ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio, sem a devida concordância. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto breves trechos isolados, desde que mencionada a fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

Ayana, a noiva de cabeça para baixo.

 


AYANA, A NOIVA DE CABEÇA PARA BAIXO...

 

    Era uma vez, num país africano chamado Madagascar, uma ilha-continente do Índico, nasceu uma menina diferente de todas as tribos da região. Era branca como neve, seus cabelos eram dourados com mechas pinceladas de ruivo, iguais às faíscas do sol. Sua face louçã  acentuava  a cor de seus olhos, uma incomum tonalidade violácea. Um feiticeiro famoso por nome de Bomani orientou os pais que lhe dessem o nome de Chiamaka, que significa “Deus é lindo”, mas os pais preferiram “Ayana", ou seja, “linda flor”. Pareciam adivinhar alguma coisa…

Toda a população do país era preta, eles nunca haviam visto uma pessoa branca -, portanto várias tribos da região - e até de outros países -, cheias de curiosidade, se abalaram até Belo-sur-Tsiribihina-Tobi, onde nasceu a menina. Queriam vê-la. Houve um princípio de tumulto nos primeiros meses. Os mais jovens defendiam que a criança era uma divindade e outros alegavam o oposto. Logo os idosos, que são muito respeitados, encerraram as conjecturas, alegando que a brancura de Ayana era um fenômeno natural de pele. Então a polêmica se dissipou, muito embora alguns guardaram para si suas impressões sobre a incomum criança.

Apenas um detalhe diferenciava Ayana da meninada de Belo-sur-Tsiribihina-Tobi. Era poupada do sol escaldante, pois sua pele se queimava com facilidade. Com o passar do tempo, perceberam que ela realmente era igual a todos. Brincava o dia inteiro debaixo das árvores, corria na chuva, era alegre e esperta. Todos gostavam dela e Ayana era tão amada quanto as outras crianças. Ninguém mais a olhava como antes, exceto visitantes eventuais. O tempo, como não para, tornou Ayana uma adolescente encantadora. 

Era comum às tribos locais viajarem uma vez por ano até a costa ocidental de Tisombe, onde ocorria o Tanguadê, festa religiosa em louvor à fartura e à fertilidade. Era momento de agradecimentos e pedidos. A participação no evento vislumbrava um ano de prosperidade e o nascimento de novos filhos, que eram bênçãos e sinal de perpetuação das famílias e dos costumes. 

A viagem era longa. Então eles preparavam víveres em abundância e viajavam em lombos de camelos, jumentos, em carroções e até mesmo a pé. A tribo de Ayana cultuava o deus do dia, uma divindade de nome Masoandro, deus que representava uma eterna luta contra a deusa da noite, de nome Volana. Para os cultuadores de Masoandro, a luz do sol representava a sua doação para os povos do mundo, a bonança e a esperança, ao contrário do que representava Volana, deusa da noite, da escuridão, da dispersão e do medo. Para os masoandristas, àqueles que acreditavam em Masoandro, a lua representava uma sentinela da deusa Volana. 

Foi justamente nessa festa que Ayana conheceu Akin, um jovem muito belo. Por alguma razão, o encontro dos dois construiu um fio que, a partir daquele momento, unia suas vidas. Para alguns, esse fio que atravessa a vida dos homens tem o nome de amor. Ambos se apaixonaram. Ayana chamava a atenção a cada passo que dava, o que a impedia de conversar melhor com Akin. As regras religiosas e as tradições daquela civilização milenar não permitiam que os filhos se casassem por iniciativa própria. Eles eram prometidos desde crianças, como um contrato, tanto os homens quanto as mulheres. Um casal se unia em matrimônio a partir de um dote, valor em dinheiro a ser levado para o casamento a partir da quadrigentésima menstruação da moça. Todas elas possuíam um ‘rakun’, pequeno pedaço de couro de camelo furado, como uma tabela, onde controlavam os períodos da menstruação.  

O dinheiro do dote não precisava ser exatamente em espécie, em moedas ou ouro, mas um misto de animais, como camelos, jumentos, cabras, aves, terras e até mesmo roças a colher. Assim rezavam os hábitos da tribo. Mas havia uma complicação mortal que impedia a união entre Ayana e Akin, o rapaz pertencia a uma tribo do extremo sul da ilha, isolada pelo tempo e pelos próprios homens como um povo condenado. A tribo de Akin cultuava a deusa Volana e todos carregavam em suas orelhas argolas de um puro marfim branco, como um sinal de benção lunar. Akin estava em Tisombe apenas como um curioso, atiçado por seus amigos. Seus longos cabelos negros impediam que alguém percebesse a presença de suas argolas. Para qualquer masoandrista isso seria um sinal de maldição. 

Foram trinta dias de celebração ritualística, com muita dança, desafios, batuques, banquetes, adorações e uma infinidade de oferendas aos deuses. Até o protetor de Tisombe estava presente com a sua esposa. O local dos festejos era emoldurado de fogueiras durante a noite, ali se assavam cabras, aves, animais de caça e comidas típicas em abundância. Cada fogueira acesa significava um culto a Masoandro. As chamas  e o calor do fogo sinalizavam um tributo eterno que não poderia ser apagado.

 Foram dias felizes para Ayana e Akin, jovens que se amavam pelo olhar. Akin contava 19 anos e Ayana trazia a sua décima sétima primavera. A festa terminou. Todos retornaram às suas aldeias. Certa vez, num rompante de imensa coragem, Akin se abalou até Belo-sur-Tsiribihina-Tobi para visitar Ayana, dessa vez seus cabelos estavam presos e suas argolas de marfim eram mais que visíveis. Ele sabia dos costumes e da ousadia empreendida, mas o amor fê-lo arriscar. A visita foi interpretada pelos pais de Ayana como uma transgressão e poderosa ofensa à família e principalmente aos deuses, atingindo frontalmente as regras religiosamente respeitadas por todos da aldeia. Ainda mais, o povo volano, cultuadores da deusa da noite, que quando vistos, representavam um mau presságio. 

 Para além dessa confusão, Ayana ainda estava prometida ao jovem Erasto, inclusive o seu magnífico vestido de noiva estava pronto. Era uma peça de tafetá de seda perolada, vinda de Rabat, em Marrocos. O casamento se daria no final daquele ano. Não ficava bem aos costumes locais que um homem estranho visitasse uma moça prometida, principalmente um volano. Akin ouviu dos próprios pais de Ayana, todas as informações necessárias para tentar minar o seu amor, e foram  incisivos, pedindo que ele fosse embora e nunca mais retornasse. Foi um encontro amargo para todos.

Mesmo tomada pela paixão ardente, Ayana reforçou tudo isso a Akin, enquanto o levava até o portão, mas ele disse, sussurrando, que voltaria para buscá-la às escondidas, na próxima lua cheia, à meia noite, na parte detrás do terreiro de sua casa. Pediu que ela colocasse a mão na orelha, acaso concordasse. Ayana consentiu e ele partiu extasiado.

Naquele mesmo dia, o feiticeiro e o sacerdote da aldeia visitaram a família para saber sobre a presença daquele jovem de argolas brancas nas orelhas, chamando a atenção de todos. Eles sabiam das tradições e quem era prometido para quem. O religioso orientou que aquilo não poderia se repetir, pois tais deslizes causavam danos à imagem da noiva, de sua família e principalmente da tribo. Muitos rumores ecoaram na localidade. Os pais de Ayana ficaram profundamente abalados, mas, enfim, os dias se passaram e o constrangimento se abrandou.

Na data e horário marcados, quando Akin retornou para buscar Ayana, deu-se com uma grande surpresa. A aldeia estava em festa. A inocência de sua amada e a efusão do amor, fê-la se esquecer de que a data tratada entre eles era festiva. Ele ficou escondido na mata, dentro da cavidade de uma árvore estranha, único exemplar em toda a região. Chamavam-na de Baobá. Akin imaginou que todos se recolheriam antes da meia noite, então sairia para roubar Ayana, pois sabia que ela o aguardava. Ledo engano. A festa deu sinal de buscar o sol. Então ele retirou a capa que usava, se disfarçou com uns couros que estavam espetados nas cercas de pedra próximas, e se aproximou de onde estava Ayana com os seus familiares. Sua intenção era ter a oportunidade de se comunicar com a sua amada. Por fatalidade um cachorro pressentiu o cheiro diferente e atacou Akin diante de todos, arrancando o seu embuste. Houve a revelação e todos ficaram escandalizados, inclusive os pais de Erasto, o adolescente prometido a Ayana. 

Ali se formou um pequeno rebu. O que anteriormente havia sido uma mera transgressão, agora consistia num direto ataque às tradições e ao deus Masoandro. As famílias precisariam dar um basta na audácia do rapaz, ou toda a tribo ficaria refém, sem a proteção de Masoandro. A intenção daquela visita se tornou nítida. O sacerdote fez logo um sermão, condenando com veemência a atitude de Akin e Ayana. No mesmo instante os pais de Erasto se retiraram, hostilizando a família de Ayana. Naquele exato instante ceifaram qualquer pretensão de laços. O pai de Ayana ficou ultrajado e expulsou Akin, alegando que o mataria se ele retornasse. No mesmo instante todos os rapazes da aldeia investiram contra Akin, ameaçando-o com lanças afiadas. Não restou outra alternativa para o forasteiro que não fosse fugir. Então ele desapareceu na mata enegrecida pela noite.

Ao chegar em casa, Ayana revelou toda a história aos pais e ao sacerdote, pois a vida daquela tribo passava pelo crivo daquele líder espiritual.  Todos eram educados a nunca mentir. Eles sentenciaram que se ela arriscasse qualquer atitude para reatar o relacionamento pecaminoso, todo o seu povo sofreria a ira do deus do dia. Quando o sacerdote se despediu, o pai de Ayana lhe disse que se ela desrespeitasse as orientações, o seu mais provável futuro seria a morte. A mãe sentenciou que a vestiria de noiva e a enterraria viva, de cabeça para baixo. Ayana, com medo acedeu, dizendo que eles poderiam ficar em paz.

O dia amanheceu e um tumulto acordou a cidade. Carregadores de água encontraram próximo dali a ossada de um homem atacado por leões, restando apenas as roupas, duas argolas quebradas de marfim, e um punhal que constava cunhado o nome de Akin. Os pertences do jovem volano foram reconhecidos por alguns rapazes da tribo que o viram em Tanguadê. O sacerdote foi até a casa de Ayana dar a terrível notícia, a moça também reconheceu a roupa do amado. Seu olhar de profunda tristeza e seu corpo quase desfalecido em tremores, contrastava com o ar de matreira felicidade dos pais. Eles aguardavam o acalmar da situação para arriscar resgatar o casamento da filha com Erasto, portanto aquela morte encerrava o grande problema. Assim pensavam.

Foi impressionante o comportamento aparentemente resiliente e resignado de Ayana, a tristeza parecia tê-la radicalizado. Em nenhum momento ela esboçou qualquer reação que contrariasse o desejo de seus pais, embora tudo fosse como uma punhalada cravada em seu coração. Era impressionante a sua serenidade. Mas ela havia tomado uma decisão silenciosa, tão silenciosa quanto a sua promessa de amor a Akin. 

Os dias vindouros foram de aparente normalidade, mas Ayana soube que a aldeia comentava algo muito ruim sobre ela. Muitos alegavam estarem certos quando - no dia de seu nascimento -, supuseram que ela fosse um ser sobrenatural do mal, do caos e da dor. Então passaram a dizer que Ayana representava o início de uma maldição, estaria colocando em decadência a prosperidade da aldeia e traria inúmeros problemas. Os pais de Ayana, esperançosos de que tudo aquilo fosse passageiro, afagaram a filha, tentando dar-lhe alento. Disseram que aquele momento era como atravessar uma tempestade em meio ao deserto, mas passaria rápido. Na realidade, eles a acalmavam na intenção de também sensibilizar os pais de Erasto, resgatando o acordo do casamento. Ayana, como sempre, demonstrou muita doçura ao ouvi-los. 

 Naquela mesma madrugada, assim que os pais adormeceram, ela se vestiu de noiva e demorou horas se maquiando, tornando-se a mais bela nubente que já existiu na aldeia. Parecia a luz do sol ou o resplandecer do marfim branco refletindo a luz da lua. E antes que o sol despontasse os seus primeiros raios, ela trespassou a cerca de proteção da aldeia e adentrou a mata, sem rumo. Mil pensamentos divagavam em sua mente. Não demorou muito, ela se deparou com uma alcateia de leões e se colocou como oferenda. Impressionantemente as feras se comportaram como gatos domésticos, como se ela fosse invisível.

Ayana investiu contra eles, atiçando-os, mas as feras ignoraram todos os seus gestos. Ela seguiu andando, encontrou outras matilhas, deu-se com leopardos, hienas e outros bichos ferozes. Todos lhe eram indiferentes, e pareciam se curvar diante da pálida moça. Exausta, ela começou a andar em ziguezague. A lua cheia refletia em sua vestimenta. Ayana parecia a própria lua resplandecendo na escuridão da floresta.  Não sabia exatamente onde estava. De repente, já amanhecendo, deu-se com o imenso baobá. Nele uma parte abaulada do tronco formava um sulco, permitindo a entrada de uma pessoa. Ayana ali se guardou. No mesmo instante, por ironia do destino, sentiu o cheiro de Akin e pensou estar sonhando. Logo reconheceu a capa que ele deixou quando ali se escondeu. Ela a abraçou como se afagasse o próprio Akin. Ali se pôs a sonhar, mergulhada em seu silêncio.

Nesse exato momento, os pais de Ayana estavam desesperados, procurando-a em toda a aldeia. A notícia de seu desaparecimento correu rapidamente. Todos os homens puseram-se à procura. A busca se arrastou até a noite. No outro dia tudo foi reiniciado, ampliando os lugares, mas em vão. Pessoas de aldeias vizinhas se uniram. Os pais de Ayana perceberam que ela havia vestido os seus trajes de noiva e não entendiam a razão da esdrúxula atitude. Eles não compreendiam como a filha não fora vista por ninguém em tais vestes. Pensaram até no pior, mas nem o vestido, nem a Ayana foram encontrados. 

Dois anos se passaram. Era inverno. A dor era quase a mesma, mas ninguém mais cogitava a possibilidade de Ayana retornar. Nunca sequer a menor pista foi encontrada. Tudo mais permanecia igual, até que a estação das águas surpreendeu a aldeia. Chovia torrencialmente. Nunca havia chovido nessa profusão durante o frio inverno. Veio então a primavera, e do dia para a noite, aquela árvore esquisita - batizada de baobá, e que nunca havia despontado uma flor, despertou como se abrisse os olhos e pincelou-se de lindas flores. A árvore transformou-se num imenso buquê branco cor de marfim, atraindo a atenção de toda a tribo que nunca havia visto algo parecido. A cavidade se fechou naturalmente. Todos correram para tentar entender ao mesmo tempo que apreciavam a beleza. As pétalas, esvoaçantes, eram da cor de seda pérola e seus pistilos traziam a cor de neve permeada de uma tonalidade ruiva nas pontas... 

A perplexidade tomou conta de todos. Não houve quem chegasse ali e não tivesse a mesma impressão. A flor era uma noiva de cabeça para baixo… O vestido era exatamente igual ao de Ayana... a flor era a imagem de Ayana… era Ayana transformada em flor… a flor era Ayana… Ayana era flor… Os seus pais, quando se recusaram a adotar o nome sugerido pelo feiticeiro, batizando-a de Linda Flor, nunca imaginariam que o começo da vida de sua filha já era um prenúncio do seu fim.

Naquele dia o sol se pôs mais cedo. Uma noite de lua cheia e forte ventania se desdobrava no mundo. Nenhuma fogueira da tribo resistiu, e a escuridão imperava, não havia ali nenhuma luz, senão uma forte aurora que parecia brotar de dentro do baobá. Uma densa neblina branca se formava ao redor da grande árvore e começava a correr com o vento pelas ruas daquela tribo, carregando folhas secas e a atenção dos locais, era tudo como uma dança, como se um véu de noiva passeasse por entre o mundo. Ninguém acreditava no que via. E por três longos dias a luz do sol não apareceu, só havia a dança da neblina irradiada pela forte luz da lua.

 Dali em diante, em todos os anos, durante a primavera, tudo se repetia, e a estranha árvore se transformava num buquê, atraindo todos os animais alados. Logo as abelhas passaram a produzir um mel de sabor delicado. As corujas se multiplicaram. E por três dias imperava na longa noite a dança da branca neblina, cercando a aldeia com um fulgor próprio. Cada vez as flores eram mais viçosas.  A beleza do baobá contrastava com os arbustos acinzentados, e a árvore passou a produzir cápsulas contendo sementes enormes envolvidas em polpa saborosa. O seu suco curava doenças e promovia a fertilidade. Era a única árvore daquela espécie em toda a África. Nunca havia florido, então floriu Ayana. 

Os pais de Ayana guardavam no coração um forte remorso, então o sacerdote de Belo-sur-Tsiribihina-Tobi acalmou-lhes, explicando que tudo aquilo fora uma profecia que passou a se cumprir em dois momentos. O primeiro foi quando eles a batizaram de Bela Flor. O segundo se deu com o encontro entre Ayana e Akin na festa de Tanguadê, na costa ocidental de Tisombe, o longo ritual que tem como finalidade a busca por prosperidade e fertilidade. O Baobá então seria o receptáculo final daquele vaticínio, seu maktub. A árvore surgiu na aldeia. Única em toda a Àfrica. Nunca havia florido, pois aguardava o cumprimento da profecia. Ayana veio para ser flor, trazer prosperidade, fertilidade e vida. Mas nunca alguém conseguiu explicar aquela branca neblina que dançava pela tribo, muito menos a longa noite de três dias que despertava sempre após o florescer do baobá. 

Essa história comoveu a África. Todos agora queriam as sementes daquele baobá. Reis e sacerdotes de várias tribos africanas, inclusive o faraó do Egito cuidou de produzir mudas. Todos queriam conhecer Ayana. Todos queriam as bençãos de Ayana. Suas sementes saíram daquele Continente e chegaram à Austrália, despertando o plantio de baobás. Assim, lentamente, Ayana se espalha pelo mundo. Assim os baobás viajaram para outros continentes, simbolizando o amor puro e verdadeiro. Mas só ali, na tribo que viveu Ayana, durante três dias do ano o sol não é visto, nenhuma fogueira é acesa, e a única luz existente é a da neblina branca como aurora que reflete o clarão da lua, branco como o marfim. Maktub… L.C.F. 28.12.20.




sábado, 26 de dezembro de 2020

Vereadores de Natal deveriam respeitar o povo e o momento crítico em que vivemos...

 

VEREADORES DE NATAL AUMENTAM OS SEUS SALÁRIOS DURANTE A PANDEMIA...

Em tempos de Pandemia o vírus da vergonha não chegou à Câmara Municipal de Natal. Indagorinha assisti - sem acreditar - uma reportagem na TV Cabugi, sobre o reajuste de salário dos vereadores natalenses, aprovado ontem. Uma vereadora, por nome Nina, declarou que alguns deles não estão conseguindo sequer ter um plano de saúde e “precisam correr para o SUS”. Quer dizer que um vereador não pode recorrer ao SUS? Por quê? Tem muita gente sem conseguir pagar uma cesta básica. Que plano de saúde é esse? Isso fala por si. Não seria melhor que eles lutassem pela qualidade do SUS?
O Projeto teve 17 votos favoráveis e 5 contrários, e só valerá a partir de 2022. Esse aumento é previsto apenas para 2022, porque a lei aprovada pelo Congresso Nacional garantindo auxílio financeiro para os estados - proibiu o poder público de conceder qualquer vantagem, aumento ou adequação de salários até 31 de dezembro de 2021. Então os sentinelas dos privilégios e da insensatez correram contra o tempo, pois se deixasse para 2021, não poderiam garantir o portentoso salário. Interessante como são eficazes nesse assunto.
Atualmente, os vereadores ganham R$ 17 mil, em salário bruto. Então o salário passaria a ser de R$ 19,5 mil. Se não conseguem administrar esse alto salário, significa que não estão preparados para a função que ocupam. A referida vereadora disse que os vereadores natalenses não têm "auxílio paletó, auxilio alimentação, auxilio saúde" e que "muitos não têm condições de ter plano de saúde. Tem que correr para o SUS". O SUS por acaso é o inferno? Por quê? Ela também declarou "Eu não tenho vergonha de ter votado esse aumento que vai dar R$ 1.600, porque eu mereço, eu trabalho, eu produzo para Natal”.
Quer dizer que produzir para Natal dá o direito de ignorar o problema econômico que já é sentido devido a Pandemia? Dá direito de imprudência diante dos abalos na Economia Nacional? Lembrem: vocês foram eleitos pelo povo porque se propuseram a trabalhar pelo povo. É dever moral. Por que não entrega o cargo?
Os vereadores que votaram contra foram: Eleika Bezerra (PSL), Franklin Capistrano (PSB), Ana Paula Araújo (PL), Júlia Arruda (PCdoB) e Divaneide Basílio (PT). Independente de ideologias políticas, agiram com coerência.
Os vereadores ainda aprovaram uma emenda de autoria da vereadora Nina, garantindo que apenas os vereadores que assinarem um requerimento à Casa, solicitando o reajuste, terão aumento. Quem não solicitar, receberá o atual.
É lastimável vivermos num país cujas próprias autoridades - salvas as devidas exceções - não são civilizadas, pois se o fossem teriam sensatez. Não estariam dando risada na cara da maior parte do povo natalenses. Muitos sequer recebem um salário mínimo. O número de mendigos aumentou em Natal. Deveriam estar voltados para isso. Em novembro o Supremo Tribunal Eleitoral mandou todo mundo para a rua votar, ao invés de adiar as eleições para 2021, alegando ser inconstitucional. Certamente é constitucional espalhar o vírus da morte? A conta chegou. O mínimo que esperamos de um vereador é civilidade.
Os vereadores natalenses deveriam ter respeito diante do que estamos vivendo. Pela lógica os primeiros anos vindouros serão mais difíceis, devido às sequelas da Pandemia na Economia. Não é momento de aumentar salário. Agora estão querendo que o povo pague os seus planos de saúde? Já não basta um salário tão alto? É muito vergonhoso. Caras de pau!
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OBS. Muito desagradável, num momento de Natal precisar escrever isso, mas a vida não para.

Mensagem de Natal: "Melhor que ter Natal é ser Natal"...

 
 MELHOR QUE TER NATAL, É SER NATAL...
 

Embora o Natal tenha uma mensagem única para a humanidade, espiritualmente falando, tenho o meu modo particular de entendê-lo. E não não penso sozinho, pois na estrada da vida, percebo muitas pessoas que buscam esse mesmo Natal. Não sei se estou certo, mas esse sentimento se formou ao longo dessa travessia, e quero compartilhá-lo.

Entendo o Natal como uma transformação pessoal. E isso tem que ser levado a sério. Natal é um renascimento interior. É o dia que viramos uma página para sempre. A página daquilo que não foi bom. Na realidade, o sentimento de Natal deve ser o sentimento do ano inteiro, mas a data do Natal é a oportunidade maior para um renascimento individual, pois todas as intenções cristãs estão voltadas para o amor. É como um vírus. Uma contaminação de amor.
O Cristianismo ensina que Jesus de Nazaré veio para salvar a humanidade, então o dia de Natal é o dia de renascer em nós essa salvação, pois é um sentimento individual, e deve ser permitido ou não pelas pessoas, as quais são livres. Mas como? E o que é salvação?
Salvação, humanamente falando, é a prática do bem sem olhar a quem. É viver diariamente esse amor que todos falam. É praticá-lo. Não é apenas “jogar palavras ao vento”, como escreveu o padre Antonio Vieira, há quase 500 anos. Salvação é o amor concreto e não apenas palavras, as quais, por mais que possam refletir o interior de quem escreve, pode ser uma aparência. Não é fácil praticar esse renascimento. Precisamos buscá-lo sempre.
O homem e a mulher reúnem todas as condições físicas e mentais para compreender e praticar esse amor. Todos podem praticar o amor, mesmo recebendo injustiça. Receber injustiça não é regra. É incomparável quem dá amor e quem dá ódio. Uma frase antiga e de efeito parece piegas, mas explica sabiamente essa capacidade humana: “damos o que temos”.
Não é fácil praticar esse renascimento diante das relações humanas, as quais algumas vezes são conflituosas. O stress da vida pode alterar - algumas vezes - o nosso interior e permitir atos que não são comuns à nossa personalidade. Mas aí entra o perdão. Pedir desculpas traduz uma alma nobre, deixa-nos leve como plumas ao vento. Todo ser humano erra. Até os mais lapidados.
O amor tem uma tendência natural a contaminar. O amor faz bem e é perceptível em coisas extremamente simples. Tão simples que às vezes nem percebemos. O amor desarma hostilidades. O amor anula sentimentos pequenos. E esse amor é o renascimento que tanto falamos no Natal. É melhor praticá-lo que falá-lo. É essa a salvação que o Natal vem nos dizer.
Há formas infinitas de sermos Natal: não fazer distinção alguma em termos de respeito ao próximo, buscar o bem comum, se colocar no lugar do próximo, dar atenção às pessoas, ouvi-las, inclusive as que vivem à margem da sociedade, olhar no olho de quem nos fala, praticar caridade anonimamente, silenciar diante de algo que é dito com intenção de ferir, ensinar o que sabemos, fingir que não ouviu algo que pode gerar problemas, guardar segredos que podem gerar conflitos, lembrar que na maioria das vezes uma das maiores provas de amor é o silêncio, oferecer ajuda, fazer por onde tornar melhor o ambiente onde vivemos e trabalhamos, tornar bonito os ambientes físicos, onde reunimos pessoas, doar-se a alguma causa que transforma pessoas, ensinar o que sabe, nos policiar principalmente diante daqueles que, mesmo sem querer, ofendemos; buscar caminhos para que os outros possam ter dignidade, dar a vara de pescar, mas antes dar o peixe, pois a fome tem pressa… São são tantos Natais que podem ser cotidianos...
Natal é oferecer amor aos loucos, aos imbecis, aos dementes… pois até mesmo quem não reúne condições psíquicas de entendê-lo, são capazes de reagir amorosamente. O amor dilui qualquer mau. Natal é exercício constante. Amor é exercício constante. Somente razões patológicas poderiam explicar hostilidades ao amor, mas mesmo assim, precisamos seguir dando o que possuímos dentro de nós. É muito importante renascermos o verdadeiro Natal dentro de nós para nos salvarmos. Ele é tão contagiante que pode inspirar os outros nessa salvação pessoal - e social.
Tudo o que fazemos tem eco. Se espalho o mal, o mal me vem. Se espalho o bem, ele vem triplo, quádruplo, décuplo… É exercício. Não existem pessoas perfeitas, mas é fácil tentarmos diariamente sermos pessoas melhores. Isso é exercitar o Natal. Natal é para dentro. Não é para fora. Busquemos ser Natal...
A vida é um sopro, um pavio… travessia rápida demais, e às vezes as fatalidades até adiantam as nossas partidas, como vimos, agora, durante a Pandemia. Deixar para reparar amanhã os erros de hoje pode ser tarde. Podemos partir, levando-os, ou os outros poderão partir, deixando-os. Por que não renascer então. É tão possível ser Natal. Melhor que ter o Natal é ser Natal... Luís Carlos Freire, jan. 2013.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

PARNAMIRIM PARA O BRASIL - UTILIDADE PÚBLICA... AJUDE-ME A ENCONTRAR UMA FAMÍLIA DESAPARECIDA...

 

PARNAMIRIM PARA O BRASIL - UTILIDADE PÚBLICA...
AJUDE-ME A ENCONTRAR UMA FAMÍLIA DESAPARECIDA...
 
Aqui pertinho, abraçando Natal, mora a senhora RITA FERREIRA DA SILVA, de 80 anos de idade, mineira, residente em Parnamirim, município divisado com Natal. Ela não vê os seus familiares há mais de sessenta anos. Pesquisando histórias antigas com pessoas idosas, descobri por acaso sua história. A tristeza como ela narrou, me tocou, pois me coloquei em seu lugar. Já entrei em contato com pessoas de Minas Gerais, pois acredito que compartilhando essas informações com o máximo de pessoas da região de dona RITA, é possível localizar alguém e realizar o sonho dela. Ela contava com dezessete anos de idade quando saiu de Minas Gerais e nunca mais viu familiar algum.Ela não tem ninguém por ela. Tem casa, é aposentada, mas é praticamente solitária, pois a única filha é doente. Na realidade, ela é só. Não há como não ser em sua situação.
Preciso muito da sua ajuda, enviando isso para emissoras de rádio, jornais impressos e digitais, padres, escolas, pastores de igreja, associações, enfim, para órgãos e pessoas da localidade dela, as quais podem identificar a família dela e ajudar. Meu nome é Luís Carlos Freire. Meu e-mail é: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com.br – OBS. Estou mandando os meus dados porque a referida senhora não é alfabetizada. RITA FERREIRA DA SILVA nasceu em GRAVATÁ/MG. É plenamente lúcida, mas não sabe explicar se o lugar era um distrito, bairro, povoado, vila etc. No bojo de sua fala, ele se refere a lugares como, NOVO CRUZEIRO, alegando que faz parte de TEÓFILO OTONI, que, segundo ela, ficava perto de ARAÇOARÍ. Ela foi registrada em GOVERNADOR VALADARES (tudo isso é MINAS GERAIS), então supostamente esses lugares podem ter parentes dela.
Disponibilizo, aqui, muitas informações que colhi, as quais ajudam muito. RITA FERREIRA DA SILVA é filha de VIRGÍNIA FERREIRA DA SILVA e MANOEL FERREIRA DA SILVA. Ela não se lembra com exatidão dos nomes dos avós, apenas do Sr. JOSIAS, avô por parte de mãe. Seus pais tiveram mais de dez filhos, mas sobreviveram: MIGUEL, JOAQUIM, JOSÉ, JOÃO, BASTIANA (que deve ser Sebastiana), CLEMÊNCIA, MARIA e ANA. Dona Rita disse-me que uma tia, por parte de pai tem o nome de BASTIANA (teve todos os filhos com sérios problemas de visão). Ela casou-se com o irmão de uma senhora chamada RITA.
BASTIANA, sua tia, teve os seguintes filhos: LIRA, CUSTÓDIA, MARIA JOSÉ, TERESA E “JOÃO VÉIO”. Os seus tios por parte de mãe são: EMÍLIA, JOANA e GREGÓRIO. Dona Rita recorda-se de um vizinho chamado pelo apelido de “ANTÕE VÉI”. Na sua comunidade existia a Igreja de Nossa Senhora do Carmo. O pai de dona Rita possuía um extenso sítio, no qual plantava café, cana e arroz. A região possuía um rico fazendeiro conhecido como JOAQUIM VICENTE.
Em 1954 ela deixou o seu lugarejo, aos 14 anos, quando Getúlio Vargas morreu. Foi para BELO HORIZONTE trabalhar com a família da Srª Maria das Dores. Ela foi indicada por uma senhora que levava moças do interior para trabalhar em casas de família da capital. Lá passou dois anos, depois foi para casa de Dona Alice. Ao todo, permaneceu mais ou menos cinco anos em BELO HORIZONTE, capital de Minas Gerais.
Em BELO HORIZONTE conheceu MANOEL CONSTANTINO DO NASCIMENTO, que era do RIO GRANDE DO NORTE. Então ela passou a viver com ele, engravidou, e foi passar uns dias na casa dos pais. O marido foi até Vitória da Conquista, na Bahia, procurar serviço. Depois veio buscá-la, mas deixaram o filho deles, o qual já havia sido batizado na igreja local como DIMAS. Os padrinhos foram JOÃO – irmão dela – e a sobrinha por parte da irmã MARIA que se chamava Clemência. O marido pediu que ela deixasse o filho com seus familiares, pois viria buscá-lo após conseguir um emprego e se organizar melhor, mas quando isso aconteceu, ela pediu que ele buscasse o filho, ele alegou que era melhor o menino permanecer mais algum tempo onde estava, pois em outro momento o buscaria, ou seja, DIMAS, seu filho pode estar vivo em Minas Gerais, pois o pai nunca quis buscá-lo, e deu outro rumo à história de dona Rita.
O casal foi morar em VITÓRIA DA CONQUISTA, Bahia, depois morou, de passagem, em MANGALÔ. Em MANGALÔ, duas irmãs dela (BASTIANA: casada com JOÃO “VALEIRO” e CLEMÊNCIA: casada com JOSÉ “VALEIRO”) moraram na fazenda de Vital Amorim (Valeiro é o profissional que faz valas, que servem de divisão de terra, na impossibilidade de se fazer cerca de madeira e arame). Assim que ela e o marido chegaram ao Rio Grande do Norte, no ano de 1955, instalaram-se em Parnamirim, à época, um acanhado lugarejo pertencente à Natal, onde não conhecia ninguém. Pouco tempo depois seu marido a abandonou, grávida. Hoje ela tem uma filha adulta, mas com problemas.
Perguntei à dona Rita se ela nunca pediu ajuda a alguém para localizar a sua família. Ela alegou que há mais de vinte anos conta a sua história para muita gente, e pede ajuda. Disse que uma vez bateu na porta de um vereador, outra vez de um advogado e outras pessoas, mas todos sempre dizem “espere em Deus”... “vai dar certo”... “uma hora a senhora encontra eles”. Nunca fizeram nada concreto.
Com certeza absoluta existem pessoas vivas em sua família. Quem sabe até algum irmão, pois alguns são bem mais novos do que ela, mas, independente disso, ela deve ter sobrinhos vivos. Se você, que lê isso, compartilhar ou enviar para lugares que sua criatividade lhe atentar, (inclusive se você conhecer pessoas de Minas Gerais já é um caminho), quem sabe conseguiremos dar essa felicidade a essa senhora tão solitária e saudosa de sua família. Esse mesmo texto já postei em sites de pessoas que procuram parentes desaparecidos, já enviei para diversos lugares de Minas Gerais, mas com certeza, quanto mais compartilharmos e espalharmos essa informação, mais possibilidade há de localizarmos essa família.
Em 1986, no Mato Grosso do Sul, consegui juntar familiares de uma senhora pernambucana que não via a sua família há 30 anos. A técnica que usei, naquele tempo, foi cartas escritas a todas as paróquias e cartórios mencionados nas localidade que a pessoa me informou. Também escrevi para a Prefeitura. Lembro-me que pouco tempo depois, o telefone tocou. Minha mãe atendeu. Era o padre de uma paróquia de Pernambuco. Ele havia lido a minha carta após a celebração da missa. Então uma pessoa que estava presentes se aproximou do padre e disse “eu sou o irmão dessa pessoa”. Enfim a família se reencontrou.
Como sempre digo, há tanta gente nesse mundo usando suas energias para fazer o mal, perseguir pessoas gratuitamente, ao invés de servir ao próximo, fazendo algo que dê sentido à vida. Algumas dessas pessoas falam em Deus a cada segundo. Seria bom que elas praticassem Deus. Acredito que a melhor oração é o exercício do bem despretensioso e anônimo. Há muitoas formas de praticar Deus. Se um dia encontrarmos os familiares de dona Rita, a minha felicidade será maior que a dela.Tenho muita esperança disso, mas a sua ajuda é preciosa. POR FAVOR, COMPARTILHE, DIVULGUE ONDE PUDER, POIS TODOS OS LUGARES POSSÍVEIS JÁ ENVIEI... SE ENCONTRARMOS ESSA FAMÍLIA, FAREMOS UMA GRANDE FESTA...
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OBS. Para não expor a pessoa, preferi ocultar a sua imagem e o seu endereço. O mais importante são as informações. Através de mim, se alguém tiver uma luz sobre essa história, iremos até a dona Rita. Posso enviar a fotografia pelo privado, acaso alguém tenha interesse de tomar iniciativa junto aos lugares aqui mencionados. Nesse momento de Pandemia, não terei contato com ela.

sábado, 19 de dezembro de 2020

Simplesmente inacreditável: imagem sacra de Nossa Senhora do Ó, de mais de 200 anos, quase se despedaça ao balroar uma árvore...


Este trecho de um texto, de 2014, comprova que os alertas vem sendo dado há anos.

Ontem à noite, já se aproximava das 23 horas, quando meu celular começou pipocar mensagens numa sequência quase sem fim. Percebi que eram de Nísia Floresta, pois quando chegam é possível ler as primeiras palavras. Eram frases de revolta e desespero referentes à imagem bicentenária de Nossa Senhora do Ó. Então fiquei sabendo que durante a procissão alguns fiéis católicos insistiram em mudar o curso da procissão, desviando-a para um local ermo, área de mata, que, inclusive, outros fiéis desaprovaram essa mudança não programada. Por ironia do destino, essa rua é conhecida por alguns como “rua dos crentes”, porque moram alguns evangélicos por ali. É uma rua quase sem casas, cercada de mato de ambos os lados. Enfim a procissão seguiu e, de repente, esbarrou numa grande árvore (as imagens de vídeo comprovam que não foi um galho fino). Então a procissão parou e houve um alvoroço para reorganizar a imagem e seguir a procissão. O que aumenta a perplexidade é que alguém grita no microfone "nós tivemos um pequeno problema... um pequeno acidente", ou seja, uma imagem de valor incalculável, de mais de duzentos anos se choca com uma árvore e isso é um "pequeno acidente".

É lastimável que isso tenha acontecido, pois não há como acreditar que os católicos não tenham consciência de que a imagem de Nossa Senhora do Ó tem mais de duzentos anos, e não pode mais mais ser retirada do nicho para tais eventos. É uma peça única e já era para ter substituída há décadas por uma réplica a ser usada em procissões. Em últimos casos, usarem a imagem de “Nossa Senhora do Ó Pequena”, como chamam os nativos, referindo-se à imagem original, mais antiga que essa, mas por ser bem menor, os riscos são incomparáveis.

 

 

 

Falta de reflexões não é. Já expus esse assunto aqui desde 2014, ou seja, há quase sete anos. Inegavelmente é um momento de emoção, um momento “diferente”, afinal se trata do dia da padroeira Nossa Senhora do ò, portanto existe uma programação festiva. Os fiéis precisam e devem comemorar. Mas minha reflexão não tem caráter religioso. Não estou criticando a fé nem aspectos de fé ou religiosidade. Respeito profundamente a fé e a religiosidade de quem quer que seja, mas o assunto aqui é PATRIMÔNIO HISTÓRICO, é HISTÓRIA. Minha preocupação é com uma peça de mais de duzentos anos de idade, rara no Brasil e que jamais deveria sair de seu nicho, a não ser em situações de restauração ou limpeza, mas muito bem paramentada no aspecto da equipe de manuseio.

 

Nesta postagem, de 2016, também foi tratado sobre os riscos que a imagem vem sofrendo. É só dar busca na lupa, acima que será possível ler o texto completo.

 

Dentre os vídeos, me mandaram outro que mostra a imagem chegando à Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó e sendo devolvida em seu nicho original. As imagens chocam. Dois homens retiram a imagem do andor e a carregam até o altar-mor. São duas pessoas de bem, que ali prestam apoio, estão fazendo um favor para os demais, e exercem a sua própria fé. Nada contra eles, mas tudo contra a ausência de uma organização mais cuidadosa acerca do procedimento correto com a imagem de mais de duzentos anos. É possível perceber as expressões da força descomunal que eles fazem para segurar a imagem de madeira maciça, cujo peso exige mais homens, ou melhor, uma estrutura diferente para conduzi-la ao altar. É uma peça de peso considerável, Tanto é que a cena também choca pelos modos como a imagem pende para um lado e outro, perdendo a contrição, parecendo mais outra coisa. Perde-se os ares solenes, que deveriam estar imputados àquele momento, dando lugar a uma tensão. Nota-se uma excitação nas pessoas, ao invés de extrema serenidade e condução lenta da peça. Há um temor. Mas essa espécie de pressa é explicada por seu peso descomunal. A ideia de quem transporta é que ela chegue o mais rápido possível ao nicho, pois o peso é insustentável. A força humana de apenas dois homens é insuficiente, podendo causar um acidente. Isso é público e notório.

Quando se observa a forma de como a imagem é colocada sobre a base do nicho, no altar-mor, dá um frio na barriga, pois é algo que exige mil mãos de pronto, disponíveis para aparar possível queda, enfim o assunto parece complexo se não fosse tratado com a devida sensatez e prudência pelo povo de Nísia Floresta. Nada mais. Essa imagem é do Brasil, mas em primeiro lugar pertence aos nativos. A eles cabe a salvaguarda. Se essa imagem virasse cacos por meio de um terremoto, seria compreensível - seria a natureza cumprindo sua sina -, mas sofrer um acidente por imprudência dos próprios nativos -, quando eles próprios provocam esse terremoto, é a insensatez cumprindo a sua estupidez.

Ontem, ao ser informado desse fato, fiquei sem acreditar, portanto hoje estou registrando o episódio em meu arquivo pessoal e também nesse blog, afinal até isso é História. Isso precisa ficar registrado para que amanhã apareça alguém que entenda tudo isso e faça e dê uma orientação coerente. Sei que muitos dos que me procuram o fazem com receio de não se oporem aos próprios colegas católicos, mas onde ficam aqueles que trabalham com História? Onde ficam aqueles que abominam tudo isso - ficam em desespero -, MAS FICAM EM SILÊNCIO.

 

O assunto também é tratado nos títulos acima.

 

Embora todos sabem - gostando de mim ou não -, e isso pouco me importa -, minha atitude traduz a salvaguarda do patrimônio histórico, seja a história escrita, seja a história traduzida em arquiteturas ou em sua composição pictórica e de acervos físicos. Isso jamais deixarei de defender e esclarecer àqueles que se escondem nos submundos da ignorância, seja por empáfia, propositalmente ou qual doença for. Privar de esclarecer e conscientizar, jamais. Não é à toa que minha própria página no Facebook, que deveria ter uma função pessoal, tem mais uma finalidade pública, de educar as pessoas sobre História, Memória e outros temas sociais. 

Se eu fosse uma pessoa egoísta - como muitos -, não divulgaria pesquisas que faço há muito tempo, feitas com muito esforço e suor. Mas o faço com o prazer de partilhar o conhecimento, até mesmo servindo aqueles que, inclusive, se beneficiam dos meus estudos, e tem o desplante de me criticar (como me chegam as notícias e áudios). Nada disso me importa mais que a generosidade intelectual que meu pai me ensinou. Digo isso porque tenho autoridade e legitimidade para dizê-lo. Há 28 anos empreendo esse trabalho. Não é uma atitude aleatória e recente. Portanto a reflexão de hoje faz parte de um contexto.

Finalizando, uso a desgastada frase “eu avisei!” A prova está nas postagens feitas aqui neste mesmo blog, e nos prints dos textos nos quais falo exatamente nos riscos que a imagem poderia sofrer. E UM JÁ ACONTECEU. Foi profecia? Não. Foi o óbvio! Até um cego vê. Só espero que a comunidade católica de Nísia Floresta, as autoridades, as pessoas ligadas à História, revejam tudo isso, reconheçam o grave erro e tomem as providências necessárias. Ontem, por pouco, a imagem se estatelou no chão - sem necessidade alguma -, pois o seu lugar é dentro da igreja. Quando essa imagem virar cacos, será tarde! A propósito, deixo mais duas perguntas: 

 

1) Onde estão os vereadores nisiaflorestenses, preocupados com o Patrimônio Histórico e com a Memória? 

 

2) Onde está a equipe de Patrimônio da Arquidiocese de Natal?

 

A Pandemia freou uma ação em andamento, referentes às denúncias que fiz ao Conselho estadual de Cultura no início do ano, mas é só as coisas melhorarem, as providências serão encetadas, conforme despachos que já foram dados por respeitáveis instituições. Para o presente momento, estou enviando todas essas informações, INCLUSIVE OS VÍDEOS QUE REVELAM MAIS QUE ESTE TEXTO ao Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, na pessoa de seu presidente, Dr. Ormuz Barbalho Simonetti, que abraçou essa causa com muito respeito, ao presidente da Fundação José Augusto, Dr. Crispiniano Neto, que está revoltado com tudo isso, e ao Dr. Iaperi Araújo, Presidente da Comissão estadual de Cultura, e outros órgãos.

O que se quer é apenas o correto. Nada mais! E é bom reesclarecer não ajo isoladamente, mas ao lado de toda pessoa que tem o poder de entender o contexto dessa história que envergonha qualquer país civilizado.

 

sábado, 12 de dezembro de 2020

Memória do Rio Grande do Norte - 1962 - Berço da Campanha da Campanha da Fraternidade no Brasil - Pioneirismo Feminino das Missionárias de Jesus Crucificado - Herança do "Movimento de Natal"

 

Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado, pioneiras a chegarem em Nísia Floresta, onde floresceu a primeira Campanha da Fraternidade do Brasil - Elas estão defronte a uma casa centenária, denominada até hoje de "Casa das Freiras", a qual estava em ruínas e foi totalmente restaurada por iniciativa e acompanhamento rigoroso do padre João Batista Chaves da Rocha.

Memória do Rio Grande do Norte – Nísia Floresta - 1963 - Berço da Campanha da Campanha da Fraternidade no Brasil - Pioneirismo Feminino das Missionárias de Jesus Crucificado - Herança do "Movimento de Natal". 

Essa primeira fotografia, icônica, alegre e cheia de espontaneidade, datada de 1963, passaria despercebida se não consistisse num marco sem precedentes na História do Rio Grande do Norte, em especial, ao bucólico município de Nísia Floresta. É o flagrante de um capítulo inédito, marcado por pioneirismos protagonizados pela Igreja Católica há mais de meio século – inclusive no âmbito do feminismo -, mas cuja história ainda é desconhecida por muitos brasileiros.

 

As "Irmãs Vigárias" chegaram à Papari em 1963 para proporcionar aos nisiaflorestenses duas das experiências mais belas já ocorridas no Brasil: 1) foi a primeira paróquia sem padre confiada a religiosas. Trabalho inédito no mundo, e que foi denominado de vigárias de paróquia sem padre, e que se tornariam conhecidas com as “Irmãs Vigárias”; 2) essas mulheres foram pioneiras, vergônteas da Campanha da Fraternidade no Brasil no ano de 1964. A sombra desta mangueira frondosa vista na fotografia – que existe até hoje -, testemunhou um projeto que está vivo em todo o Brasil, e é marcante principalmente nas memórias de inúmeros nisiaflorestenses, hoje idosos, que narram a experiência com grande emoção.

 

Esse flagrante é apenas o tijolo de uma obra monumental. Na verdade, não dá para contar a história das Irmãs Vigárias, nem do surgimento da Campanha da Fraternidade sem destrinçar uma história que veio bem antes. Tentarei resumir até chegar ao assunto principal.

 

A ideia germinou nas mentes de renomados sacerdotes católicos, dentre eles Dom Eugênio Sales, inspirado numa experiência um pouco semelhante, vista na Alemanha, onde estudou por um curto período, de onde trouxe todo o material da estrutura da “Misereor”.

D. Eugênio Sales conversando com o escritor Antonio Pontes


No bojo do impressionante projeto florescido em solo potiguar, chamado "Movimento de Natal", e surgido muito antes - com pedra fundamental lançada em 1948 -, floresceram paulatinamente inovações pioneiras em diversas áreas, e seriam responsáveis por avanços que impactariam fortemente a vida dos potiguares - independente de serem católicos ou não. E tudo isso inspiraria projetos nas dioceses de todo o pais, tendo em vista que a Igreja Católica trabalhava essas inovações simultaneamente.

 

Muitas figuras de grande destaque da Igreja católica nem eram padres ainda quando participaram ao lado de religiosos recém formados. No caso dos então já sacerdotes, se destacam monumentos humanos em extinção, como Eugênio Sales, Expedito Sobral de Medeiros (futuro apóstolo das águas), Nivaldo Monte, Alair Vilar e outros padres de grande ilustração.

 

Determinadas inovações adquiriram repercussão nacional, como por exemplo, as "Irmãs Vigárias", as quais assumiam as paróquias que não tinham padres. Desse modo elas exerciam o mesmo papel dos sacerdotes. Outra iniciativa foi as Escolas Radiofônicas que impulsionaram as Comunidades Eclesiais de Base. Na vasta programação da emissora de rádio, incluia-se aulas ginasiais para formação de adolescentes e jovens.

 

O Movimento de Natal, na realidade, era muito amplo e abrangia diversos segmentos da sociedade, como também a organização dos trabalhadores em sindicatos rurais, a primeira Federação dos Trabalhadores Rurais do Rio Grande do Norte, jornais impressos que eram aguardados pelo povo como ouro devido à riqueza de conteúdos. Esse trabalho não nasceu do nada, afinal “ex nihilo nihil fit'', ou seja, nada vem do nada. É fruto de uma organização e vários cérebros, e no bojo disso tudo não há como não voltarmos no tempo e nos reportarmos ao padre João Maria, um visionário. Homem de vasta cultura que, em pleno final do século XIX e início do século XX, realizou obras adiante do tempo, ignoradas por muitos, e me faz entender que, mesmo sem relação alguma com o escopo do Movimento de Natal e da Campanha da Fraternidade, sua face está nessas obras.

 

Naquele tempo (1948) os religiosos potiguares se reuniam com muito mais frequência, desde o bispo aos seminaristas, havia reuniões frequentes para pensar e deliberar sobre os problemas da igreja, as problemáticas sociais e como trabalhá-las. Os seminaristas viviam nos arrabaldes de Natal – e como fazia o padre João Maria –, eram presenças vivas nas favelas. Calçando chinelas tipo Havaianas, esses jovens que pretendiam ser padres, viviam pisando em ‘cocô’ de menino, atolando o pé na lama, saltando pinguelas, tomando água de pote em lata de conserva, preocupados unicamente em ensinar o evangelho, dentre outros ensinamentos que engrandeciam os excluídos enquanto pessoas humanas.

 

Naquele tempo os seminaristas não eram adotados por madames, não se enclausuravam em prédios, entretidos com notebooks, iphones de última geração, perfumes caros, roupas caras. Eles aprendiam a ser padres no meio da pobreza, conhecendo de perto as doenças sociais e espirituais, qualificando-se para depois “curá-las”. Os seminaristas eram meio a la São Francisco de Assis ou até mesmo a la padre João Maria. Se hoje o “voto de pobreza” se resumiu a uma simples frase - salvas as raras exceções - naquele tempo era literalmente o que denominam de chamado/missão.

 

Outra catapulta preciosíssima desse projeto foi o surgimento do Serviço de Assistência Rural, que estruturava todas as atividades do Movimento de Natal e, com ele, politizava o homem do campo, o pequeno produtor, enfim dava visibilidade ao meio rural, cujo o Sr “Zé Ninguém” também aprendia política e como ser um pequeno produtor sem necessariamente depender apenas do patrão. 

 

Crianças defronte à Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, no dia da Primeira Comunhão, tendo as Missionárias de Jesus Crucificado adiante das celebrações.

É audacioso resumir a significação dessa ideia tão feliz, pois, como já escrevi, é ampla demais, envolvia conscientização de classes, criação de centros sociais, clubes, cursos nas mais diversas áreas, treinamentos de lideranças, educação sistematizada, cooperativas, sindicatos rurais, valorização do artesão, colonização, consciência política e muito mais. Inspirava as pessoas a serem seres sociais, envolvidos, peocupados com suas vilas, suas cidades. A igreja católica provocou um terremoto sem precedentes, e que no futuro inspiraria até os evangélicos e instituições diversas do estado.

 

Ao longo da vida, li todas as obras escritas sobre o padre João Maria (inclusive escrevi praticamente um livro ‘não publicado sobre ele’: está no meu blogue), portanto percebo que mesmo que talvez muitos nem pensem assim - ou pensem - sei lá! enxergo no projeto Movimento de Natal a imagem do Padre João Maria. Muitas pessoas estão habituadas a visualizar apenas o aspecto ‘santo’ do padre João Maria, e nessa ideia de um “sacerdote bonzinho e santo”, desconhecem a dimensão gigantesca do homem político, do homem visionário, preocupado com aspectos sociais, educacionais, sanitários etc.

 

Padre João Maria não foi apenas aquele homem bonzinho e caridoso, que dormia no chão da sacristia da Igreja Velha, que doava a própria comida para quem passasse pedindo. Ele deu testemunho abnegado na tentativa de tornar cada potiguar um ser humano pleno, politizado, são de corpo e mente. Além de verdadeiro São Lázaro, foi um político em extinção (e isso não o diminui – por aparentemente deixá-lo mais parecido com os homens comuns -, pelo contrário aumenta a sua grandeza de homem e de sacerdote). Se vivo, hoje, diante da atual realidade, não sei o que ele seria capaz.

 

Comunidade nisiaflorestense acompanhando as Missionárias de Jesus Crucificado no Primeiro Gesto Concreto da Campanha da Fraternidade, runo ao distrito de Timbó, em Nísia Floresta.

Pois bem, o Movimento de Natal, apesar de ter o seu aspecto religioso - afinal era uma ação nascida na Igreja Católica -, sua dimensão social dilui praticamente o caráter religioso, quando se olha para a sua iniciativa de promover cidadania plena e civilidade para todos. Ela visava o comunitário, independente de religiosidades ou da falta delas. Seu objetivo era construir homens e mulheres com saúde física e mental, e bem educados. Tudo o que os políticos atuais não querem proporcionar ao povo. E tudo isso encontrou amparo nos documentos do Concílio Vaticano II, que enquanto para alguns religiosos - daquele tempo e até mesmo atuais - salvas as devidas exceções -, foi um passo deplorável da Igreja Católica, para outros foi uma escada para o Céu. Se bem que o Céu começa aqui.

 

É interessante ressaltar que o Movimento de Natal e as atividades inspiradas nele se deram ao longo de três décadas, cuja pedra fundamental se deu no final da década de 1940, adentrando no início dos anos 70. Inclusive muitas iniciativas inspiraram a CNBB a levá-las para outras regiões brasileiras. Alguns estados eram tão carentes daquelas iniciativas que o projeto de Natal tornou-se inspiração para eles. Outros lugares o receberam, mas Nísia Floresta foi pioneira em dois grandes marcos.

 

A partir de 1945 o projeto deu origem às escolas de Serviço Social. Alguns bairros de Natal viviam em situação precária. Desse modo a Igreja Católica passou a montar ali políticas públicas e iniciativas mais intensas de evangelização, inclusive em presídios, local de apoio e assistência às mães solteiras, cursos técnicos de administração, criação de escolas-ambulatórios, centros sociais que eram polos de reuniões, surgimento de maternidades em alguns municípios, cursos e todo tipo de atividades cidadãs, cooperativas, inclusive o Patronato de Ponta Negra que era uma verdadeira universidade que fluía o que de melhor se podia no sentido de melhorar a qualidade de vida do homem urbano e rural. O escambau! Observem que algumas políticas governamentais se inspiraram nessas práticas criadas pela Igreja Católica. Isso é fato.

 

Surgiu a Casa do Bom Pastor, atuante até hoje, com um serviço imensurável do padre belga Thiago Theisen (falecido recentemente; lembrando que por pouco ele faria parte do grupo de sacerdotes pioneiros acima mencionado, tendo em vista que chegou a Natal pouco tempo depois, em 1968). Lembrando que ele é o criador daquele artesanato marcante, feito de palha de coqueiro, no distrito do Timbó, em Nísia Floresta. Isso, ouvi num depoimento que ele me deu em 2014, na casa paroquial do Bom Pastor.

 

Muitas iniciativas decorrentes do Movimento de Natal firmaram compromisso com o poder público. É o caso do Departamento Nacional de Obras e Saneamento, que no ano de 1957 deu toda a assistência para que funcionasse em Pium, em Nísia Floresta, a sua primeira experiência de colonização daquele vale totalmente inabitado e que recebeu uma colônia de agricultores vinda do Japão. Observem como Nísia Floresta foi palco de ações excepcionais.

 

Os japoneses se instalaram ali para trabalhar com a agricultura, especialidade que dominavam com maestria. Depois vieram famílias potiguares de diversas localidades. O Vale do Pium tornou-se referência em agricultura familiar, fornecendo hortifrutigrangeiros para todos os municípios vizinhos. Em 1992, entrevistei uma porção de idosos dali. Eles contaram, emocionados, que semanalmente saiam frotas de caminhões carregados hortifrutigranjeiros de Nísia Floresta (iiso também está no meu blogue).

 

No bairro das Quintas, em Natal, surgiu um serviço de atendimento ao menor delinquente, proporcionando-lhe alfabetização e iniciação profissional. No final da década de 1950 criaram a famosa Emissora de Educação Rural e depois as Escolas Radiofônicas. O Movimento de Natal – esse colosso de Rodes -, desencadeou muitas reuniões, simpósios, conferências, seminários pelo Nordeste e em algumas partes do Brasil. Foi um período de grande entusiasmo. O projeto era um farol.

 

Em 1961, a Presidência da República e a CNBB em parceria criaram o Movimento de Educação de Base, cujo trabalho foi estendido para diversas regiões do Brasil. Depois surgiu o Setor de Migrações, o qual dava assistência para distribuir os migrantes fugidos da seca. 

 

O sindicalismo no Rio Grande do Norte perpassou pelo Movimento de Natal. Em 1947 (observem o ano!), Dom Eugênio Sales fez uma histórica e impactante pregação sobre a “Reforma Agrária”, tema polêmico, que fez com que alguns poderosos se distanciassem temporariamente da igreja, preocupados com os seus latifúndios.

 

Em 1963 ocorreu a primeira grande campanha para coleta em favor das obras sociais e apostólicas das três dioceses existentes no Rio Grande do Norte. Essa ação concreta seria chamada de “Campanha da Fraternidade”, e teve o seu primeiro gesto concreto justamente em Nísia Floresta, sob a responsabilidade das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado, e esse acontecimento evidencia fortemente uma das faces do feminismo no Brasil. Essa data foi marcante para o município de Nísia Floresta, e para o feminismo potiguar. Já imaginou num universo cem por cento masculino surgir as “irmãs vigárias”, freiras que administravam paróquias. Vejam que inovação! O projeto se estenderia também aos municípios de Taipu e São Gonçalo do Amarante, mas Nísia Floresta foi pioneira nessa mudança. 

 

Importante destacar que no bojo das inúmeras ações do Movimento de Natal, surgiu o Setor de Politização com a função de promover Educação Política nas populações rurais, visando combater o “voto de cabresto", os “currais eleitorais”, “o “voto de carbono” e a exploração de políticos que fazem a “indústria da seca”, combatendo os chamados “currais” eleitorais. A igreja, a meu ver, se aproximou muito de Jesus NESSA ÉPOCA, e quase o tocou. O Evangelho buscava a essência cristã, e para isso também precisava ser construído com os fiéis o conhecimento sobre política, afinal quem condenou Jesus? Creio que Jesus foi o maior político que já pisou na Terra.


Pois bem, o dito Movimento de Natal não parou em 1963. Ele permaneceu vivo e atuante até o início de 1970, inovando, criando escolas, pastorais diversas, inclusive de saúde e da criança (lembrando que o Padre João Maria fazia praticamente isso 100 anos antes - vejam como ele não era apenas o santo!). Depois vieram parcerias com o MEC e surgiu a Rádio-TV Educativa permitindo a adolescentes e adultos cursarem através de aulas radiofônicas o ensino ginasial.

 

Acredito que o Movimento de Natal foi a experiência pastoral mais importante na história da Igreja Católica do estado, pela substancialidade, inovação e referências. Foi uma ação visionária que hoje, se imitada por políticos, colocariam o Brasil nos trilhos. É certo que, para aquele momento, tudo consistiu em novidade. Eram tempos de maiores precariedades, mas esse ‘insight’ da Igreja Católica realmente foi impressionante e providencial.

 

Os atores religiosos e leigos daquele tempo atacaram problemas sérios com uma mentalidade visionária. Tudo o que foi feito era exatamente o que se necessitava. Era um remédio curando feridas sociais abertas e que sangravam há muito tempo (e que os políticos não estavam nem aí, salvas raríssimas exceções).

 

O projeto foi tão importante que se fez notícia em vários países, cujo provincial Rio Grande do Norte nem parecia um lugar pacato e parado no tempo. E isso - a meu ver - diga-se de passagem -, é importante porque comprova o valor da sabedoria humana (tão escassa atualmente, inclusive dentro das próprias igrejas católica e evangélicas, sejam de que outra doutrina for -, salvas as raras exceções). O próprio nome “Movimento de Natal” foi inspirado numa notícia internacional que assim denominou o fenômeno que acontecia em Natal. 

 

Foi no acanhado e bucólico povoado de Timbó, distrito de Nísia Floresta, que, no ano de 1963, aconteceu o primeiro gesto concreto da Campanha da Fraternidade, coordenado pelas Irmãs Missionárias da Congregação de Jesus Crucificado. A comunidade, em peso, percorreu todos os bairros e lugarejos, arrecadando prendas e outras doações que seriam destinadas a quem realmente tinha fome. Como isso faz falta hoje! 

 

Não há nisiaflorestense - testemunha daquele tempo - que não fale dessa experiência com amor e saudade. Alguns choram! É impressionante! As irmãs fizeram a diferença porque tinham comprometimento com os pobres. Não eram religiosas preocupadas com coisas supérfluas, nem viviam atreladas aos poderosos nem aos políticos.

 

Junto aos nisiaflorestenses, essas freiras comiam “voador” (tipo de peixe seco) com macaxeira, batata-doce com arenque, camarão com fruta-pão (o crustáceo existia em abundância à época), enfim se integravam aos pobres, aos oprimidos e com quem encontrassem na velha Nísia Floresta. Sem teatro! com verdade pura e simples. Preocupadas em exorcizar os demônios da miséria, da falta de amor e do desconhecimento do Evangelho.

 

As “Missionárias de Jesus Crucificado'', integram uma ordem religiosa criada em Campinas, São Paulo, em 1929, por Dom Carlos Barreto. Elas não eram simples por teatralidade. Eram simples porque praticavam Jesus. Não eram atrizes que se sentam com os que comem feijão verde com farinha, mas preferem a casa onde bebem vinho do Porto. Suas vidas até hoje se pautam nesse comportamento.

 

O trabalho das Irmãs Vigárias foi autorizado pelo Vaticano, tendo em vista que antes disso, as freiras apenas evangelizavam o povo fora da Igreja Matriz. Dentro da igreja elas apenas auxiliavam acanhadamente os sacerdotes nas poucas vezes que era possível a presença de um. Mas não pensem que o aparecimento das Irmãs Vigárias se deu de forma natural. Em História Oral (1992), alguns nisiaflorestenses católicos – idosos –, me contaram que alguns nativos, embora acolheram bem as Irmãs Vigárias, participavam eventualmente de missas em São José de Mipibu, certamente desconfortáveis com presença da mulher no altar. A ideia do vicariato na mulher sofria resistência de alguns.

 

Certamente era estranho, como seria hoje assistirmos uma missa em Latim. Na realidade era preconceito puro. Mas o tempo se encarregou de lapidar as mentalidades. Logo as Irmãs Vigárias se tornaram respeitadíssimas pelo extraordinário trabalho que fizeram.

 

Analisando bem, embora nem fosse uma intenção - mas uma consequência - não se pode negar que houve ali um empoderamento feminino que se casava bem com o que a intelectual Nísia Floresta apregoou mais de 100 anos antes. (Vale lembrar que Nísia, apesar de ser católica, criticava as freiras que se enclausuram, pois no entendimento dela, as religiosas deveriam estar em ação nas ruas, como verdadeiras Irmãs Dulce dos Pobres, e não trancafiadas). Nísia Floresta reivindicava que as mulheres tivessem os mesmos direitos legalmente dados aos homens, inclusive o direito à Educação e a qualquer profissão, inclusive governar o país e comandar exércitos. Dá para imaginar o que isso deve ter causado naquela época (1832). Embora ela não se referisse à mulher no papel praticamente de um padre – até porque o sacerdócio não é uma profissão – suas palavras se coadunam com o surgimento das Irmãs Vigárias.

 

Ao longo de minha convivência com os nisiaflorestenses, observei a nostalgia e a saudade quando tratavam o assunto. As Irmãs deixaram lembranças marcantes. Elas tinham um Jeep antigo e viviam nos povoados, muitas vezes transportavam nativos de um lugar para o outro. Por onde passavam recebiam os frutos da terra. A “Casa das Freiras”, ou “Casa das Irmãs Vigárias”, como até hoje é chamada (onde foi feita essa fotografia) era palco de momentos felizes, onde as crianças e jovens sempre tinham um ponto de apoio em diversos sentidos. Era lugar de socialização, aprendizado, acolhimento e oração. Há unanimidade nos depoimentos dos idosos.

 

As Irmãs Vigárias que estiveram em Nísia Floresta eram muito animadas e davam vida aos eventos religiosos, inclusive as Festas da Padroeira. Gostavam de Folclore e incentivavam a Cultura Popular. Muitas senhoras e senhores nisiaflorestenses - atualmente com idades entre 65 adiante -, contam suas experiências com elas, sempre com peculiaridades interessantes, inclusive vários fatos pitorescos, como contou-me a senhora Maria do Carmo, esposa do Sr. Bambão. Certa vez, elas precisaram trazer uma leitoa de Alcaçuz, doada por uma senhora católica que não aceitou um não como resposta, dentre inúmeras histórias curiosas,  marcadas por nostalgia. E não podia ser diferente, afinal, num lugar tão bucólico, elas roubaram a cena e marcaram a vida de muitos.

 

Fica essa lembrança histórica, cuja essência deve estar viva em todos aqueles que são chamados para essa missão. E de igual modo para todos, pois elas foram exemplos de mulheres que se comprometeram a viver o Evangelho plenamente, bem como o amor pelo ser humano. Que pena que isso não seja tão comum aos dias atuais, marcados por interesses diferentes daquele tempo. L.C.F.  12.12.2020.