ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio, sem a devida concordância. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto breves trechos isolados, desde que mencionada a fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

quinta-feira, 25 de junho de 2020

VERDE (POEMA)


VERDE
Tinta verde é privilégio de lagartas verdes.
Debrucei anos botanizando a descoberta.
Vem de seus interstícios.
Não sei se elas desaparecem as folhas
Ou as folhas lhes desaparecem.
Mas há conivência com árvores,
E tudo é apetecido a verde.
Lagarta verde tem cago verde...
Os grãos atapetam o chão.
Há uma máquina em seus dedentros.
O fabrico se dá assim:
Elas escolhem as vergônteas novinhas,
Passeiam o dia comendo...
Ondeando o corpo sinuoso de gula,
Então a refeição lhes passa.
Carece cumplicidade com árvores.
Rastejamento...
Escorjamento...
Enpanzinamento...
Puf...
O cago é árduo.
A caminhada é contorcida.
Um pedaço do corpo sobe, o outro desce...
A boca come e o rabito descome...
Esperançando de verde o chão.
São grãozinhos secos e fornidos
(Ingual que dos cabritos).
Esse é o cago de lagartas.
Na mão do artista,
Diluídos n’água,
Pincelado na tela,
Dão bela aquarela.
Depois só pincelar verniz de vidro mole
E o verde se plenaliza.

segunda-feira, 22 de junho de 2020

O ENCONTRO DE NÍSIA FLORESTA COM O PAPA PIO IX - 1858

O ENCONTRO DE NÍSIA FLORESTA COM O PAPA PIO IX - 1858 
ALGUMAS PÁGINAS DA HISTÓRIA DE NÍSIA FLORESTA PERMANECEM DESCONHECIDAS POR MUITOS... HOJE, FALAREI DE UM EPISÓDIO INCRÍVEL VIVIDO POR ELA.  
ATUALMENTE NÃO É FÁCIL TER UMA AUDIÊNCIA COM O PAPA, MAS NÃO SE COMPARA À ÉPOCA DE NÍSIA FLORESTA. ESSE FATO SERVE PARA PENSARMOS E RECONHECERMOS CADA VEZ MAIS A IMENSIDÃO DESSA INTELECTUAL, CUJO TRONCO GENEALÓGICO ME PRESENTEIA ATRAVÉS DA LINHAGEM DA MINHA MÃE, CAUSANDO-ME ORGULHO.
 

Em abril de 1858 Nísia Floresta visitou o Papa Pio IX, acompanhada de sua filha Lívia Augusta. A mãe contava 48 anos. A filha, 28. Esse encontro é curiosíssimo e nos permite várias reflexões. Ela estava acompanhada também com uma princesa russa, uma condessa e uma marquesa italianas. Sobre esse encontro, dentre tantas reflexões que a intelectual potiguar nos deixou, destaco as palavras abaixo, escritas por ela quando, enfim, adentrou o palácio papal: 
“(...) Ali estava eu, não dentro de um templo antigo ou de um palácio de imperador romano, enriquecidos e embelezados com preciosos despojos da Grécia artística ou de poderoso e maravilhoso Egito, mas sob as abóbadas da morada do humílimo representante do Cristo sobre a terra (...)”. 

Essas palavras são muito preciosas, pois a pergunta que mais ouço é: “Luís Carlos, qual a religião de Nísia Floresta?”. Está claro que ela era católica. A propósito, Nísia Floresta tinha uma característica: sua obra completa revela praticamente sua biografia. Você a descobre, lendo-a. Ela externa a sua opinião, despercebidamente, à medida que aborda assuntos diversos. Sobre a sua religião, posso garantir ao leitor que era católica fervorosa, inclusive tinha conhecimento aprofundado da Bíblia, da vida dos santos enfim. Mas era altamente crítica. Se viva hoje, se envolveria em muitas polêmicas! 

Retomando. Assim que chegou ao palácio papal, observou guardas e empregados uniformizados, transitando para todos os lados, sempre em diligências. Ao entrar na sala de recepção ela apresentou ao funcionário do Papa uma permissão timbrada com o selo de Sua Santidade e foram convidadas a entrar numa antessala. Naquele exato momento saiam senhoras da alta sociedade europeia que acabavam de ter audiência com o Papa. 
Nísia Floresta, Lívia Augusta e as demais mulheres trajavam roupa preta. O véu fora colocado sobre a cabeça e pendia até a cintura. Foram convidadas a sentar em grandes poltronas vermelhas. A sala era decorada por grandes quadros retratando episódios de que o Vaticano testemunhara. Nísia Floresta desaprovou a atitude das monarcas que estavam ao seu lado, as quais não se comportavam como tais. Ela não entrou em detalhes. 
Ela nos conta que, junto havia uma americana de Boston. Após a audiência com o Papa, ela disse a Nísia Floresta que era de família evangélica e viera a Roma para abraçar a religião católica, contrariando a vontade do marido e da família. Essa senhora se emocionou muito, pois queria ter trazido a filha, assim como Nísia, mas o marido a proibiu. Ela temia jamais revê-la.  

Sobre esse detalhe singular da visita, Nísia Floresta escreveu: 
“(...) Escutei, em silêncio, aquela história tocante, e me perguntei qual das duas segue melhor os preceitos de Cristo, se a mulher que pratica de coração as virtudes de esposa e mãe no seio da família, ou aquela que a abandona, deixando no desespero uma filha e um marido que a ama e de cujo destino ela jurou participar. Essa reflexão naturalmente nos conduziu a muitas outras que o assunto e o lugar onde me encontrava me sugeriam largamente (...)”. 
As palavras acima, escritas de próprio punho, nos oferecem reflexões preciosas. Sabemos que Nísia Floresta, aos 13 anos, se juntou a um homem escolhido por livre e espontânea vontade. Manuel Alexandre Seabra de Melo, mipibuense fincado num engenho, cujo seu mundo era limitado por muros de cana-de-açúcar. Resultado: a “união” não durou um ano. Ela viu no casamento o presídio de seus sonhos. Era uma mulher universal. Almejava conhecer outros países, visitar universidades, museus, estudar, aprender outras línguas, escrever livros enfim. Mas os grilhões tão comuns aos pés dos escravos negros lhe pesaram também. O marido “ultrajado” a perseguiu durante toda a vida. As leis da época permitiam coabitação à força. Mas ele nunca a reencontrou. 
Se o leitor estranha um casamento aos 13 anos, é importante saber que era comum. Mas duravam a vida inteira. Assim surgiram famílias que muitas vezes geravam vinte filhos. Boa parte das mulheres se calavam a todo tipo de maltrato e traição do marido – muitas fezes com escravas e até parentas – na tentativa de não ficar falada nem “desonrar” a família. Abandonar um casamento era um misto de crime e pecado, culturalmente falando. 
Quando Nísia Floresta critica a ex-evangélica por ter “abandonado o marido”, soa contraditório, pois ela também abandonou o seu. Qual autoridade para a crítica? Mas a crítica de nossa conterrânea procede e tem fundamento, pois ela se refere ao pecado da quebra de um juramento feito no altar, diante de Deus. A mulher de Boston era uma mulher casada oficialmente. Fato que não aconteceu a Nísia Floresta. Ela “era junta”, como se diz.  
Nísia, que era católica, via no juramento feito no altar, um preceito sagrado e inviolável. Nesse ponto ela era até conservadora. Tão diferente do que tantos comentam. É outra história, afinal ela oscilava algumas de suas interpretações. Umas se lapidaram ao longo do tempo, outras não. A sua primeira união não teve juramento, teve adolescência à flor da pele e hormônios explodindo. Os pais acreditaram nessa união, mas também acreditaram na separação. Eram liberais. Por essas modernidades se tornaram tema de conversas nas casas e engenhos da Papari mergulhada em tabus e preconceitos diversos. 

Retomando a visita ao Papa Pio IX. Sobre esse encontro ela disse que tinha antipatia por formalidades, e se submetia a tais com muito esforço. Enfim, chega a hora de ser anunciada. A primeira foi a americana. Sobre ela, Nísia Floresta também escreveu: 
“(...) Pobre mãe! Pensei, que nunca tenhas de te censurares por ter abandonado tua filha em uma idade em que a prudência materna seria seu melhor guia do mundo! (...). 
Quando anunciam o seu nome e o da filha, ela sentiu o coração pulsar forte e se emocionou. Pio IX trajava uma túnica branca e se mantinha em pé, ao fundo da sala, a mão esquerda se apoiava em uma mesa onde havia um crucifixo, um livro e uma tabaqueira. 
Esse encontro é tão interessante, revelador e curioso que vale a pena ser transcrito: 
“(...) Sua fisionomia irradiava uma expressão de celeste bondade e unção, que eu vira em alguém. Apenas chegamos perto dele, estendeu-nos a mão: beijei-a respeitosamente, e minha filha seguiu meu exemplo. Depois ele me perguntou com certa dificuldade, em minha língua materna, se fazia muito tempo que havíamos deixado o Brasil e se eu tinha a intenção de fixar-se em Roma, acrescentou, logo, em italiano. 

As primeiras palavras em português e a doce bondade com que foram pronunciadas pelo Chefe da Igreja, diante de quem eu trazia todas as recordações da família e da pátria, produziram, em meu coração, uma emoção profunda e, em meu espírito, um efeito maravilhoso. Acreditei, um momento, perceber, através de uma nuvem pura e diáfana, a imagem dos queridos autores de meus dias: um excelente pai, vítima de seu devotamento, uma terna mãe, resignada na dor suavizada pela religião católica, que lhe derramava n’alma o mais alutar consolo: um, morrendo por um pobre oprimido de quem patrocinara a causa; a outra, sobrevivendo-lhe alguns anos para consolar quem sofria em torno dela. 
A visão se dissipou... Eu estava diante do Papa. “A senhora viaja com sua filha”, perguntou-me, “e não tem outros filhos?” Respondi-lhes mostrando a miniatura de meu filho. Tomando-a às mãos, aplaudiu meu cuidado materno, e acrescentou que pela primeira vez uma mãe lhe trazia, assim, a efígie do filho, não podendo conduzir o original. Depois, perguntou quem era a jovem representada ao lado dele. Ao saber que era a esposa, disse: “tão jovem ainda e já casado”. E deu-lhes a benção. 
Contei-lhes em poucas palavras a minha dor, causada pela morte de minha mãe, bem como a finalidade de minhas viagens. Dos lábios de Pio IX escaparam palavras consoladoras e cheias de unção. Em sua indulgente bondade, dignou-se louvar os meus sentimentos de filha. 
Aconselhou-me escolher Roma para fixar residência. A permanência em Roma, no seu entender, conviria à situação moral em que meu espírito se encontrava. Algumas considerações que acrescentou fizeram-me melhor apreciar a pureza de seu coração e me convenceram mais ainda do seu desconhecimento relativamente ao que ocorre nesta cidade. Seu olhar doce e calmo brilhava como um raio divino, à medida que falava. Eu me sentia subjugada sob a influência desse olhar, daquelas palavras que ele tirava da sua verdade suprema. Ali estava, realmente, o digno e venerável chefe da Igreja, o Pontífice reluzente da luz da caridade. Ali estava o verdadeiro e grande poder espiritual, mais capaz de convencer e mais digno triunfar do que toda e qualquer outra potência humana". 
Uma das observações que impressiona no diálogo é o fato de o Papa convidar Nísia Floresta para morar em Roma. O que o teria movido a isso? Sobre o seu filho, é importante informar ao leitor que ela trazia a mágoa de o filho ter se casado logo após a adolescência, à sua revelia. Ela visualizava muitos planos para ele. E despedindo-se do Papa, receberam a benção e saíram. Sobre esse encontro ela também escreveu uma observação curiosa. Ela, como sabemos, era muito crítica e não esqueceu de comentar sobre a riqueza desmedida em que viviam o Papa e todos os religiosos que se abrigavam na corte papal. 
“(...) Escutando aquelas palavras, esqueci o fausto da corte papal que choca todos os espíritos versados nas grandes lições do Evangelho; esqueci também todos os abusos de que esta corte se cercou. Na verdade, vi um coração repleto de grandes virtudes, que poderia fazer à felicidade a uma parcela da humanidade, se não lhe faltasse energia! E lamentei que o espírito do grande reformador de 1848 não estivesse em harmonia com o seu coração. Deplorei ainda que atos de injustiça e tirania, praticados em seu nome, tivessem diminuído a simpatia generalizada que até bem pouco tempo inspirava e fizessem com que seu poder se confundisse com o das potências políticas do mundo (...)”. 
As reflexões abaixo, também escritas por Nísia Floresta são impressionantes. Ela não cita exemplos, mas divaga coisas fortes, facilmente captadas por espíritos inteligentes. Leia: 
“(...) Quando temos acesso a esse pontífice e o ouvimos, é impossível não sofrer a influência quase celeste de sua bondade. Encontramo-nos em uma atmosfera bem diversa daquela que subjuga o espírito de seus subordinados! “Subordinados”, digo. São Pedro, o humilde servidor de Jesus Cristo, jamais se arrogou o direito de ter subordinados? Oh! através de que labirinto de contradições os pomposos sucessores do santo apóstolo, do simples pescador, conduziram sua grande obra? Junto de Pio IX, esqueci tudo isso. Mas, tornei a me aperceber, ao me despedir dele e ao lançar um olhar sobre essa Roma moderna!” 

Sobre essa visita de Nísia Floresta ao Papa Pio IX, ao contrário do que é mais lógico se supor, não era o seu sonho de consumo. Seu respeito pelo Papa, em especial A Pio IX era inquestionável. Mas sua ida a Europa tinha outra finalidade. Nísia se comportou a vida toda como uma socióloga, filósofa, historiadora... Suas viagens tinham essa conotação. Assim ela se inspirava cada vez mais a entender a vida, o mundo, as pessoas...Tudo para ela era matéria prima para a palavra escrita. Sobre conhecer o Papa Pio IX ela escreveu que 
"jamais tivera a ideia de, vindo a Roma, procurar ser recebida por Sua Santidade. Antipatizando sempre com as formalidades, não me submeti a elas senão com esforço..." 
Na realidade dois fatores alheios a ela a levaram ao Papa. O arcebispo de Turim, que tendo estado no Rio de Janeiro, orientou-a a pedir uma audiência com o Pontífice. A família de um tal "Senhor M", também do RJ, entusiasmados em viverem tal experiência, pediram que ela não deixasse de marcar audiência acaso fisse ao Vaticano. Mas o que verdadeiramente a fez viver tal experiência foi um fato histórico. Em 1848 ele libertou 800 oprimidos para a causa da independência italiana, e isso encantava a ilustre brasileira, tão afeiçoada às causas envolvendo benevolência e heroísmos. Mas vamos ao que interessa. Assim que encerrou a audiência com o Papa, já fo lado de fora do palácio, ela encontrou uma comitiva de religiosos europeus, os quais, tendo escutado-a e percebido tratar-se de uma brasileira, puxaram conversa. Logo um dos padres disse em linguagem italiana 
"O clero do Brasil é muito desmoralizado, não é, minha senhora".  
Nísia achou a abordagem inadequada e desrespeitosa, principalmente por fazê-la a uma mulher. E brasileira. Então, em impecável italiano - e na lata - ela respondeu: 
"Temos em nosso clero vários eclesiásticos notáveis pela pureza de seus costumes, de seus sentimentos piedosos e da profunda instrução. Quanto àqueles que lhe agrada generalizar sob o nome de clero do Brasil, são mais ou menos como o clero de Roma, entre os quais um certo número deles viveu e aprendeu boas lições".  
Envergonhados e sem jeito, o monsenhor mudou o assunto. Mas tentou fazer um giro e fez um jirau. Começou falar sobre a natureza brasileira, e num dado momento disse que no Brasil "as mulheres têm muito espírito..." 
Nísia o interrompeu: 
"Perdão, Monsenhor, o senhor se engana. As mulheres do meu país têm mais coração do que espírito, pois é o coração que nos esforçamos por cultivar lá, por isso elas ficam um pouco despaisadas em certas cidades da Europa, onde o reino do espírito é tão poderoso".  
Pedindo licença, se retirou. Sobre isso ela escreveu: 
"A maior parte das altas personalidades que formam a corte de Pio IX não lhe assemelham em nada. Eu não poderia, portanto, ser contida pela veneração, em meu justo desejo de fazer compreender a uma dentre elas que não cabe ao clero de Roma censurar o Brasil, nem ao de qualquer nação que seja, relativamente aos costumes. Destarte, não foi somente um sentimento de nacionalidade, mas também um dever de justiça, que me fez vencer minha natural relutância em ferir quem quer que seja". 
As palavras acima são de uma ética incrível, mas o mais curioso é a maneira elegante como ela critica a corte Papal. Se a dita corte não era em nada semelhante ao Papa (que para ela era um religioso exemplar), fica subentendido o que ela pensava inclusive sobre os religiosos que a abordaram. Vendo isso é possível nos reportarmos ao seu "Um Passeio ao Aqueduto da Carioca", obra criada para enaltecer o Rio de Janeiro, apresentando-o ao turista. Ela cria um personagem invisível e sai mostrando as belezas cariocas aos turistas fictícios. Então, ao passar defronte a um mosteiro de freiras enclausuradas, ela as critica, julgando ser muito mais proveitoso as freiras estarem cuidando de doentes num hospital, ou dando assistência aos necessitados, ao invés de jazerem trancadas. E ela fala com propriedade, pois durante a epidemia de febre amarela, no RJ, ela se tornou uma espécie de enfermeira, tendo largado o empreendimento só quando a peste acabou. Quando Nísia critica os religiosos que encontrou no Vaticano, inclusive a Corte Papal, o fez porque ela esperava mais humildade e vivência concreta do Evangelho por parte dos mesmos. Ali ela viu uma vida nababesca. E essa vida de fausto experimentada também no Brasil, recebia fortes críticas dessa brasileira da Vila Imperial de Papari.  
"O fausto da corte Papal choca todos os espíritos versados nas sagradas lições do Evangelho", escreveu Nísia.  

Há muitas críticas à Igreja Católica em suas obras. Mas mesmo assim ela não deu cabimento aos religiosos que denegriram o clero brasileiro. Ela não se juntou a eles, mesmo sabendo que eles não deixavam de falar a verdade, fazendo questão de dizer que a verdade brasileira era a mesma verdade que também acontecia no próprio Vaticano. Para Nísia Floresta, o clero deveria estar mais presente na vida da periferia. Ela entendia que Jesus literalmente andava junto aos pobres e acolhia os marginalizados. Suponho que ela almejava aos padres uma prática semelhante aquela que o famoso padre potiguar João Maria vivenciava aqui em Natal no final do século XIX. OBS. Ela não conheceu o citado padre. Interessante disso tudo é que se passaram mais de cem anos, e os padres atuais iniciam suas vidas religiosas adotados por madrinhas ricas nos próprios seminários. Ai invés de calçarem um chinelo e irem para as favelas e periferias pisarem em cocô de menino faminto e enfiar os pés na lama que escorrem dos lares cheios de carências. Ao invés de se envolverem com aqueles que de fato precisam de ajuda espiritual e material, vão para os shoppings com perfumes caros, camisas de linho, celulares de última geração, perfumes de grife e outras vaidades que nem em seus lares originais tiveram. O que diria, hoje, Nísia Floresta? Ou, simplesmente, o que diria Dom Eugênio Salles, autor do projeto "Movimento de Natal", que deu origem a inúmeros projetos sociais atrelados ao Evangelho? Nísia Floresta era católica, mas não era boba. Ela começava a enxergar os problemas a partir da cegueira da própria igreja. Ainda no Vaticano ela chocou-se com as contradições que viu a partir das imediações do Vaticano, onde perfilavam mendigos esfomeados, clamando a piedade alheia. Leitora voraz, Nísia Floresta lia tudo. Conhecia a Bíblia Sagrada na palma da mão. Ela narra as histórias dos santos com a propriedade de quem os tivesse conhecido. Assim ela compara situações experimentadas por santos com histórias de heróis da História Universal, fatos do seu cotidiano, etc. Seus raciocínios vão longe, às custas de um entendimento de mundo excepcional, fruto de incontáveis leituras. Sobretudo, Nísia Floresta sempre se preocupou em trabalhar os fatos com uma visão nua e crua. Tinha aversão aos famosos diários de viagem europeus que deturpavam o Brasil. E, no Brasil, enquanto os escritores, ditos indianistas, descortinavam na Literatura um índio idealizado, fictício, alegorizado, Nísia Floresta rasgava a voz no seu "A lágrima de um Caeté", mostrando um índio derrotado e sem identidade, que não sabia se era selvagem ou civilizado. Ela denunciou a situação de dilapidação da cultura dos povos indígenas há quase 200 anos. Imagine hoje. É por isso que defendo o entendimento de que Nísia Floresta, apesar de não ser assim reconhecida nos livros de Literatura Brasileira, foi a primeira indianista brasileira, e mais: foi a primeira indigenista do Brasil. Antes dela ninguém escreveu uma linha com a mesma propriedade. Vale ressaltar que "A lágrima de um Caeté" trata dois temas. O outro é a Revolução Praieira, mas isso fica para outro momento...

Psicografite (poema)




PSICOGRAFITE... (poema)
 
Parece que havia setembro naquela temporada…
Sei que era época pertinente a flores.
O passario comandava a copa das árvores,
Entonces escorriam palavras dos meus grafites,
E tudo se acomodava àquelas linhas...
Centos de animais alados bichavam as frutas,
Cigarras trincavam seus vidros na imensidão das matas…
O borbulhar da sinfonia ecoava nas águas pardas do sinuoso Paraguai.
Cumplicidade absoluta de bichos e águas, de árvores e bichos,
Tudo arquitetava poesia naqueles ermos…
E lá estava o grafite incorporando palavras,
Dialogando o idioma dos seres mateiros,
Psicografitando os espíritos do Pantanal,
Disfarçando-se a poemas…
É assim a alma escorrida naqueles rincões,
Elas só incorporam quem tem parte com palavras…
Quem não tem, parte…
E deixa as linhas vazias de poemas,
Orfãs escorreitas em meio a tanta maternidade…
(L.C.Freire 6.1.18)