criticou severamente os regimes autoritários de sua época, dentre outras discussões.
Sua defesa dessas ideias avançadas assustou a sociedade da época, o que levou muitas pessoas a desqualificá-la injustamente, acusando-a de loucura. Isabel Gondim, por exemplo, que nunca conheceu Nísia pessoalmente e nasceu quase 30 anos depois dela, produziu críticas destrutivas contra ela, perpetuando mal-entendidos e preconceitos. Contudo, o legado de Nísia Floresta como uma escritora engajada em causas sociais permanece incontestável. 9.10.2024.

Peça teatral " História de Nísia Floresta" - Divulgação feita pela TV Manchete em 1993, há 31 anos...


Em 1992 escrevi a peça teatral "História de Nísia Floresta" a partir do livro "História de Nísia Floresta", de Adauto da Câmara, originalmente publicado em 1941, pela editora Ponggeti, no Rio de Janeiro. Em 1993 a peça foi apresentada algumas vezes na UFRN, e fomos convidados, anos depois, para apresentá-la na Universidade Federal de São Luiz, no Maranhão, para onde fomos em 1996. À ocasião a TV Manchete fez uma reportagem sobre a peça, tendo em vista o seu ineditismo e a importância da personagem homenageada. Essas imagens retratam exatamente esse momento que parece ontem, mas faz 31 anos...
















ABAIXO: NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO LUIZ, NO MARANHÃO...