ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio, sem a devida concordância. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto breves trechos isolados, desde que mencionada a fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

terça-feira, 22 de maio de 2012

ACTA NOTURNA - 1.8.1993 MATARAM O PADRE !!!

MATARAM O PADRE!

 

ACTA NOTURNA - O ASSASSINATO DO PADRE DA VILA IMPERIAL DE PAPARY - 1833 (1.8.1993)

 O relógio informava treze horas do dia 21 de novembro de 1833 no centro da Vila de Papary. O sol forte e alguns poucos transeuntes que passavam na hora sagrada da sesta, testemunharam cena chocante: um homem muito conhecido na vila se aproxima do padre local, portando uma pistola. Em fração de segundos eles trocam breves palavras. O homem desfere-lhe um tiro a queima roupa e desaparece a pé. O religioso tomba ali mesmo, imóvel. Ninguém mais o viu o assassino. Surge um turbilhão de curiosos (de frente onde hoje está o mercado de Totoca). Pessoas correm amedrontadas. Outras, acodem o vigário querido por todos. Mas é tarde, o religioso está morto!

 Mataram o padre!

Mataram o padre!

Mataram o padre!

Era pontualmente 13h00. Uma hora da tarde.

Os gritos soaram uníssonos nas vozes paparienses.

Os mais próximos entenderam a motivação daquele crime, mas boa parte da população buscava explicação para tamanha barbaridade.

“Como pode alguém matar um padre, homem ungido por Deus?” – teriam pensado.

Mas o que foi isso?

Por que esse ato escabroso?

O leitor deve estar perguntando "quem são essas duas pessoas? Por quê?"

Vamos por parte: o religioso assassinado era Antonio Gomes de Leiros, primeiro vigário da história da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó. Era norte-riograndense e estava na vila há quase dois anos, tendo chegado ali pouco tempo depois da criação da “Freguesia de Nossa Senhora do Ó”.

O Padre Leiros, como era conhecido, formou-se no Seminário Episcopal de Nossa Senhora da Graça, em Olinda, PE, tendo sido ordenado em 1833. Como o daguerrótipo ainda não havia chegado por aqui, era novidade, não existem imagens desse sacerdote.

Ele estava no auge da jovialidade, e com pouco tempo de estadia no local, conquistou a todos, passando a ser admirado e querido. Eventualmente era convidado pelos paroquianos para fazer refeições em suas casas. Cada dia um novo convite. Essas coisas típicas de lugares interioranos. Assim jorrava o cotidiano do vigário depois das obrigações sacerdotais na bucólica vila.

Mas, então, o que ocorreu? Por que alguém mataria uma pessoa tão querida e, ainda mais, um religioso? Embora não justifica, esse crime tem pelo menos uma explicação. Na realidade foi a culminância de uma contenda que se desenhava meio quieta, há meses.

Naquela época o cenário urbano da vila era muito diferente, emoldurado de floresta. Existia uma localidade próxima à Igreja Matriz, denominada “Sítio Bica”, exatamente no local que abrange o sitio do sr. “Deca Severo” e que se estende até a “Bica” atual (próxima da residência do sr. “Veinho”).

Pelo aspecto atual dá para deduzir a beleza do lugar à época, somada a prosperidade do solo, pois era farto em plantações de frutas, tubérculos, além de serpentear veios d'água aqui e alí, inclusive uma nascente fluente, muito bonita, que alimenta uma espécie de balneário construído há mais de cem anos pelo presidente da Intendência Coronel José de Araújo.

Essa vasta propriedade despertou cobiça no padre, pois, ignorando que ela pertencia ao Sr. Tomás Marinho, tentou se apossar dela, aproveitando o seu status de padre. Condição esta que, àquela época, era muito diferente de hoje. Os padres daqueles primórdios, por serem concebidos como representantes da igreja interpretada como 'fundada por Deus', legava-lhes uma espécie de devoção de realeza. Pois bem, os olhos gordos do padre revoltaram o proprietário.

Como argumento, o religioso alegou que o referido sítio estava em área pertencente ao patrimônio da igreja. Para conseguir o seu intento, contratou um advogado que elaborou uma diabólica argumentação. Era o Dr. Manoel Gabriel de Carvalho, verdadeiro capeta! E, somado a sua função de sacerdote – espécie de reinado para uma época de grandes ignorâncias, Pe. Leiros investiu nesse empreendimento como leão atrás de uma presa. A contenda rolou por meses a fio. Até que um dia saiu o resultado:

“O padre ganhou a causa”.

Todos anunciavam aos sete cantos. Tomás Marinho ficou decepcionado. O resultado soou como uma facada no seu coração! Os nativos, conhecedores dos fatos, sabendo que aquelas terras caminhavam com a família Marinho há tempos incalculáveis, começaram a indagá-lo. Grande parte dos paparienses se revoltou também. Alguns passaram a debochar, chamando-o de mole.

 - Taí, a terra não era vossa? Agora é do padre! E vosmecê, como vai ficar?

 De uma hora para a outra o assunto tomou conta das bodegas, dos cercados, das esquinas... A cada dia o sofrimento do agricultor aumentava. Tomás Marinho ficou mastigando aquele ressentimento, tendo em vista que era homem da terra, do roçado, da enxada. Estava humilhado, ultrajado e roubado. Seu maior gosto era a roça, o cercado. Ficou impotente.

Como brigar com "um rei"? E no bojo dessa amargura, ele jurou vingar aquela injustiça. Infelizmente cumpriu a palavra no centro da vila e saiu em disparada no meio das abundantes matas que emolduravam a velha Papary.

A vila ficou em choque. Se um crime feito a um cidadão comum causava horror, imagine matar um padre! Era escabroso demais. Mas ele foi capturado e levado a prisão em Natal. O assunto tomou conta das cidades e vilas próximas. Ninguém falava n'outra palestra.

Mas como muitas pessoas não são blindadas à corrupção, algum amigo de Tomás Marinho, oriundo da vila de Papary, conseguiu subornar o carcereiro com a importância de “quinhentos mil réis” (moeda originada no período Colonial por influência do monetário português, não se tratava de uma moeda genuinamente brasileira).

Nesses conformes, Tomás Marinho desapareceu na noite escura, tendo mal esquentando a cela. Houve uma devassa nas imediações da Casa de Câmara e Cadeia. Em vão. O assassino encantou-se (a gente até lembra o filme "Fuga Para Alcatraz"). Seis anos após o crime, em 1839, o comandante do Destacamento do Corpo de Polícia da Vila Nova da Princesa, hoje denominada Assú, recebeu uma denúncia. Comentavam que um homem de comportamento muito estranho rondava aquela vila a certo tempo.

"Era esquisito, desconfiado, como se tivesse sempre atento com receio de alguém”, diziam.

Investigando o fato, o referido comandante, tenente José Antonio de Souza Caldas, constatou tratar-se de Tomás Marinho, e imediatamente foi ao seu encalço. Foi um reboliço na Vila Nova de Princesa. Gente correndo, cachorro latindo, tiro pro alto. E nada. Tomás Marinho sumiu como água em chapa quente. Mas como ninguém desaparece como "Jeannie é um gênio" (lembram dela?), de repente alguém começou a gritar:

 - Tem um homem agachado aqui!

E o dito homem nem se movia. Parecia nem escutar que alguém o dedurava. Eis que um soldado apareceu em seguida, reconheceu-o, e deu-lhe voz de prisão. Mas nem assim Tomás Marinho reagia. Irritado com sua inércia, um dos ordenanças o pegou pelos colarinhos e o sacudiu. Para surpresa de todos o dito cujo se rolou no chão como um tronco de coqueiro. Estava morto!

O infeliz agricultor teve um infarto minutos antes, e ali mesmo ficou, escondido na eternidade. Fosse no mato, talvez nem os ossos teriam sido encontrados. Seu coração não resistiu ao pavor e à exigência que a fuga pedia ao seu físico esquálido. Quisera o destino que o agricultor não passasse por mais uma decepção?

Por nova ironia, Tomás Marinho foi levado a sede da vila de Assu e sepultado nas paredes da Igreja Matriz de São João Batista. Naquela época era comum enterrar pessoas dentro das igrejas, as quais funcionavam como cemitérios.

Houve celebração da missa de corpo presente, sem que celebrante fosse informado que ali estava o corpo do assassino de um padre.

Coincidentemente, poucos dias após esse sepultamento, o bispo de Olinda, Dom João da Purificação Marques Perdigão, abalou-se até Assu em suas eventuais visitas pastorais feitas a diversos locais da província (por coincidência, conto no meu blog como foi o dia festivo em que ele chegou a Papary).

Àquela ocasião a diocese do Rio Grande do Norte era subordinada a Pernambuco. Mal chegou, tomou conhecimento que a igreja em que ele se encontrava abrigava os restos mortais do assassino do padre de Papary.

O bispo ficou horrorizado e disse que só sairia dali quando retirassem os restos mortais do assassino e o levassem para outro lugar, não santo, fora da igreja, tipo um cemitério pagão. A ordem foi cumprida no fechar de boca.

No período entre 3 a 5 de novembro de 1839, ou seja, seis anos após o assassinado do Padre Leiros, o Bispo Dom João da Purificação também visitou Papary e deixou registrada a seguinte versão para o crime:

 

“Foi nessa povoação que assassinaram o padre antecessor do atual, pela 1 hora da tarde, cuja morte mui sensível foi para a maior parte dos habitantes. Esse assassino, morrendo na freguesia do Assú, poucos dias antes de eu visitar aquela freguesia, foi sepultado na igreja, depois que aquele pároco encomendou o seu corpo, ignorando ser o assassino do dito padre. Logo porém, depois que este corpo foi entregue à sepultura, foi desta tirado e enterrado em lugar não sagrado, em conseqüência da certeza que o pároco teve de ser o homem o assassino daquele pároco.”

Testemunhas do crime, na Vila de Papary, contaram ao delegado que estavam no centro da vila (se fosse hoje, o local exato seria entre a escola Yayá Paiva e o Mercado Totoca. O baobá ainda não havia sido plantado). As últimas palavras trocadas entre o padre Leiros e Tomás foram de deboche. Ei-las:

 - Então, caro Tomás, perdeste a questão, não foi?

- Sim, padre...

E apontando-lhe a pistola à queima roupa, disparou-a, sem antes dizer:

 - Mas o senhor saiu pior, pois perdeste a vida!

 Infelizmente o município de Nísia Floresta tem que conviver com esse fantasma em sua história - dentre tantos -, cujo primeiro padre foi assassinado por um morador local. Essa história nada agradável, a meu ver, ensina as pessoas a não serem glutonas com os bens alheios. Mas ela também ensina que palavras também matam. Quem sabe a ira de Tomás Marinho não o tivesse levado a esse extremo se o padre tivesse se poupado de contatos, agido com serenidade e não tivesse sido tão debochado. Creio que o padre Leiros, embora eu abomine esse assassinato, "morreu pela boca", como diz o velho adágio.

 LUÍS CARLOS FREIRE. (Essa história me foi narrada por um senhor muito idoso, morador de Papary. Ao chegar ao município e ser informado sobre tal fatalidade, e o ter entrevistado, em 1993, ele foi o único, dentre tantos, que guardava tal informação com requintes. Todas as demais pessoas que perguntei sobre fatal episódio, nada sabiam, exceto que o primeiro padre da vila havia sido assassinado.

FONTE: - Narrativa de História Oral, contada no dia 23 de dezembro de 1993, pelo senhor Vicente Marinho, 89 anos (in memorian).

- Arquivo Diocesano de Olinda - PE. 1995.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Lagoa Papari


ESSE DESERTO JÁ FOI A LAGOA PAPARI

A gente fica analisando os problemas de ordem diversa que acometem o nosso planeta, seja de natureza da saúde, da economia, do turismo, do meio-ambiente, etc, e as reflexões acabam convergindo para a mesma gênese: A EDUCAÇÃO.
O problema da saúde vem da educação.
O problema da economia vem da educação.
O problema de qualquer coisa vem da educação.
Até mesmo o problema da educação vem da educação.
Poderíamos dizer que todo problema, na realidade, vem da deseducação, mas não, pois, categoricamente falando, todo problema vem da ausência de política pública na educação enquanto instituição.
Quando a instituição educacional trabalha com competência associada à visão de futuro e criatividade, passa a ter um DIFERENCIAL.
O que faz a diferença são, basicamente, esses requisitos.
Trazendo esse raciocínio para as secretarias municipais, diríamos que a instituição educacional de um município deve trabalhar de forma interdisciplinar - digamos assim. Não que ela deva coordenar as demais, mas que seu papel é especial.
Nesse sentido o representante do poder executivo deve ter a trabalhosa – mas possível – tarefa de harmonizar suas secretarias para que haja harmonia na práxis diária.
Todo representante de secretaria deve falar a mesma língua. Todos devem estar antenados com o que acontece no seu município e nos programas do Governo Federal. Todos devem criar políticas públicas direcionadas aos problemas de sua área a fim de solucioná-los. Quando não for possível, pelo menos amenizá-lo enquanto se resolve.
De bate-pronto poderíamos dizer que um dos maiores problemas de Nísia Floresta na atualidade é o desemprego, as drogas, o descaso na saúde, na educação dentre outros, mas não.
Existe um problema que não diríamos estar despercebido, mas que ainda não foi dirigido a ele o olhar necessário. E sequer lhe foi dado o devido valor. Com certeza é maior que todos os problemas acima.
Certamente alguns pensarão tratar-se de exagero, se não fossem os inúmeros exemplos que o mundo dá.
Falo da DESERTIFICAÇÃO a que Nísia Floresta está sujeita.
O Sr. “Bambão”, de 73 anos, que mora ao lado da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, disse-me que desde criança pescou nos rios da região da Ilha, Golandi, Currais e Jenipapeiro. Ele explicou que todos eram correntes e piscosos. Que até o município de São José de Mipibu se servia da fartura desses rios, inclusive o camarão.
Hoje, você sequer localiza esses rios, pois os viveiros reviram toda a região. Segundo ele, "dá um nó na cabeça" quando se anda por tais localidades, pois “está tudo chafurdado”, inclusive o que sobrou dos rios foi desviado pelos donos dos viveiros.
Como se não bastasse, uma doença está acometendo os camarões numa escala assustadora. Esses crustáceos estão sendo jogados nas imediações e apodrecendo a área.
Produtos químicos e rações estão matando os pequenos peixes, os plânctons, a micro-fauna e a micro-flora local. Os próprios donos de viveiros já sentem dificuldades diante dos danos que eles próprios causaram - sem culpa - por não terem iniciado suas atividades com o acompanhamento de especialistas. Não houve um olhar douto por parte das autoridades de modo geral, seja municipal ou estadual.
Pescadores estão doentes espiritual e fisicamente, pois quando olham para o passado e lembram da fartura descrita por muitos, dá tristeza ver a tragédia anunciada há muito tempo.
Em 2010 organizei, juntamente com Josivaldo e João Ferreira, um movimento com o objetivo de despertar nos moradores a sensibilidade para esse terrível dano ambiental, inclusive percorremos todos os distritos que se servem da Lagoa Papari, conversamos com pessoas, constatamos situações deploráveis. Houve reuniões com a participação de mais de cem pessoas, como foi o caso de Oitizeiro.
Na realidade a degradação da lagoa Papari, conhecida como “mãe dos pobres” é fruto de décadas de descaso do poder público. Não é novidade. Também não podemos dizer que a culpa é do atual prefeito, mas é dele juntamente com todos os seus antecessores, pois a omissão foi geral. Os jornais de época comprovam.
É soma de assoreamento provocado por enchentes, viveiros desordenados e sem políticas pertinentes, e, mais significativamente, o esgoto de São José de Mipibu, disfarçado de “águas pluviais” caindo diariamente na lagoa Papari. Um caos.
É inacreditável ver o silêncio das pessoas, as quais veem e sentem o problema caladas.
O movimento a favor da lagoa Papari foi o primeiro evento público com esse caráter, na história do município, mas a maior parte dos atores principais não compareceram.
A culminância deu-se num evento público ao lado do baobá, inclusive trouxemos o deputado estadual Fernando Mineiro.
O grande problema foi que os maiores prejudicados não vieram para o evento: os pescadores. A participação foi ínfima – aproximadamente 10 pescadores - mas valeu, pois muitos transeuntes assistiram ao evento. Algumas escolas trouxeram alunos, esteve presente os vereadores Fernando e Anadelson, a vice-prefeita Marize chegou já no final, enfim não foi em vão.
Encerramos o evento em São José de Mipibu, exatamente na “boca de lobo” existente defronte a rodoviária. Foi um evento marcante.
Você entendeu, agora, por que esse problema é o maior de todos?
É óbvio que nós não assistiremos ao final do filme anunciado, mas nossos netos e bisnetos são fortes sujeitos a assistirem a savanização dessa região.
Muitos não acreditam, mas é bom que pesquisem mais, pois esse conjunto de lagoas e vertentes existentes em Nísia Floresta, verdadeiro “Pantanal do Rio Grande do Norte”, como costumo denominar, tende a desaparecer se você continuar em silêncio.
Não estou pousando de profeta. Até porque qualquer pessoa que tem suas faculdades mentais normais tem consciência do que escrevi acima. Na realidade estou triste, pois são poucos os interessados na reversão desse quadro.
Entendeu, agora, por que atribuo tudo isso à EDUCAÇÃO?
Mas nesse momento estendo a educação a cada nisiaflorestense.
Não tem por onde correr: Até mesmo o surgimento de um deserto pode encontrar explicação na educação. PROF. LUÍS CARLOS FREIRE

OBS. Se o leitor quiser conhecer detalhes sobre o movimento aqui olhe em Postagens antigas o título Campanha de salvação da lagoa Papari”, veja, inclusive, a vinheta da época.

quarta-feira, 16 de maio de 2012

"DONA MARIINHA" - MARIA DO CARMO BEZERRA DIAS


TRABALHO DE HISTÓRIA ORAL, FEITO PELO PROFESSOR LUIS CARLOS FREIRE, INICIADO EM OUTUBRO DE 1992 E ATUALIZADO EM 2010.

MARIA DO CARMO BEZERRA DIAS - * Papary: 5.2.1905


De tanto ouvir falar sobre dona Mariinha, fui aos poucos conhecendo-a, conversando, anotando suas memórias, guardando. Isso fez com que eu me tornasse a primeira pessoa a registrar a sua história. 
Certa feita, conversando com um dos seus filhos, ele disse: "Engraçado, você sabe mais coisas de mamãe que nós, que somos filhos". Achei graça. Isso é fruto, como disse Ecléia Bosi, da conversa sem pressa, despretensiosa. É o que dá substancialidade à História Oral.  
A gente que é afeiçoado à história oral costuma ser procurado por alunos para informar sobre pessoas e fatos do passado. Sobre dona Maria do Carmo Bezerra Dias, a “dona Mariinha”, como é popularmente conhecida, os alunos costumam ser informados que ela é a primeira professora de Nísia Floresta. O que não é verdade. Antes de dona Mariinha existiram inúmeras professoras, nascidas inclusive, nas últimas décadas de 1700, ou seja, mais de um século antes de dona Mariinha vir ao mundo.
Veja os nomes de algumas professoras antigas e os anos em que as mesmas lecionaram em Papary, por exemplo: Maria Manoela de Castro (1867), Joanna Evaristo de Moraes Barros (1882 a 1883), Heládia Ribeiro Sampaio (1886), Thereza Lustoza da Silva e Araújo (1900), Aurora Costa Carvalho (1927), Annita Oliveira Monteiro (1927) dentre outras.
Costumo orientar os estudantes que, na realidade - graças a Deus e à natureza dessa encantadora senhora - ela é A MAIS IDOSA PROFESSORA VIVA DE NÍSIA FLORESTA". E que benção!!!
Para que todos conheçam a história da adorável professora, dona Mariinha, eis abaixo sua breve biografia, fruto, inclusive, de minhas pesquisas em história oral, iniciadas em 1992. As informações que se seguem foram complementadas em 1997, quando a referida professora tinha 92 anos e não estava tão fragilizada como se encontra hoje. À ocasião das entrevistas que gravei em fitas cassete e escrevi-as à lápis, ela ainda possuia muita vivacidade, voz forte e raros lapsos de memória. Observei nesse período que a professora, apesar da relevância do seu trabalho, nunca tinha recebido algum tipo homenagem. Era uma ilustre desconhecida em se tratando da sua história.


Foi nessa observação que organizei uma grande homenagem a alusiva a essa professora, em 1999, a qual ocorreu na Escola Municipal Yayá Paiva, com a presença da comunidade escolar, autoridades, filhos e ex-alunos da referida professora. Poucos anos depois a mesma teve seu nome dado ao PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil).


Vamos agora ao texto construído por mim, no dia 17 de maio de 1997.
No dia 5 de fevereiro de 1905, numa tarde chuvosa, exatamente na casa nº 129, defronte a Praça Coronel José de Araújo, nasceu dona Maria do Carmo Bezerra Dias, oriunda de uma família muito humilde, filha de Estefânia da Purificação e João Lourenço Bezerra, ambos nascidos na velha Papary.


Seis meses após seu nascimento foi abandonada pelo pai, o qual jamais retornou ao seio da família. Esse acontecimento, que marcaria para sempre a vida dessas duas mulheres, obrigou inicialmente sua mãe a se desdobrar, “numa época difícil”, como diz Maria do Carmo, “para dar conta da família”.


Mulher trabalhadora e abnegada, d. Estefânia sempre foi muito prendada, principalmente nos trabalhos culinários, com os quais se identificava. Com esse perfil não teve outra alternativa, senão tentar a vida através dos seus dotes culinários.


Foi até a mata que começava logo atrás de sua casa, cortou quatro estacas e uma porção de varas, preparou barro e alguns pedaços de ferro que, segundo ela ficavam atrás da igreja, "desde a época do padre Fortunato “Ele ia construir naquele oitão uma gruta de Nossa Senhora do Ó.”, diz dona Mariinha.


Com esses materiais dona Estefânia construiu, ela mesma, um imenso fogão de lenha em seu quintal. “Depois de uns dias mamãe mesma fez uma cobertura com uns frandi que o padre Fortunato deu pra ela. Depois, esse mesmo padre deu para ela umas telhas velhas que ficavam guardadas atrás da igreja. Era telhas de subisalença, para eles colocar quando uma quebrava. Essa gruta ele não chegou nem a começar. Mamãe disse que era um padre tão engraçado” (dizendo isso ela riu muito e colocou a mão direita na boca).


Encerradas as obras que duraram dois dias, dona Estefânia foi à feira de São José e comprou duas panelas de barro e algumas colheres de pau. Após tal empreendimento passou a fazer doces, pamonha, bolo e tapioca. “Mamãe fazia uma rudia de pano, botava na cabeça e botava em cima uma bacia cheia de tapioca e cocada e saia pelas ruas vendendo. Nas sextas e sábados ela gostava de ir vender na estação de trem, ela ia de pés”, diz dona Mariinha.


Assim que o pai abandonou a família, a pequena Maria do Carmo foi adotada por um rico morador da cidade, sr. Joaquim Freire, o qual viria a se tornar mais tarde prefeito de Papary.


Maria do Carmo cresceu nesse cenário. Entre sua casa e a casa do sr. Joaquim Freire. Acostumou-se a muito trabalho e tornou-se, desde criança, a única ajudante da mãe.


Em 1910 o governador Alberto Maranhão cria escolas de primeiras letras em várias cidades norte-riograndenses. Papary é uma dessas cidades contempladas. Surge então a Escola Isolada “Nysia Floresta” (a grafia com ypsilon obedece os documentos originais, embora se trate de equívoco).


Maria do Carmo Bezerra Dias vem a ser uma das primeiras meninas matriculadas nesse importante estabelecimento, pois, no silêncio das preocupações maternas, sua mãe sempre sonhara vê-la numa escola, tendo em vista seu espírito curioso, externado desde criança. “Eu não podia ver um papel que mesmo sem saber ler já ia querendo adivinhar tudo o que estava escrito".


O surgimento da escola veio como bálsamo para o coração sofrido e preocupado de dona Estefânia. “A gente ia pra escola tão bonita. Eu usava uma blusa branca com as manga até o cotovelo. A blusa tinha dois bolso aqui (mostra o lado esquerdo). A saia era tão bonita. Era um azul escuro, toda prinsada e batia do joelho pra baixo. Ela lavava roupa em dois lugar. Um era num riozinho que tem até hoje na baixada da delegacia. A água tão limpa que a gente via as pedrinha assim correndo e brilhando. A gente tomava água ali mesmo, na parte de cima que não tinha pisero. Até cumê mamãe levava, porque as veis a gente passava muitas horas. O outro pedaço do rio que ela ia era perto do quintal de dona Lulinha (onde hoje tem o Camarão do Olavo). Ela pegava as trochona grande, botava no lombo e fazia carreira prá lá. Naquela época não existia sabão. Ela lavava roupa com melão São Caetano. Depois ela engomava com ferro a brasa, daqueles da bocona assim” (faz gesto com as mãos, juntando em círculo os dois dedos polegares e indicadores – e dá muita risada).


"Minha mãe era muito espirituosa. Para ela não tinha tempo ruim. Era muito alegre e divertida. Ah minha mãe!”, discorre dona Mariinha.


No final de 1917 dona Estefânia é tomada de felicidade, pois a pequena Maria do Carmo é homenageada como a melhor aluna da turma. Com certeza valeram os esforços de uma mãe abnegada, que não fez do fato do abandono do marido motivo para ser amargurada ou para maltratar a filha. Ela sentia apenas o fato de o pai estar ausente num momento tão bonito.


Esse prêmio com certeza foi a culminância do seu projeto pessoal de ser professora. Sua infância reservou pouco tempo para brincar com boneca de pano e sabugo, mas em suas imaginações ela sempre se via como professora.


Na escola ela imitava os professores e admirava o ato de ensinar.
Poucos anos depois de ter concluído os estudos, dona Mariinha passou a dar aulas particulares em sua residência. Durante a manhã e à tarde ela ensinava para crianças, à noite se dedicava aos adultos. Diríamos hoje que era o MOBRAL da época, ou EJA, embora tais políticas educacionais não existiam, logicamente.


Isso mostra o quanto a velha educadora era dedicada, pois reservava tempo àqueles que tinham chegado à fase adulta sem serem alfabetizados. E em sua época o índice de analfabetos, homens e mulheres, era gigantesco.


À época ela cobrava “dez tões” mensais por pessoa, mas quem não pudesse remunerá-la não seria discriminado em nenhum aspecto, pois naquele mister existia uma índole de educadora por excelência. Modesta, mas suficientemente capaz de transmitir o essencial para a realidade do panorama ao qual seus conterrâneos estavam inseridos. Os “dez tões” cobrados por dona Mariinha tinham valor simbólico. Diríamos, à luz do atual sistema monetário, equivaler a R$ 20, 00 (vinte reais) por mês.


O que era isso mediante uma pedagogia tão completa e uma didática tão moderna?


Pedagogia completa porque a referida educadora se desdobrava para aplicar o máximo de conhecimentos aos seus alunos, por exemplo: matemática, geografia, língua portuguesa e história. Ela não se detinha apenas à matemática rudimentar e à gramática básica, como era comum. A mesma ia mais além, perscrustando os caminhos do conhecimento no cuidado de alargar o campo de informação dos seus alunos. A mesma era metódica e exercia o magistério com o rigor de um ser que se sentia enviado à Terra para aquela tarefa.


É interessante, em caráter de reflexão, analisarmos o nível de conhecimento de muitos alunos que concluem o 5º ano (antiga 4ª série) nos dias atuais. Infelizmente é deplorável, exceto em escolas sérias. Existem alunos atualmente que concluem tal nível com potencial de conhecimento equivalente aos que estão sendo alfabetizados. E não é diferente, salvo raras exceções, no ensino médio, conforme matéria jornalística que veio ao ar em 1999, no Jornal Nacional, da Rede Globo de televisão.


É notória a admirável dedicação da velha mestra, pois como deveriam ser difíceis os materiais didáticos, os quais, diferentemente da abundância atual, consistiam apenas em livros. E raros.


Didática moderna porque, segundo um dos seus alunos, hoje contador e ex-professor na UFRN, Otacílio Maurício Damasceno, “dona Mariinha jamais usou o terrível instrumento tão temido pelas crianças – a palmatória –, a qual servia para dar bolos nas crianças que erravam os deveres ou desobedeciam os professores”.


O trecho acima aspado foi retirado de um discurso feito por seu ilustre aluno, em 1999, na ocasião das homenagens alusivas à referida professora, tratadas logo no início deste texto. À época mandei emoldurar uma fotografia da mesma e o decreto que a nomeou como professora, em 1942.


A palmatória é um objeto plano, de pau, semelhante a uma escumadeira, com orifícios, usado para bater com força nas mãos de alunos desobedientes ou que errassem respostas.


Segundo informações recebidas de pessoas idosas, os “bolos” (como se chamavam as batidas da palmatória nas mãos) eram tão fortes e incômodos que deixavam as mãos doloridas. As crianças ficavam soprando-as e com vontade de molhá-las para aliviar a dor.


Cabe aqui uma reflexão sobre a didática de ensino, pois, justamente as mãos da criança – que estavam em desenvolvimento físico e de coordenação motora – que deveriam receber todo o cuidado possível – eram espancadas através de um pedaço de pau, no qual, juntamente com terrível método, muitas vezes se incluiam o estado de espírito e as frustrações de muitos professores, onde o aluno era o "bode expiatório".


Coitada das crianças dessa época! O fato de dona Mariinha ter abolido o uso desse objeto inquisidor em suas aulas, deixa claro seu método inovador para a época, pois, conforme o sr. Otacílio, “dona Mariinha usava como arma, se assim podemos dizer, a palavra. A palavra mansa, clara, dita com segurança na hora certa. A palmatória da dona Mariinha foi a palavra. A palavra educada”.


O trecho acima foi retirado do discurso proferido por esse seu ex-aluno.
Em sua adolescência dona Mariinha gostava de andar a cavalo, e quando podia empreendia cavalgadas até a praia de Búzios, acompanhada pelo “pai adotivo” e pelas filhas deste.
“A gente ia de jumentinho, subindo e descendo duna, comia frutas que encontrava pelo caminho. Ai que tempo bom!”, relembra a velha professora.


Já moça casou-se com o sr. José Henrique Dias, mestre de engenho de açucar, que era uma espécie de responsável pela organização de tudo o que acontecia num engenho durante o fabrico de açucar e melado. “Ele chefiava um grupo de trabalhadores, orientando as coisas que eles tinha que fazer para nada dar errado, nem queimar o açucar, nem deixar o mel amargo”, explica dona Mariinha. Com ele dona Maria do Carmo teve 11 filhos, tendo morrido dois gêmeos.


Generosa, adotou um menino quando esse ainda era criança.
De acordo com o Decreto Executivo nº 4, o prefeito José Dutra nomeou dona Maria do Carmo Bezerra Dias para exercer oficialmente o cargo de professora, em conformidade com o artigo 15, nº 1, do Decreto-lei nº 172, de 28 de outubro de 1942.


Agora remunerada, dona Mariinha passou a ensinar gratuitamente a todos os que buscavam os seus ensinamentos. O senhor José Henrique, segundo dona Mariinha, foi excelente esposo. Trabalhador e dedicado à família. Era muito religioso e devoto de Nossa Senhora do Ó.


Da mesma forma dona Mariinha sempre foi muito religiosa. Criada em lar católico, teve grande dedicação às coisas da igreja. Trabalhou muitos anos na Casa Paroquial, exercendo a função de cozinheira, a qual, como vimos, tinha grande domínio.
Prestou tais serviços no período compreendido entre 1953 a 1956, durante a administração do Cônego Rui Miranda (coincidentemente é o padre que recebeu os despojos de Nísia Floresta, em 1954).


Ela continuou tais atividades durante a atuação dos padres Armando de Paiva (1956 a 1958) e para o padre Antonio Barros (1966), o qual tornou-se futuramente monsenhor. Sempre foi respeitada por todos, graças ao seu espírito prestativo, de grande bondade e gentileza. Somado a isso herdou o jeito alegre da mãe, sabendo brincar na hora certa, quebrando protocolos com graciosidade encantadora. É uma pessoa risonha e muito brincalhona.


Durante o período que o padre Rui Miranda atuou em Arês, cidade próxima, logo que saiu de Nísia Floresta, solicitou os trabalhos de dona Mariinha, a qual atendeu-o prontamente. Trabalhou posteriormente na Cooperativa Popular Mista, localizada no Centro Pastoral Isabel Gondim, vinculada à Igreja Católica.


Dona Maria do Carmo Bezerra Dias não teve a intelectualidade de Nísia Floresta ou de Bráulio Tarquínio, mas, dentro da realidade provinciana da velha Papary, obteve grande destaque. É de se pensar que se essa mulher tivesse tido a oportunidade de ter estudado com mais profundidade, seja como auto-didata ou frequentado os bancos de uma universidade, com certeza teria dado vazão ao seu potencial intelectual e ajudado muita gente.


A autodidata foi professora compreendendo os anos de 1920 a 1970, encerrando seu ofício aos 65 anos, após 50 anos de dedicação ao magistério de Nísia Floresta, representando, pois, uma figura exemplar e digna de ser homenageada e reverenciada na passagem dos seus 105 anos.


A mesma vive até hoje na antiga casa nº, ou seja, na casa-escola, testemunha da formação intelectual de inúmeros nisiaflorestenses. Ali nasceu e cresceu a mais velha professora viva do município.


Professora que serve de exemplo para tantos outros educadores atuais. Nísia Floresta, maio de 2010. Prof. Luis Carlos Freire.

segunda-feira, 7 de maio de 2012




ADEUS PASTOR “NECO”

Cada pessoa, cada igreja possui sua forma de reverenciar seus mortos. Esses costumes assumem uma dimensão maior quando o morto foi em vida pessoa da mais alta respeitabilidade. A morte das pessoas com tal perfil – por mais que supostamente suas igrejas não entendam dessa forma – não deve passar despercebida quando a história do morto se confunde com a história de um município, justamente por ser essa pessoa parte de um patrimônio.
A pessoa do Sr. “Neco” representa tudo isso.
A morte não pode consistir meramente num enterro sem reflexão quando quem está sendo devolvido à terra é um pedaço da história daquela própria terra.
Não pude estar presente no seu enterro por necessidade extrema, tendo em vista ter sido a data da minha posse enquanto presidente do Conselho do FUNDEB em Parnamirim, e essa data tinha sido postergada a meu pedido, tendo em vista minha esposa ter sido acometida de uma dengue quase hemorrágica, exatamente na mesma época que o Sr. “Neco” também a contraiu.
Mas estive em seu velório e em seu enterro em pensamento, pois recordei-me muito do horário e imaginei o quanto Nísia Floresta sentiu essa morte.
Fiquei pensando sobre a dor que acometeu seus filhos, esposa, netos, parentes e amigos quando viram seu ataúde depositado na terra quente do pequeno espaço que guardará seus restos mortais.
É meio inexplicável jogarmos terra sobre a sabedoria e sepultá-la. É complexo entendermos que enterramos tanto conhecimento, tanta capacidade, tanta história. É estranho nos despedirmos de um baú de riquezas, deixando-o no cemitério, sob a terra, enquanto saímos para a vida. É um choque muito forte. É rompimento que custa-nos aceitar. Em questão de poucos dias uma pessoa tão atuante e dinâmica, mesmo idosa, sai de cena, deixando-nos sem explicação humana.
Sinto tudo isso numa dimensão muito mais forte quando reflito a morte do Sr. “Neco”,homem a qual nutri admiração por sua integridade enquanto cidadão íntegro, pai sábio e cristão autêntico.
Lembro-me quando eu morava no centro, há poucos dias, e assistia diariamente a uma cena que me fazia sentir-se bem. Entre às 04h30 e 05h00 ele chegava de carro, às vezes a pé, estacionava, descia com uma bíblia às mãos, camisa e calça social, ora de sapato, ora de sandália, checava se estava bem posicionado o automóvel defronte a uma espécie de extensão da Igreja Evangélica Assembléia de Deus ao lado da rodoviária. Ele entrava nesse local para rezar, creio que sozinho, em silêncio profundo, ao som apenas de alguns pássaros que despertavam no baobá.
Sinto que ele rezava também para mim, pois sentia que ele pedia a Deus proteção para a humanidade. Eu gostava de ver essa cena, pois reconhecia sua importância.
O Sr. “Neco” foi aquela pessoa que eu gostava da existência. Gostava de saber que ele estava em ação, seja onde quer que estivesse, pois fazia o bem, levava a boa nova, educava, tentava reverter quadros ruins para bons, enfim vivia concretamente sua condição de pastor.
Era homem que reunia por excelência rebanhos e se fazia ouvir com palavras simples, mas significativas. Afirmo com convicção que o Sr. “Neco” foi um pastor na mais pura acepção da palavra.
Foi pastor com P maiúsculo.
Vejo no Sr. “Neco” o homem que deixou um legado cristão, digno de despertar eternamente reverência e inspiração.
Vejo-o como um construtor. Mas um construtor em várias nuanças dessa acepção.
Como cristão reconstruiu a história de muitas pessoas, retirando-as da escuridão da vida pregressa, portanto um construtor da família, um construtor da felicidade.
Enquanto muitos cristãos passam com os vidros dos carros levantados, alheios à miséria humana, ele se comportava diferente, preocupando-se quando via pessoas trilhando caminhos ruins.
Sou testemunha disso, pois o presenciei algumas vezes dando as mãos para pessoas que estavam na sarjeta. Uns não entenderam e se desviaram depois, mas a grande maioria levantou das cinzas para uma vida de amor à Deus, tornando-se cidadãos respeitáveis, úteis à sociedade e cultivadores do que aprenderam com ele.
Ele também inspirou outros construtores do amor à vida e a Deus. Esse foi seu ofício. Trabalho difícil, mas como pastor incansável o vivenciava com amor e abnegação.
O Sr.“Neco” também foi construtor de Igrejas. Comprava terrenos e empreendia verdadeira saga para vê-las em atividade. Lugares onde existiam terrenos baldios e escuros viam surgiam por sua iniciativa templos de luz e amor a Deus, sejam em prédios de arquitetura simples aos de arquitetura mais rebuscada.
Recordo-me há alguns anos, quando faleceu sua primeira esposa. Fui ao enterro acompanhado por Fábio, o qual fazia parte, comigo, da gestão da Escola Municipal Yayá Paiva.
Ele contou-me da doença de sua mãe, das dores violentas que ela sentia e do amor incondicional do Sr. “Neco” pela esposa, a qual debruçava-se horas a fio dando-lhe absoluta assistência sem reclamar da vida, sem criticar pessoas, sem lastimar contra Deus ou qualquer coisa. Mesmo cansado pelas madrugadas sem dormir, dava glória a Deus por tudo. Somente pessoas detentoras de tamanha compreensão das coisas de Deus são capazes de fazer do sofrimento felicidade.
Fábio falou-me da dedicação do Sr. “Neco” aos filhos, dos conselhos, dos exemplos que dava, e desde então fui percebendo a grandiosidade desse homem. Verdadeiro sábio. Retrato do bem. Sinônimo de cristão.
O tempo passou e o Sr. “Neco” casou-se com uma senhora respeitável, séria, chamada D. “Lurdinha”, de família antiga da cidade. Mulher culta, dona de uma história admirável, inclusive rompeu as paredes do preconceito e da injustiça social e tornou-se uma das primeiras mulheres nisiaflorestenses – se não foi a primeira – a estudar em Natal, na UFRN, formando-se em Letras, numa época de dificuldades inimagináveis.
Filha mais velha da admirável D. Yayá, matrona forte e abnegada, que sozinha edificou uma família de pessoas destacadas socialmente.
D. Lurdinha perdeu o pai ainda moça e tornou-se junto com a mãe o alicerce da família, amparando os irmãos menores e ensinando-lhes os ensinamentos deixados pelo pai, reforçados coragem da mãe.
Foi essa mulher que Deus colocou no caminho do Sr. “Neco”, casal unido e amável.
Juntos viajaram para Israel, onde ele próprio me contou das perambulações que fizeram pela terra onde Cristo andou. Foi um sonho realizado. Sonho que aumentou sua fé – se é que posso assim dizer.
Esse casal externava amor, respeito, cumplicidade, simpatia, bondade e envolvimento com as coisas de Deus. A casa onde viviam destoava das demais. Não pela cor ou pelo aspecto arquitetônico, mas pela presença constante de ambos, juntos, enquanto casal dedicado a Deus. Havia uma aura diferente nessa casa. Era a presença constante do Criador.
Hoje esse homem amável deixa-nos sem despedir-se.
Confesso que enquanto pessoa acostumada a pesquisas a história das pessoas, os tipos humanos e seus legados, sinto-me também uma espécie de orfandade, pois sei que Nísia Floresta perdeu um pedaço difícil de ser recomposto, pois ninguém é igual ao outro.
Morre um pai que não sabia que tinha outros filhos.
Morre um pastor que inspirava pessoas sem perceber.
Hoje ele descansa no paraíso dos santos. E aguarda o toque das trombetas para ser arrebatado com todos aqueles que durante a vida respeitaram as coisas de Deus.
Hoje, sábado, 5 de maio de 2012, às 20h00, tendo sentido inspiração, deixo essa homenagem ao admirável Pastor “Neco”, o homem que, juntamente com seus irmãos trouxe a Igreja Evangélica Assembléia de Deus para Nísia Floresta há pouco mais de meio século.
Vai-se o homem. Fica a sua história.
História que precisa ser contada e documentada para continuar despertando homens de bem em nossa sociedade.
Em homenagem a esse pastor fiel e leal ofereço-lhe uma linda e antiga música, a qual admiro muito "Eram cem ovelhas".
Obrigado Sr. Neco por sua história.
História linda!
História que jamais morrerá.

Luís Carlos Freire