ANTES DE LER É BOM SABER...
sexta-feira, 15 de março de 2024
terça-feira, 5 de março de 2024
Acta Noturna - A Visita de Dom José à Vila Imperial de Papary - 1882...
Natal foi ao êxtase, como se chegasse um semideus... Houve comissão de recepção, clérigos, autoridades, banda de música... o diabo a quatro se desmanchando em mesuras típicas das que até hoje se fazem à rainha Elizabeth II.
Um cortejo gordo acompanhou o bispo a pé até a igreja do Bom Jesus. Na sacristia ele se paramentou e seguiu a pé até a catedral de Nossa Senhora da Apresentação, onde era vigário um que seria santo: João Maria Cavalcanti de Brito (coincidentemente o padre João Maria havia deixado a Vila Imperial de Papary há 1 ano, onde exercera 4 anos de vigariato naquela matriz).
Diferentemente do padre João, cuja casa era a sacristia, e muitas vezes dormia no chão por presentear a própria rede aos pedintes, o bispo ficou hospedado durante uns três dias no Palácio da Assembleia, depois Palácio do Governo (hoje EDTAN, na rua Chile, Ribeira).
Ali lhe chegava de tudo da melhor qualidade. De comida a souveniers oferecidos pelas madamas natalenses. Após a realização dos mais diversos trabalhos eclesiásticos, seguidos de visitas a todos os órgãos públicos e às casas das pessoas mais ricas de Natal, ele empreende uma verdadeira odisseia por diversas cidades e vilas locais. Uma delas é a então "Vila Imperial de Papary".
Ele estava em Canguaretama, quando embarcou na "Maria-Fumaça" da Great Western. Ao chegar na Estação "Papary", que ainda iria completar um ano de construída, mais ou menos às 17h00, como dizem os nordestinos "estava um moído"... não tinha lugar para se colocar o pé. Música, autoridades, paroquianos, tudo o que se tem direito e mais um pouco promovia a maior festividade.
Por incrível que pareça, as autoridades mandaram uma "cadeira de arruar" para que o ilustre visitante viajasse confortavelmente até o centro da vila (igual a essa da foto com escravisados). O bispo nega. Escolhe ir a pé.
Ao se aproximar do centro da freguesia, se surpreende. A partir da entrada do Engenho Descanso, perfilava uma sequência de fogueiras que ia até o átrio da Matriz. A vila estava um verdadeiro dia, tudo muito enfeitado pelos fieis. Então ele celebra na Matriz de Nossa Senhora do Ó e segue para um jantar nababesco no dito Engenho Descanso.
Até então a vila nunca tinha visto um bispo. Ele passa dois dias ali, onde celebra casamentos, batizados, crismas, discursos, celebrações, visitas às famílias mais ricas da localidade, incluindo a do "Cavaleiro da Rosa" – que à essa época já era um homem idoso – e outras.
Realizado o compromisso, ele segue para a estação "Papary", sob forte comoção popular. Contam que ele não deu um passo em Papary sem que uma multidão o acompanhasse, como se para levá-lo... um misto de curiosidade, o impacto da novidade, a imagem de semideus etc.
Naquela época, a província do Rio Grande era subordinada à Diocese de Olinda. Dom José Pereira da Silva Barros foi o primeiro e único conde de Santo Agostinho. Era de São Paulo. Foi bispo de Olinda e do Rio de Janeiro. Foi o último bispo de S. Sebastião do Rio de Janeiro.
Acta Noturno - Antonio de Sousa (Polycarpo Feitosa) - "Quase Romance Quase Memória"...
Polycarpo Feitosa |
O livro intitulado “Quase Romance, Quase Memória”, assinado por Polycarpo Feitosa, alcunha de Antonio José de Melo e Souza (Papary: 24.12.1967 - Recife: 5.7.1955), foi publicado em 1969, pela Imprensa Oficial, com apoio do IHGRN e ANRL muito tempo após a morte do autor, graças à compreensão da irmã do escritor, dona Isabel Emiliana de Melo e Sousa, que disponibilizou os manuscritos. É uma obra não concluída, mas bastante vasta e com informações preciosas. Antonio de Sousa era um grande observador de tudo. Altamente crítico. Foi governador algumas vezes e ocupou pastas respeitáveis no estado. Embora esquecido pelas grandes massas, é figura conhecidíssima nos meios intelectuais norte-rio-grandenses. É considerado por especialistas como uma revelação na Literatura do período modernista, embora não seja reconhecido nacionalmente como tal. No capítulo “No tempo da República”, o autor estuda os primeiros dias do novo regime, entre nós, figuras principais, posição de liberais e conservadores, destacando o jornal “A Alvorada”, ou seja, A República, como centro das atividades republicanas. Quem conhece a história social e política do estado, idetifica logo, em Paulo Júnior, A. Benévolo, Andrade Brasil, as figuras de Pedro Velho, o Líder, e Augusto Severo e Brás de Melo, os redatores do jornal.O dr. Deodato Juazeiro, bacharel em direito, filho de fazendeiro, poeta por desenfado, iniciannte em política, candidato a deputado, está a exigir um exame mais detido, a fim de ser devidamente identificado.
No segundo capítulo “Diário de um recolhido”, memórias igualmente inacabadas, o autor analisa tipos e figuras da vida político-partidária potiguar, sem descer ao mau gosto do remoque e da pilhéria picante e dessaborida. As figuras de seu diário, tocadas pela magia do seu estilo, retornam, assim, ao cotidiano da vida norte-rio-grandense, mais engrandecidas e atualizadas, na palavra comedida e austera do memorialista contemporâneo. José Augusto, Castriciano, Sebastião Fernandes e tantos outros são ali discutidos, observados e analisados à luz dos fatos de sua época, por um autêntico observador da vida nordestina. Antonio de Sousa possuía uma biblioteca impecável. Era poliglota e assinava algumas revistas internacionais. Escreveu em diversos jornais potiguares e na revista do IHGRN.
Maria Alice de Melo e Sousa |
Maria Isabel Emiliana de Melo e Sousa |
Do livro “Quase Romance, Quase Memória” retirei alguns ditos populares curiosos, já que não devo contar o conteúdo. Vejamos:
“Pobre como urubu de sertão em ano de inverno e sem epizootias”
(p.33)
“Quem tem uma pena e não tem vaidade ainda vai nascer” (p.33)
“Os cabelos de uma serra estão sempre sujeitos aos ventos de todos os quadrantes” (p.46)
“Não há nada melhor que que um dia atrás do outro e uma noite no meio” (p.46)
“É como macaco em loja de louças” (p.51)
“Pobre arbusto seco que, incapaz de dar frutos, apenas cria bichos para estragar os dos outros” (p.52)
“Cachorro com gafeira não pode deixar de se coçar” (p.52)
“É como paletó de estudante pobre, quando está muito sujo, como estava o Império, leva-se ao adelo, este desmancha tudo, vira o pano pelo avesso, põe novos forros, e aí está uma farpela nova… mas o pano é o mesmo, com o sujo escondido” (p.55)
“Todo sujeito avarento é mau” (p.54)
“Olhos de carneiro mal morto” (p.78)
OBS. As fotografias trazem Antonio de Sousa e suas irmãs, Maria Alice de Melo e Sousa e Maria Isabel Emiliana de Melo e Sousa. 6.6.2016.
. Um balé que desconsagra...
Espetáculo "Manoel de Barros, Alquimista da Palavra" - Teatro Municipal de Parnamirim - Escrito por Luís Carlos Freire que também assina o cenário e objetos cenográficos. Figurinos de João Marcelino. |
Câmara Cascudo, disse que “Natal não consagra nem desconsagra ninguém”. Pauto-me dessa frase clássica do nosso insigne potiguar, para comentar sobre o último Edital de Credenciamento para Instrutores de Dança da EDTAM - Escola de Dança do Teatro Alberto Maranhão), do Governo do Estado do Rio Grande do Norte, encerrado no último dia 1º de março/24. É notória a desconsagração ao próprio balé de Natal.
No artigo 1º, DAS DEFINIÇÕES E EXIGÊNCIAS, parágrafo 1.3 está escrito: “1.3. No que se refere ao estilo BALLET CLÁSSICO, o (a)s CANDITADO(A)S devem ter, obrigatoriamente, experiência comprovada na METODOLOGIA RUSSA/VAGANOVA, por meio de certificação comprovada.
Espetáculo "Manoel de Barros, Alquimista da Palavra" - Teatro Municipal de Parnamirim - Escrito por Luís Carlos Freire que também assina o cenário e objetos cenográficos. Figurinos de João Marcelino. |
Nada contra o método - tão importante quanto qualquer outro desde que combinado a seu habitat -, mas tudo contra a engenharia dos bastidores. O que é isso, se não a desconsagração de inúmeros professores de Balé Clássico, qualificados e experientes em outros métodos, e que ficarão de fora por causa da desnecessária exigência obrigatória de experiência comprovada na METODOLOGIA RUSSA/VAGANOVA, por meio de certificação. E a coisa é tão séria, para não deixar dúvida, que está em caixa alta. Estranhíssimo. Sugiro, inclusive, a quem elaborou o Edital, que assistam a série "O Preço da Perfeição", na Netflix. Acaso não favoreçam minha reflexão.
Espetáculo "Manoel de Barros, Alquimista da Palavra" - Teatro Municipal de Parnamirim - Escrito por Luís Carlos Freire que também assina o cenário e objetos cenográficos. Figurinos de João Marcelino. |
Por que somente esse método para o Balé Clássico? O que tem esse método que sobrepuja os demais? Nem todos os corpos se encaixam nesse método. Até mesmo os professores de Balé Clássico que trabalham, por exemplo, Vaganova Cubano, o fazem levando em consideração o biótipo brasileiro (corpos com maior massa muscular, portanto mais alto, pulo, muito pliê etc). Ou seja, fazem uma miscelânea, tendo em vista a incompatibilidade desse método com o corpo potiguar. Diferente das russas, com técnicas ao pé da letra, magérrimas, mais dançante, mais braço, mas linhas etc.
Espetáculo "Câmara Cascudo e o Tapete Mágico" - Teatro Municipal de Parnamirim - Escrito por Luís Carlos Freire que também assina o cenário e objetos cenográficos. |
Espetáculo "Manoel de Barros, Alquimista da Palavra" - Teatro Municipal de Parnamirim - Escrito por Luís Carlos Freire que também assina o cenário e objetos cenográficos. Figurinos de João Marcelino. |
Seria compreensível - embora esquisito - se a EDTAM pretendesse criar um ambiente específico para o método russo Vaganova, mas à parte, sem comprometer nem excluir os outros métodos, já que demonstra querer jogar holofotes no Vaganova. Não se trata de sugerir a criação de uma escola especializada em Vaganova, mas que houvesse um espaço físico específico para o mesmo, justificando esse estranho e inesplicável destaque a tal método. Para sermos honestos, o Vaganova puro nem combina com o físico das brasileiras, em especial, as potiguares. É só comparar os corpos. Longe de sugerir preconceito, mas é questão de corpo, de anatomia.. Portanto, para que essa seletividade?
A outra desconsagração observada no edital diz respeito ao universo da Cultura Popular. Estamos assistindo a uma decadência da Cultura Popular. É grave. Essa decadência ocorre com a conivência das autoridades dos municípios do Rio Grande do Norte, com raras exceções. Todas as instituições natalenses que trabalham com Cultura no aspecto de patrocínio, incentivo, revitalização, promoção etc, estão inertes quanto a salvar o Folclore Potiguar. Não se trata de engessar, por exemplo, grupos folclóricos, mas criar condições para que cada cidade potiguar, que têm suas expressões folclóricas, torne-as vivas, mesmo que sejam releituras ou, no mínimo, uma pegada parafolclórica.
Espetáculo "Manoel de Barros, Alquimista da Palavra" - Teatro Municipal de Parnamirim - Escrito por Luís Carlos Freire que também assina o cenário e objetos cenográficos. Figurinos de João Marcelino. |
Em se tratando do edital da EDTAM, não se viu um olhar diferenciado para a cultura popular de Natal. Vê-se a disponibilidade para Jazz, Danças Urbanas, Heels dance Balé Clássico, Dança Contemporânea, Sapateado, e dança de salão. Aplausos para todas essas danças, pois são lindas, necessárias e salvam. Mas a Cultura Popular, em termos do genuíno brasileiro, ou até mesmo do parafolclórico, ficou no escuro (em sucessivos editais). Isso é um perigo para a nossa brasilidade, e o pecado é superiormente maior quando as próprias instituições que trabalham com cultura não se sensibilizam a reverter o quadro.
Espetáculo "Dom Quixote em Parnamoscou" - Teatro Municipal de Parnamirim - Escrito por Luís Carlos Freire que também assina o cenário e objetos cenográficos. |
É necessário jogar holofotes, também, nos grupos folclóricos locais, trabalhar continuamente com oficinas voltadas para essa riqueza brasileira, revitalizando-as, dinamizando-as, enaltecendo-as, promovendo-as, exibindo-as. São muitos entraves que colaboram para que o Folclore não tenha a repercussão que se deve. Entra governo e sai governo e não se vê diferença. O poder público não pode se somar aos entraves.
Espetáculo "Manoel de Barros, Alquimista da Palavra" - Teatro Municipal de Parnamirim - Escrito por Luís Carlos Freire que também assina o cenário e objetos cenográficos. Figurinos de João Marcelino. |
Finalizando. Admiro a cultura como um todo. Escrevi vários espetáculos de dança, inclusive musicais. Sou cenógrafo. Trabalho com Arte. Minha fala não é isolada. Meu olhar é holístico. Por coincidência, meu filho, após esperar quase nove meses para conseguir um ingresso para o Bolshoi, em Moscou, Rússia, descreveu, radiante um espetáculo que ali contemplou. Meu filho, assim como eu, respira arte, embora, diferente de mim, sua área profissional seja outra. Digo isso para que não seja interpretado como se falando do que não se entende. Respiro arte.
Como disse no início: Sugiro, inclusive, a quem elaborou o Edital, que assistam a série "O Preço da Perfeição", na Netflix. Acaso não favoreçam minha reflexão.
Enfim, Não existe dança linda. Não existe dança superior. Existem danças lindas, seja Clássica ou Folclórica, e nenhuma é superior a outra. Por isso não entendi essa prioridade ao método Vaganova em Natal. Que me perdoe o mestre Cascudo, mas vejo como desconsagração e grande estranheza esse edital.