ALGUMAS
PÁGINAS DA HISTÓRIA DE NÍSIA FLORESTA PERMANECEM DESCONHECIDAS POR
MUITOS... HOJE, FALAREI DE UM EPISÓDIO INCRÍVEL VIVIDO POR ELA.
ATUALMENTE
NÃO É FÁCIL TER UMA AUDIÊNCIA COM O PAPA, MAS NÃO SE COMPARA À ÉPOCA DE
NÍSIA FLORESTA. ESSE FATO SERVE PARA PENSARMOS E RECONHECERMOS CADA VEZ
MAIS A IMENSIDÃO DESSA INTELECTUAL, CUJO TRONCO GENEALÓGICO ME
PRESENTEIA ATRAVÉS DA LINHAGEM DA MINHA MÃE, CAUSANDO-ME ORGULHO.
Em
abril de 1858 Nísia Floresta visitou o Papa Pio IX, acompanhada de sua
filha Lívia Augusta. A mãe contava 48 anos. A filha, 28. Esse encontro é
curiosíssimo e nos permite várias reflexões. Ela estava acompanhada
também com uma princesa russa, uma condessa e uma marquesa italianas.
Sobre esse encontro, dentre tantas reflexões que a intelectual potiguar
nos deixou, destaco as palavras abaixo, escritas por ela quando, enfim,
adentrou o palácio papal:
Essas
palavras são muito preciosas, pois a pergunta que mais ouço é: “Luís
Carlos, qual a religião de Nísia Floresta?”. Está claro que ela era
católica. A propósito, Nísia Floresta tinha uma característica: sua obra
completa revela praticamente sua biografia. Você a descobre, lendo-a.
Ela externa a sua opinião, despercebidamente, à medida que aborda
assuntos diversos. Sobre a sua religião, posso garantir ao leitor que
era católica fervorosa, inclusive tinha conhecimento aprofundado da
Bíblia, da vida dos santos enfim. Mas era altamente crítica. Se viva
hoje, se envolveria em muitas polêmicas!
Retomando.
Assim que chegou ao palácio papal, observou guardas e empregados
uniformizados, transitando para todos os lados, sempre em diligências.
Ao entrar na sala de recepção ela apresentou ao funcionário do Papa uma
permissão timbrada com o selo de Sua Santidade e foram convidadas a
entrar numa antessala. Naquele exato momento saiam senhoras da alta
sociedade europeia que acabavam de ter audiência com o Papa.
Nísia
Floresta, Lívia Augusta e as demais mulheres trajavam roupa preta. O
véu fora colocado sobre a cabeça e pendia até a cintura. Foram
convidadas a sentar em grandes poltronas vermelhas. A sala era decorada
por grandes quadros retratando episódios de que o Vaticano testemunhara.
Nísia Floresta desaprovou a atitude das monarcas que estavam ao seu
lado, as quais não se comportavam como tais. Ela não entrou em detalhes.
Ela
nos conta que, junto havia uma americana de Boston. Após a audiência
com o Papa, ela disse a Nísia Floresta que era de família evangélica e
viera a Roma para abraçar a religião católica, contrariando a vontade do
marido e da família. Essa senhora se emocionou muito, pois queria ter
trazido a filha, assim como Nísia, mas o marido a proibiu. Ela temia
jamais revê-la.
Sobre esse detalhe singular da visita, Nísia Floresta escreveu:
“(...)
Escutei, em silêncio, aquela história tocante, e me perguntei qual das
duas segue melhor os preceitos de Cristo, se a mulher que pratica de
coração as virtudes de esposa e mãe no seio da família, ou aquela que a
abandona, deixando no desespero uma filha e um marido que a ama e de
cujo destino ela jurou participar. Essa reflexão naturalmente nos
conduziu a muitas outras que o assunto e o lugar onde me encontrava me
sugeriam largamente (...)”.
As
palavras acima, escritas de próprio punho, nos oferecem reflexões
preciosas. Sabemos que Nísia Floresta, aos 13 anos, se juntou a um homem
escolhido por livre e espontânea vontade. Manuel Alexandre Seabra de
Melo, mipibuense
fincado num engenho, cujo seu mundo era limitado por muros de
cana-de-açúcar. Resultado: a “união” não durou um ano. Ela viu no
casamento o presídio de seus sonhos. Era uma mulher universal. Almejava
conhecer outros países, visitar universidades, museus, estudar, aprender
outras línguas, escrever livros enfim. Mas os grilhões tão comuns aos
pés dos escravos negros lhe pesaram também. O marido “ultrajado” a
perseguiu durante toda a vida. As leis da época permitiam coabitação à
força. Mas ele nunca a reencontrou.
Se o leitor estranha
um casamento aos 13 anos, é importante saber que era comum. Mas duravam
a vida inteira. Assim surgiram famílias que muitas vezes geravam vinte
filhos. Boa parte das mulheres se calavam a todo tipo de maltrato e
traição do marido – muitas fezes com escravas e até parentas – na
tentativa de não ficar falada nem “desonrar” a família. Abandonar um
casamento era um misto de crime e pecado, culturalmente falando.
Quando Nísia Floresta critica a ex-evangélica
por ter “abandonado o marido”, soa contraditório, pois ela também
abandonou o seu. Qual autoridade para a crítica? Mas a crítica de nossa
conterrânea procede e tem fundamento, pois ela se refere ao pecado da
quebra de um juramento feito no altar, diante de Deus. A mulher de
Boston era uma mulher casada oficialmente. Fato que não aconteceu a
Nísia Floresta. Ela “era junta”, como se diz.
Nísia,
que era católica, via no juramento feito no altar, um preceito sagrado e
inviolável. Nesse ponto ela era até conservadora. Tão diferente do que
tantos comentam. É outra história, afinal ela oscilava algumas de suas
interpretações. Umas se lapidaram ao longo do tempo, outras não. A sua
primeira união não teve juramento, teve adolescência à flor da pele e
hormônios explodindo. Os pais acreditaram nessa união, mas também
acreditaram na separação. Eram liberais. Por essas modernidades se
tornaram tema de conversas nas casas e engenhos da Papari mergulhada em tabus e preconceitos diversos.
Retomando
a visita ao Papa Pio IX. Sobre esse encontro ela disse que tinha
antipatia por formalidades, e se submetia a tais com muito esforço.
Enfim, chega a hora de ser anunciada. A primeira foi a americana. Sobre
ela, Nísia Floresta também escreveu:
“(...)
Pobre mãe! Pensei, que nunca tenhas de te censurares por ter abandonado
tua filha em uma idade em que a prudência materna seria seu melhor guia
do mundo! (...).
Quando
anunciam o seu nome e o da filha, ela sentiu o coração pulsar forte e
se emocionou. Pio IX trajava uma túnica branca e se mantinha em pé, ao
fundo da sala, a mão esquerda se apoiava em uma mesa onde havia um
crucifixo, um livro e uma tabaqueira.
Esse encontro é tão interessante, revelador e curioso que vale a pena ser transcrito:
“(...)
Sua fisionomia irradiava uma expressão de celeste bondade e unção, que
eu vira em alguém. Apenas chegamos perto dele, estendeu-nos a mão:
beijei-a respeitosamente, e minha filha seguiu meu exemplo. Depois ele
me perguntou com certa dificuldade, em minha língua materna, se fazia
muito tempo que havíamos deixado o Brasil e se eu tinha a intenção de
fixar-se em Roma, acrescentou, logo, em italiano.
As
primeiras palavras em português e a doce bondade com que foram
pronunciadas pelo Chefe da Igreja, diante de quem eu trazia todas as
recordações da família e da pátria, produziram, em meu coração, uma
emoção profunda e, em meu espírito, um efeito maravilhoso. Acreditei, um
momento, perceber, através de uma nuvem pura e diáfana, a imagem dos
queridos autores de meus dias: um excelente pai, vítima de seu
devotamento, uma terna mãe, resignada na dor suavizada pela religião
católica, que lhe derramava n’alma o mais alutar consolo: um, morrendo
por um pobre oprimido de quem patrocinara a causa; a outra,
sobrevivendo-lhe alguns anos para consolar quem sofria em torno dela.
A
visão se dissipou... Eu estava diante do Papa. “A senhora viaja com sua
filha”, perguntou-me, “e não tem outros filhos?” Respondi-lhes
mostrando a miniatura de meu filho. Tomando-a às mãos, aplaudiu meu
cuidado materno, e acrescentou que pela primeira vez uma mãe lhe trazia,
assim, a efígie do filho, não podendo conduzir o original. Depois,
perguntou quem era a jovem representada ao lado dele. Ao saber que era a
esposa, disse: “tão jovem ainda e já casado”. E deu-lhes a benção.
Contei-lhes
em poucas palavras a minha dor, causada pela morte de minha mãe, bem
como a finalidade de minhas viagens. Dos lábios de Pio IX escaparam
palavras consoladoras e cheias de unção. Em sua indulgente bondade,
dignou-se louvar os meus sentimentos de filha.
Aconselhou-me
escolher Roma para fixar residência. A permanência em Roma, no seu
entender, conviria à situação moral em que meu espírito se encontrava.
Algumas considerações que acrescentou fizeram-me melhor apreciar a
pureza de seu coração e me convenceram mais ainda do seu desconhecimento
relativamente ao que ocorre nesta cidade. Seu olhar doce e calmo
brilhava como um raio divino, à medida que falava. Eu me sentia
subjugada sob a influência desse olhar, daquelas palavras que ele tirava
da sua verdade suprema. Ali estava, realmente, o digno e venerável
chefe da Igreja, o Pontífice reluzente da luz da caridade. Ali estava o
verdadeiro e grande poder espiritual, mais capaz de convencer e mais
digno triunfar do que toda e qualquer outra potência humana".
Uma
das observações que impressiona no diálogo é o fato de o Papa convidar
Nísia Floresta para morar em Roma. O que o teria movido a isso? Sobre o
seu filho, é importante informar ao leitor que ela trazia a mágoa de o
filho ter se casado logo após a adolescência, à sua revelia. Ela
visualizava muitos planos para ele. E despedindo-se do Papa, receberam a
benção e saíram. Sobre esse encontro ela também escreveu uma observação
curiosa. Ela, como sabemos, era muito crítica e não esqueceu de
comentar sobre a riqueza desmedida em que viviam o Papa e todos os
religiosos que se abrigavam na corte papal.
“(...)
Escutando aquelas palavras, esqueci o fausto da corte papal que choca
todos os espíritos versados nas grandes lições do Evangelho; esqueci
também todos os abusos de que esta corte se cercou. Na verdade, vi um
coração repleto de grandes virtudes, que poderia fazer à felicidade a
uma parcela da humanidade, se não lhe faltasse energia! E lamentei que o
espírito do grande reformador de 1848 não estivesse em harmonia com o
seu coração. Deplorei ainda que atos de injustiça e tirania, praticados
em seu nome, tivessem diminuído a simpatia generalizada que até bem
pouco tempo inspirava e fizessem com que seu poder se confundisse com o
das potências políticas do mundo (...)”.
As
reflexões abaixo, também escritas por Nísia Floresta são
impressionantes. Ela não cita exemplos, mas divaga coisas fortes,
facilmente captadas por espíritos inteligentes. Leia:
“(...)
Quando temos acesso a esse pontífice e o ouvimos, é impossível não
sofrer a influência quase celeste de sua bondade. Encontramo-nos em uma
atmosfera bem diversa daquela que subjuga o espírito de seus
subordinados! “Subordinados”, digo. São Pedro, o humilde servidor de
Jesus Cristo, jamais se arrogou o direito de ter subordinados? Oh!
através de que labirinto de contradições os pomposos sucessores do santo
apóstolo, do simples pescador, conduziram sua grande obra? Junto de Pio
IX, esqueci tudo isso. Mas, tornei a me aperceber, ao me despedir dele e
ao lançar um olhar sobre essa Roma moderna!”
Sobre
essa visita de Nísia Floresta ao Papa Pio IX, ao contrário do que é
mais lógico se supor, não era o seu sonho de consumo. Seu respeito pelo
Papa, em especial A Pio IX era inquestionável. Mas sua ida a Europa
tinha outra finalidade. Nísia se comportou a vida toda como uma
socióloga, filósofa, historiadora... Suas viagens tinham essa conotação.
Assim ela se inspirava cada vez mais a entender a vida, o mundo, as
pessoas...Tudo para ela era matéria prima para a palavra escrita. Sobre
conhecer o Papa Pio IX ela escreveu que
"jamais
tivera a ideia de, vindo a Roma, procurar ser recebida por Sua
Santidade. Antipatizando sempre com as formalidades, não me submeti a
elas senão com esforço..."
Na
realidade dois fatores alheios a ela a levaram ao Papa. O arcebispo de
Turim, que tendo estado no Rio de Janeiro, orientou-a a pedir uma
audiência com o Pontífice. A família de um tal "Senhor M", também do RJ,
entusiasmados em viverem tal experiência, pediram que ela não deixasse
de marcar audiência acaso fisse
ao Vaticano. Mas o que verdadeiramente a fez viver tal experiência foi
um fato histórico. Em 1848 ele libertou 800 oprimidos para a causa da
independência italiana, e isso encantava a ilustre brasileira, tão
afeiçoada às causas envolvendo benevolência e heroísmos. Mas vamos ao
que interessa. Assim que encerrou a audiência com o Papa, já fo lado de fora do palácio, ela encontrou uma comitiva de religiosos europeus, os quais, tendo escutado-a e percebido tratar-se de uma brasileira, puxaram conversa. Logo um dos padres disse em linguagem italiana
"O clero do Brasil é muito desmoralizado, não é, minha senhora".
Nísia
achou a abordagem inadequada e desrespeitosa, principalmente por
fazê-la a uma mulher. E brasileira. Então, em impecável italiano - e na
lata - ela respondeu:
"Temos
em nosso clero vários eclesiásticos notáveis pela pureza de seus
costumes, de seus sentimentos piedosos e da profunda instrução. Quanto
àqueles que lhe agrada generalizar sob o nome de clero do Brasil, são
mais ou menos como o clero de Roma, entre os quais um certo número deles
viveu e aprendeu boas lições".
Envergonhados
e sem jeito, o monsenhor mudou o assunto. Mas tentou fazer um giro e
fez um jirau. Começou falar sobre a natureza brasileira, e num dado
momento disse que no Brasil "as mulheres têm muito espírito..."
Nísia o interrompeu:
"Perdão,
Monsenhor, o senhor se engana. As mulheres do meu país têm mais coração
do que espírito, pois é o coração que nos esforçamos por cultivar lá,
por isso elas ficam um pouco despaisadas em certas cidades da Europa, onde o reino do espírito é tão poderoso".
Pedindo licença, se retirou. Sobre isso ela escreveu:
"A
maior parte das altas personalidades que formam a corte de Pio IX não
lhe assemelham em nada. Eu não poderia, portanto, ser contida pela
veneração, em meu justo desejo de fazer compreender a uma dentre elas
que não cabe ao clero de Roma censurar o Brasil, nem ao de qualquer
nação que seja, relativamente aos costumes. Destarte, não foi somente um
sentimento de nacionalidade, mas também um dever de justiça, que me fez
vencer minha natural relutância em ferir quem quer que seja".
As
palavras acima são de uma ética incrível, mas o mais curioso é a
maneira elegante como ela critica a corte Papal. Se a dita corte não era
em nada semelhante ao Papa (que para ela era um religioso exemplar),
fica subentendido o que ela pensava inclusive sobre os religiosos que a
abordaram. Vendo isso é possível nos reportarmos ao seu "Um Passeio ao
Aqueduto da Carioca", obra criada para enaltecer o Rio de Janeiro,
apresentando-o ao turista. Ela cria um personagem invisível e sai
mostrando as belezas cariocas aos turistas fictícios. Então, ao passar
defronte a um mosteiro de freiras enclausuradas, ela as critica,
julgando ser muito mais proveitoso as freiras estarem cuidando de
doentes num hospital, ou dando assistência aos necessitados, ao invés de
jazerem trancadas. E ela fala com propriedade, pois durante a epidemia
de febre amarela, no RJ, ela se tornou uma espécie de enfermeira, tendo
largado o empreendimento só quando a peste acabou. Quando Nísia critica
os religiosos que encontrou no Vaticano, inclusive a Corte Papal, o fez
porque ela esperava mais humildade e vivência concreta do Evangelho por
parte dos mesmos. Ali ela viu uma vida nababesca. E essa vida de fausto
experimentada também no Brasil, recebia fortes críticas dessa brasileira
da Vila Imperial de Papari.
Há
muitas críticas à Igreja Católica em suas obras. Mas mesmo assim ela
não deu cabimento aos religiosos que denegriram o clero brasileiro. Ela
não se juntou a eles, mesmo sabendo que eles não deixavam de falar a
verdade, fazendo questão de dizer que a verdade brasileira era a mesma
verdade que também acontecia no próprio Vaticano. Para Nísia Floresta, o
clero deveria estar mais presente na vida da periferia. Ela entendia
que Jesus literalmente andava junto aos pobres e acolhia os
marginalizados. Suponho que ela almejava aos padres uma prática
semelhante aquela
que o famoso padre potiguar João Maria vivenciava aqui em Natal no
final do século XIX. OBS. Ela não conheceu o citado padre. Interessante
disso tudo é que se passaram mais de cem anos, e os padres atuais
iniciam suas vidas religiosas adotados por madrinhas ricas nos próprios
seminários. Ai invés de calçarem um chinelo e irem para as favelas e
periferias pisarem em cocô de menino faminto e enfiar os pés na lama que
escorrem dos lares cheios de carências. Ao invés de se envolverem com
aqueles que de fato precisam de ajuda espiritual e material, vão para os
shoppings com perfumes caros, camisas de linho, celulares de última
geração, perfumes de grife e outras vaidades que nem em seus lares
originais tiveram. O que diria, hoje, Nísia Floresta? Ou, simplesmente, o
que diria Dom Eugênio Salles, autor do projeto "Movimento de Natal",
que deu origem a inúmeros projetos sociais atrelados ao Evangelho? Nísia
Floresta era católica, mas não era boba. Ela começava a enxergar os
problemas a partir da cegueira da própria igreja. Ainda no Vaticano ela
chocou-se com as contradições que viu a partir das imediações do
Vaticano, onde perfilavam mendigos esfomeados, clamando a piedade
alheia. Leitora voraz, Nísia Floresta lia tudo. Conhecia a Bíblia
Sagrada na palma da mão. Ela narra as histórias dos santos com a
propriedade de quem os tivesse conhecido. Assim ela compara situações
experimentadas por santos com histórias de heróis da História Universal,
fatos do seu cotidiano, etc. Seus raciocínios vão longe, às custas de
um entendimento de mundo excepcional, fruto de incontáveis leituras.
Sobretudo, Nísia Floresta sempre se preocupou em trabalhar os fatos com
uma visão nua e crua. Tinha aversão aos famosos diários de viagem
europeus que deturpavam o Brasil. E, no Brasil, enquanto os escritores,
ditos indianistas, descortinavam na Literatura um índio idealizado,
fictício, alegorizado, Nísia Floresta rasgava a voz no seu "A lágrima de
um Caeté", mostrando um índio derrotado e sem identidade, que não sabia
se era selvagem ou civilizado. Ela denunciou a situação de dilapidação
da cultura dos povos indígenas há quase 200 anos. Imagine hoje. É por
isso que defendo o entendimento de que Nísia Floresta, apesar de não ser
assim reconhecida nos livros de Literatura Brasileira, foi a primeira
indianista brasileira, e mais: foi a primeira indigenista do Brasil.
Antes dela ninguém escreveu uma linha com a mesma propriedade. Vale
ressaltar que "A lágrima de um Caeté" trata dois temas. O outro é a
Revolução Praieira, mas isso fica para outro momento...
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