ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio, sem a devida concordância. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto breves trechos isolados, desde que mencionada a fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

segunda-feira, 26 de fevereiro de 2024

Alzira Soriano, a primeira eleitora do Brasil votou há 96 anos - Rio Grande do Norte, berço de acontecimentos pioneiros...


O fato ocorreu no dia 5 de abril de 1928 em Mossoró, Rio Grande do Norte. Nessa data, votou a professora Celina Guimarães Viana. Um ano antes, em 25 de outubro de 1927, entrou em vigor uma nova legislação no Rio Grande do Norte para regular o serviço eleitoral. As novas normas estabeleciam o fim da "distinção de sexo". E, desse modo, no mês seguinte, Celina Viana, que vivia na cidade de Mossoró, deu entrada em seu pedido de alistamento eleitoral, concretizando o voto em 1928. FOI A PRIMEIRA ELEITORA DO BRASIL.

Numa coincidência impressionante, no Rio Grande do Norte, no mesmo ano de 1928 Alzira Soriano de Souza FOI ELEITA A PRIMEIRA PREFEITA DO BRASIL. Mas nenhuma quebra de tradição acontece como mágica. Há uma história muito antes, iniciada pela norte-rio-grandense, Nísia Floresta Brasileira Augusta (1810-1885), intelectual notável, PRIMEIRA FEMINISTA DA AMÉRICA LATINA, PRIMEIRA MULHER ABOLICIONISTA DO BRASIL, PRIMEIRA INDIANISTA, PRIMEIRA INDIGENISTA, PRIMEIRA REPUBLICANA, PRIMEIRA MULHER A REIVINDICAR QUE AS MULHERES TIVESSEM DIREITO À EDUCAÇÃO, VOTO E ASSUMIR QUALQUER CARGO PÚBLICO.



Juvenal Lamartine (deputado federal no período de 1906 a 1926 e senador entre 1927 a 1928, e governador no período de1928 a 1930) teve a sorte de ter nascido no mesmo chão em que nasceu Nísia Floresta. Tendo lido sobre a sua conterrânea ilustre, tornou-se um intelectual sensível à causa feminista. E quando a feminista e bióloga Berta Lutz o visitou no Rio Grande do Norte em 1926, reforçando conversas que haviam tido ainda no Rio de Janeiro, capital do Brasil àquela época, onde ele exercia o mandato federal, firmaram a ideia da apresentação de uma candidatura feminina nas eleições municipais daquele ano. 


Eis que nesses conformes aconteceram dois atos pioneiros no Brasil: foi eleita a primeira prefeita e oficializou-se a primeira mulher eleitora. As coincidências não param. Em 1935 Maria do Céu Pereira Fernandes foi eleita PRIMEIRADEPUTADA ESTADUAL DO BRASIL. Era esposa de Aristófanes Fernandes. 



 

O Rio Grande do Norte tem pioneirismo em diversas áreas, por exemplo, há 84 anos a natalense Lucy Garcia pilotava aviões, inclusive, em 1942, ela obteve o seu brevet. Nesse mesmo ano de 1942, ela fez voos rasantes sobre Natal, deixando a população perplexa simplesmente pelo fato de a piloto ser uma mulher. Assim surgiu a PRIMEIRA PILOTA DE AVIÃO DO RIO GRANDE DO NORTE.


Natal e Parnamirim tiveram uma relação muito precoce com a aviação, como sabemos. A aviação ainda voava de fraldas quando, em 1937, há 87 anos, uma aviadora norte-americana – também pioneira - Amelia Earhart, decolou em Natal, causando perplexidade na multidão que não imaginava que dentro daquela máquina “extra-terrestre”, barulhenta, sairia uma pilota.


Amelia Earhart, fonte: https://www.aopa.org/news-and-media/all-news/2021/march/03/aspects-of-amelia-earhart-that-might-surprise-you, pesquisa em 25.02.2024

Com certeza desde muito jovem Lucy, sabendo daqueles voos - inclusive da estadia de Amelia Earhart em Natal -, sentiu-se inspirada a ser uma aviadora. É daqui do Rio Grande do Norte também um dos primeiros times de futebol feminino do Brasil. Em 1920, há 124 anos, o futebol masculino ainda se firmava quando, em Natal, já existiam times de futebol de mulheres. Justamente em 1920, quando as mulheres potiguares já jogavam bola, ocorreu um jogo entre o "Team" feminino do ABC e o Centro Esportivo Natalense, realizado no sítio Senegal, residência do Coronel Joaquim Manoel Teixeira de Moura - Quincas Moura, atual 16º Batalhão de Infantaria Motorizada, no Tirol. Esse episódio foi notícia em revistas em todo o Brasil



Na fotografia, entre outros, João Café Filho, Galdino Lima e Quincas Moura. Entre as mulheres estão: Jandira Café, Nanita Maranhão, Dulce Moura, Aline Moreira Brandão, Maria de Lourdes de Moura Brito, Mabel e Isaura Tavares, Maria Antonieta Chaves, Alice Tavares de Lyra, Maria Amélia Medeiros, Cândida Palma, Belezita Moura, entre outras.

É assim a vida...  aquilo que vemos, hoje, ou que ouvimos, ou que lemos, pode ser o estalo que faltava, podendo despertar um grande feito. L.C.F – IHGRN – 3.9.2020.


sexta-feira, 23 de fevereiro de 2024

Poema - O menino que viajava de sonho


 
Havia um menino todo abotoado em sonhos naquela cidade.
De tão desperdiçado de realidades, pregou nele ideias de sonhar.
Garantia que o mundo se consertava com ferramentas do bem.
Um dia saltaram que ele exercia a cabeça de vento,
Isso porque o menino ventava histórias que emanavam fantasias.
Mas os seus sonhos de fato ganhavam mundo.
Ele praticava realidade no que pensavam ser o absurdo,
Proclamava que a verdade dos sonhos é diferente.
De tão responsável a esses oníricos, ele os envivava.
 Tinha tantos modos de sonhar que divagou um pássaro de água.
Era uma ave escura como o rio Paraguai.
Quando planava, suas asas respingavam, formando rios.
E os bichos bebiam dele,
Houve até um aumento de floresta.
O menino anunciava que não estava no mundo, mas o mundo estava nos seus sonhos,
Para ele, o sentido de ser feliz só se praticava no sonhar.
Havia nele um forte comprometimento com viagens.
A realidade precisava ser marchetada nesses devaneios...
E exercitando esse engenho tão convincente, ele apurava a felicidade.
Reforçaram à mãe do menino que ele desregulava o mundo,
A mãe, muito mais competente à imaginação, não concebia tais sentenças.
Desligou, foi o que fez.
A poesia estava tão praticada nela, que não desaparecia os sonhos do filho.
O menino estava viajado nessa herança materna.
Ambos exerciam fantasias para se enriquecerem de felicidade,
Era genético que jamais ela praticaria o mundo sentenciado normal.
Era tão visível essa consonância dos dois, que aquilo restava na lata.
Só não via quem desvia.
Então o menino desapareceu a fazer sonhos por onde andasse.
Dizem que os seus sonhos estão a tal ponto espalhados em poesia que até hoje são encontrados.
Quem os acha, arranja-se em felicidade...
Esses sonhos só se realizam em quem tem mães que dão aos filhos asas de águas...
Que os deixam livres, construindo os rios que quiserem…

 

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A visita da irmã Dulce e do padre Antonio Maria a Nísia Floresta...

     

        História é terreno interessante. Nem sempre quem testemunha, registra os fatos em fotografias ou textos. Então recorre-se à História Oral. Nem sempre encontramos as velhas testemunhas que nos contam como foi. Muitas vezes o tempo dista tanto que, quando se quer saber como foi, não há mais quem nos conte. Às vezes as poucas testemunhas vivas, lembram de fragmentos. E há os que ouviram dos pais ou avós, e contam de maneira mais diluída.         

     Esta história aconteceu no município de Nísia Floresta e está guardada nas memórias de poucas testemunhas. Ela não foi escrita nos conformes de como ora escrevo. Com certeza está no Diário da Paróquia de Nossa Senhora do Ó e nos registros pessoais do sacerdote da época. É uma singularidade, pois poucos sabem que os ares nisiaflorestenses testemunharam.  

Era março do ano de 1992, portanto se passaram 32 anos. Tudo começou quando o padre João Batista Chaves da Rocha, administrador da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, em Nísia Floresta, RN, convidou o padre paulista, Antonio Maria, para visitar a sua paróquia e desfrutar uns dias junto aos fiéis. Padre Antonio Maria é nacionalmente conhecido, inclusive por sua missão junto à Mãe Peregrina e suas lindas canções autorais.


            Nesse tempo eu já conhecia o padre João Batista, tendo em vista que pesquisava o Folclore local, e observei que ele valorizava e enaltecia a Cultura Popular do município. Numa ocasião, ele convidou-me para estar presente na casa de praia do senhor Rubens Barros, um empresário nativo de Nísia Floresta, dono da empresa de transporte Barros. Essa casa, fincada em Camurupim, foi emprestada para bem acolher o sacerdote visitante.

Na hora da saída, outros nativos se dividiam nos carros, de maneira que fui na camioneta do padre Antonio Maria. Era um veículo grande, de um vermelho desgastado e opaco, tinha tração nas quatro rodas. A rodovia que ligava a cidade à praia de Camurupim era de terra batida. Havia chovido muito naquela semana e no momento da saída, chovia torrencialmente.

O percurso foi tenso. O barro fazia a camioneta derrapar e rodar algumas vezes, mas entre um trecho e outro de arisco e pedregulhos o veículo rodava melhor. A chuva não parava. A “viagem” tomou mais tempo que o normal, e nessa luta todos chegaram, sãos e salvos. Por incrível que pareça, o tempo limpou e não choveu mais.

Àquela ocasião a senhora Maria Trindade, Neto e Luís Carlos (um xará) exerciam funções na paróquia, de maneira que estavam bastante engajados naquele evento, como também a senhora Joanita, governanta da casa paroquial, irmã da Lorica. Algumas pessoas da cidade também se deslocaram à casa de praia, como a professora Ana Maria Barros de Carvalho, seu esposo Joel Paulino e sua filha Simone Barros. Inclusive os conheci nessa passagem.

A casa seria uma espécie de recanto de veraneio do padre Antonio Maria. Acostumado à poluição e às paisagens de concreto de São Paulo, ele deve ter adorado. Àquela época essa casa ficava numa duna alta, de onde se olhava o mar e o horizonte que se perdia no olhar. Uma espécie de mirante com visão privilegiada do movimento dos banhistas. Tudo isso circundado por num cenário paradisíaco, envolto em coqueirais, manguezais e arrecifes.

A casa de praia se prefaciava a partir de um jardim gramado e flores baixas, tudo muito bem cuidado. Havia mesas e bancos de cimento, fixos, redondos com guarda-sóis redondos, feitos de capim. Estava ali para quem quisesse se deliciar com a visão do mar.

Num dado momento o padre Antonio Maria aproximou-se de uma das mesas e depositou uma caixa com extremo cuidado. Havia nele um aspecto de contrição. Ele retirou uma peça envolvida num plástico e passou a lidar com aquele objeto com muita delicadeza, como quem mexesse com objetos de cristal. Era um rosto feminino de pessoa idosa estampado em gesso. Logo percebi que se tratava do prenúncio de uma escultura. Aprendi numa disciplina, na universidade. Aquela efígie é a base para se confeccionar esculturas em bronze, dessas que ficam nas praças como monumentos.

A essa altura eu vinha conversando com o padre Antonio Maria com certa proximidade, portanto perguntei de quem seria a escultura. A resposta foi uma estonteante surpresa: era a máscara mortuária da irmã Dulce, feita dias antes. Eu, muito jovem, quase não acreditei que estava praticamente diante da santa dos pobres... a “irmã Dulce, doce mãe”, como diz o padre Antonio Maria numa de suas músicas. Era uma fisionomia de dormir em paz absoluta, uma paz plena de justiça. Havia alguns fios de cabelos grudados no gesso e um cheiro de óleo Johnson (É a técnica). Então vi a própria irmã Dulce, como se aquele ser extraordinário resplandecesse.

Para estar naquele ofício, obviamente que o padre Antonio Maria já havia feito alguma escultura, portanto revelou-se um escultor que eu desconhecia. Ele pegou da goiva e pôs-se a trabalhar carinhosamente aquela face permeada de rugas, quais um entrelaçado de estradas, veredas, caminhos. Por certo eram exatamente os caminhos que ela tanto percorreu, levando dignidade a tantas pessoas abandonadas de tudo e por todos, num tempo sem projeto algum que beneficiasse tais seres vestidos de miserabilidade.

Quem imaginava que o sacerdote ilustre trazia consigo uma santa? Era comum para ele exercitar aquele ofício, portanto o fez sem alardes. Trouxe consigo aquela espécie de pedra-sabão, então rasparia as sobras de gesso, faria os acabamentos e, com movimentos cuidadosos, ascenderia o rosto da santa,  dando-lhes a perfeição. Só fiquei sabendo disso porque perguntei. Não havia mais tanta gente na casa de praia, portanto muitos nem souberam dessa passagem. Nos outros dias, mais reservado, com certeza ele se debruçou na sua arte escultórica, ali, ao som do mar, observado pelos camurupins.

 Não posso precisa a data neste momento, pois escrevo de rompante, e meus registros de décadas estão “amufambados”. Suponho que o episódio deu-se entre os dias 14 a 16 de março, pois a morte da irmã Dulce se deu no dia 13 de março de 1992, em Salvador, Bahia. A propósito, o padre Antonio Maria se deslocou até Salvador, ocasião em que fez o molde do rosto da Ir. Dulce em seu ataúde, vindo direto para o Rio Grande do Norte. Enfim, no dia seguinte estive na missa celebrada pelo padre visitante. Ele cantou suas belas canções que são verdadeiros poemas de bondade e amor. A matriz estava cheia e cuidadosamente decorada com flores naturais. O padre João Batista mandou fazer alguns painéis com belas pinturas. Foi uma noite muito bonita para a comunidade católica. 

Aquela experiência foi um dos capítulos impressionantes da minha vida. Senti estar no velório da Ir. Dulce, pois vi a sua face em sua última fisionomia. A cidade aguardava um visitante. Chegaram duas visitas. Quando os restos mortais de Nísia Floresta chegaram nestas plagas, aguardavam uma pequena caixa com ossos. Chegou um caixão com um corpo intacto e mumificado, surpreendendo a multidão. Como disse no início, a história é terreno interessante... E essa é uma história parecida no aspecto do impacto da surpresa.

 Não precisa dizer – dizendo - que a visita do padre Antonio Maria era aguardada com grande alegria e expectativa, pois o padre João Batista era padre barulhento, que alardeava os eventos, as visitas, com sinos e trombetas. Inclusive, bem no início da anunciação dessa visita, muitos não acreditavam, conforme soube depois. E deu no que deu. Enfim, foi-me uma grande satisfação ter conhecido o padre Antonio Maria, pois a sua simplicidade cativa. Mas a visita da irmã Dulce – pelo menos para mim -, roubou a cena. 

Escrevendo este texto fico me perguntando: onde está o resultado final daquele busto ou efígie? Com certeza instalado em algum lugar muito especial...

Pois bem, eis esta página que, ora escrita, fica para a eternidade. 22.2.24 - 00h50.

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

"Zumba do Timbó" - Quem foi? Qual a origem desse nome?

"Zumba do Timbó"

    Apelido é algo curioso. Quantas Marias são "Maricotas", quantos Manoel são "Neco". Quantos são chamados de maneira que arrastam para si o nome (ou o apelido) do pai e até do avô: "Maria de Zé de Terto", "Fátima de Mané Amaro". Outras são conhecidas pelo seu instrumento de trabalho: "Dedé do Alerta" (Alerta é um periódico). Quantas pessoas são conhecidas pelo nome da propriedade onde residem, como fosse o seu sobrenome: "Tamires do Morgado", "Arlindo do Olho d'Água". Os lugares são arrastados para o nome. Outras vezes o próprio nome próprio já consiste num pseudônimo. Interessante, não? É o caso de "Zumba do Timbó", cujo pseudônimo não tem relação alguma com o nome de batismo. É o mesmo caso da intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, que era Dionísia Gonçalves Pinto.

     Nas minhas pesquisas sobre as coisas de São José de Mipibu, sempre encontro alguém que expressa curiosidade quanto ao senhor de engenho conhecido como “Zumba do Timbó”. Que nome é esse? Por quê esse nome? O que significa “Zumba”? E “Timbó”? É um distrito? Onde fica?

    Esqueça, acaso você esteja associando o nome “Timbó” a um distrito com esse mesmo nome no município de Nísia Floresta. Primeiramente vamos saber o que é "timbó". Timbó é um cipó que, espremido, solta um suco que é espalhado nos rios para pescar. O líquido promove dormência nos peixes, e os ´indígenas os pegavam com as mãos.

    Timbó” era o nome de um dos engenhos de "Zumba", na cidade de Ceará-Mirim. “Zumba” era o nome como conheciam o seu proprietário José Ribeiro Dantas Sobrinho, senhor de vários engenhos em várias freguesias (municípios), com parentescos em São José de Mipibu e em outros municípios. Na linguagem africana, "zumba" significa “grande senhor”, portanto, 'traduzindo' a forma como ele era conhecido ("Zumba do Timbó") temos o “Grande senhor do Timbó”.

    E quem era esse “Grande Senhor do Timbó”?

    Era José Ribeiro Dantas Sobrinho, filho legítimo de Antonio Basílio Ribeiro Dantas e Ignácia da Silva Bastos. Nasceu aos 21.8.1839, foi batizado pelo padre João Dasmasceno Xavier Dantas aos 19.3.1840 no Engenho Santo Antonio, freguesia de São José de Mipibu, teve como padrinhos Miguel Antonio Ribeiro Dantas e Maria José Dantas. 

Balbina, primeira esposa de "Zumba do Timbó".
 
   “Zumba do Timbó” casou-se duas vezes. O primeiro casamento se deu na propriedade “Laranjeira”, em São José de Mipibu, com Antonia Balbina Viana aos 11.2.1858. Balbina era filha de Antonio Bento Viana e Joana Balbina Viana (esta nascida em Extremoz). Antonio Bento Viana, fundador da Vila de Ceará Mirim, era tio do Barão de Mipibu (Miguel Ribeiro Dantas). "Zumba do Timbó" teve muitos escravos e alforriou-os bem antes de ser decretada a abolição da escravidão. Ele vestia-se com apurado gosto, possuía liteiras, caleças e outros utensílios que usava para se locomover de uma propriedade para outra com sua família. Era Coronel da Guarda Nacional, guarnição de Ceará-Mirim e uma das figuras mais expressivas daquela próspera localidade. 

    Nesse primeiro casamento com Antonia, nasceram seis filhos. E tendo enviuvado, casou-se novamente em 1887 com Urcicina Raposo de Melo, 25 anos mais jovem que ele, inclusive mais moça que o filho mais jovem dele. Eles se casaram no dia 12 de fevereiro de 1887, no engenho Floresta, em Ceará-Mirim, pertencente ao dr. Heráclio de Araújo Vilar, sendo celebrante o padre Frederico Soares Raposo da Câmara. No segundo casamento tiveram 3 filhos. 

    “Zumba do Timbó” era senhor de engenho no vale de Ceará-Mirim, dono de muitas terras. Também conhecido como “O Major”. Foi dono do Engenho Sapé (uma parte fica em Papari/Nísia Floresta), Trigueiro, Timbó de Dentro (rebatizado como São Pedro), Porão, Veados, Barra de Levadas, Oitizeiros, Joazeiro, Cafuca (estes dois em Santana do Matos) e Timbó de Fora. “Zumba do Timbó” faleceu aos 59 anos, em decorrência de um enfarto, no dia 22 de julho de 1889, no Engenho São Pedro, em Ceará-Mirim.

    Há muitas histórias contadas sobre "Zumba do Timbó" e suas esposas. Algumas dessas histórias são horrorosas devido à crueldade, e quando Carlos Alberto Dantas Moura, na melhor das intenções, mencionou essas histórias em seu livro, uma neta de "Zumba do Timbó" entrou em contato com ele, furiosa, alegando que tudo era mentira. 

    Mexer com História muitas vezes é mexer com um vespeiro... fica no ar... quem quiser saber mais sobre "Zumba do Timbó" é só ler a obra de Carlos Alberto, um trabalho extraordinário, de quase 700 páginas.

    FONTE: "Família Ribeiro Dantas de São José de Mipibu", Carlos Alberto Dantas Moura, 2010, edição ampliada.



domingo, 18 de fevereiro de 2024

EMANCIPAÇÃO POLÍTICA DO MUNICÍPIO DE NÍSIA FLORESTA - COMO SE DISPÔS O FERIADO DO DIA 18 DE FEVEREIRO

 
 
Até 2002 não se comemoravam o aniversário do município de Nísia Floresta, cuja emancipação política se deu no dia 18 de fevereiro de 1853. O assunto passou despercebido durante 170 anos. Acostumado a ver as comemorações da emancipação política da cidade em que nasci, no Mato Grosso do Sul, percebi aquela lacuna, e que tal data deveria ser feriado. Escrevi um texto num jornal. O assunto despertou a atenção de um vereador que conversou comigo e apresentou um projeto criando o feriado para essa data que até então era um dia comum na cidade. E, enfim, despertado pela iniciativa, o então prefeito João Lourenço Neto Lourenço oficializou o feriado, acatando a ideia. 
 

 Gosto de divulgar isso para que as crianças e jovens - principalmente -, percebam que o exercício da nossa cidadania perpassa por tudo o que diz respeito ao lugar onde moramos. A história é construída por todos nós, e muitas vezes um fato simples e óbvio - mas que se encontra despercebido - pode ser trazido à tona por qualquer cidadão. Foi isso o que aconteceu. O aniversário da cidade nunca foi comemorado porque não existia a lei dispondo sobre o feriado. Resolvido o problema a data passou a integrar o calendário comemorativo do município através dessa iniciativa, ou seja, precisou alguém perceber. Precisamos aprender a olhar mais. Os cidadãos comuns também podem sugerir o que possa trazer mais civilidade e cidadania a um povo.
    Há outro assunto, parecido no aspecto de alguém provocar um olhar sobre um problema e colaborar na mudança. Refiro-me a lei que mudou o nome do município no ano de 1948. O autor da lei que concretizou essa mudança foi o deputado Arnaldo Barbalho Simonetti, como sabemos. Mas antes desse assunto chegar ao deputado Arnaldo, um respeitável professor que trabalhou durante um bom período na então "Papary" da década de 40, constatou que os nativos não gostavam do nome "Papary", pois gerava muitas piadas, brincadeiras de mal gosto e até brigas (nesse mesmo blog você encontrará detalhes sobre esse assunto). Então, como professor e conhecedor da incrível história de Nísia Floresta, ele propôs a mudança, encabeçou um abaixo-assinado, percorreu todo o município e houve unanimidade na escolha do nome de Nísia Floresta. A partir daí a proposta foi levada ao deputado Arnaldo Barbalho Simonetti, que abraçou a causa e criou a lei que mudou o nome de Papary para Nísia Floresta. Vejam como é necessário que alguém jogue os holofotes num determinado problema, ou necessidade, que a coisa se resolve.

DETALHE: Quando joguei holofotes sobre esse assunto, um funcionário da Prefeitura ficou fulo da vida, alegando que eu deveria ter dito isso direto ao prefeito. Mas eu nem pensei nisso. A coisa aconteceu naturalmente. Vai entender isso.

 

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

O "Turista Aprendiz" - Mário de Andrade - 1927, Um álbum que é um tesouro...


Como sabemos, há o livro publicado em primeira edição em 1976 - é mais texto -, mas muitos desconhecem que em 1993 o Banco Safra organizou um luxuoso álbum com muito mais fotografias, legendas e descrições dessas imagens pelo autor, Mário de Andrade, e essa iconografia responde nossa curiosidade antiga. Eu mesmo sempre pensei: Mário percorreu o Nordeste, o Amazonas, o Peru, será que fez apenas essas fotografias divulgadas no livro que publicou originalmente em 1976?
 
O que o fez empreender a viagem, todos sabem, inclusive esteve nesse rincão potiguar e fez preciosos registros. É interessante o autor dar o título de “O Turista Aprendiz”, pois sua odisseia não era exatamente uma viagem turística, e ele, como toda a maturidade intelectual que reunia, não era um aprendiz.
 
Na papelada que ele escreveu à mão Mário classifica os seus registros como “Viagem Etnográfica”, e de fato o foi. Seria esse o título ideal? E também as descreveu como “Viagem pelo Amazonas até o Peru, pelo Madeira até a Bolívia, e pelo Marajó até dizer chega”. É até engraçado.
 
Telê Ancona Lopez escreveu na edição de 1976 que Mário de Andrade “procurou traçar as coordenadas de uma cultura nacional, tomando o folclore e a cultura popular como instrumentalização para o seu conhecimento do povo brasileiro” e também que “para isso foi muito importante unir a pesquisa de gabinete e a vivência de vanguardista metropolitano ao encontro direto com o primitivo, o rústico e o arcaico”.
 
E “Aprendiz” por quê? Segundo Telê supõe a possibilidade de ser uma homenagem indireta a Paul Dukas, autor do livro “O Aprendiz de Feiticeiro”. E também supõe que Mário pode ter escolhido a palavra ao se sentir “aprendiz de turista”, tendo em vista que em sua vida conturbada, o turismo era algo difícil e quase irrealizável.
 
Faltava um livro que permitisse aos apreciadores da História e da Literatura viajar numa iconografia mais ampla.
 
Como bem escreve alguém do Safra “... O Turista Aprendiz” é o Fotógrafo Aprendiz de kodak em punho, no exercício de sua arte. Geometriza, procura planos, não teme o close, a figura de costas; estuda a luz, imprime o humor nos instantâneos…”.
 
Interessantes são as sombras do próprio Mário de Andrade em algumas fotografias, numa espécie de assinar a autoria da imagem. Inclusive uma dessas fotografias ele legendou como “Sombra Minha/ Santa Tereza do Alto/I.I.28). Está na capa do álbum.

 
Pois bem, aqui nas plagas potiguares ele registrou o portal de entrada da casa do seu cicerone-mor. Nem precisa mencionar o nome do “Príncipe do Tirol”. Captou? E com ele viajaram em vários lugares do estado: São José de Mipibu, Cunhaú, Macau, Belo Jardim, Papary… Inclusive fotografou a Casa de Câmara e Cadeia de Mipibu, hoje só em fotografia (a ignorância é um câncer!), e daqui partiu para “turistar” em vários estados… (L.C.F. 12.2.24). OBS. A última fotografia traz uma das imagens em que aparece a sombra de Mário de Andrade. SEGUEM ALGUMAS FOTOGRAFIAS, ABAIXO: