ANTES DE LER É BOM SABER...

CONTATO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio, sem a devida concordância. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto breves trechos isolados, desde que mencionada a fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

sábado, 21 de janeiro de 2023

Pã rã pã pã pã pã...

D. Raimunda em 2004 (Fotografia de Newton Bruno)

Os moços que vêm de Cuba

Que vão pra praia pra namorar

Sou eu alma resguardada

Tenho vergonha de me amostrar


Eu não vou pras conversas

Daqueles falsos galãos (galãs)

No fim de tudo eles querem

É pã, rã, pã, pã, ninguém é besta não. 


 Ah, negro, move a cintura

Ah, negro chegue para cá! 

Deixa-me sentir meu negrinho santo

Toda a sua formosura

Ah, veja, que não pode mais.


Um dia um moço bonito

Tava querendo me namorar

Falou nos meus ouvidos segredos

Que eu não vou revelar


Eu não vou pras conversas

Daqueles falsos galãos (galãs)

No fim de tudo eles querem

É pã, rã, pã, pã, pã, pã 


Ah, negro, move a cintura

Ah, negro chegue para cá! 

Deixa-me sentir meu negrinho santo

Toda a sua saborosura

Ah, veja, que não pode mais.

 

As moças que vão na de Cuba

Que vão pra praia toda manhã

Vestindo roupinha curta

E passeando de catamarã

Não sabem da missa um terço

E do celebro que vão encontrar

No fim de tudo elas querem

É pã, rã, pã, pã, pã, pã... 


Ah, negro, move a cintura

Ah, negro chegue para cá! 

Deixa-me sentir meu negrinho santo

Toda a sua saborosura

Ah, veja, que não pode mais.


De todos negros do Porto

Existe um que é bem bonitão

O cabra é conversador,

Tem lábia pra um mihão

Eu não vou pras conversas

Desses falsos galãos (galãs)

No fim de tudo eles querem

É pã, rã, pã, pã, ninguém é besta não. (bis)


Ah, negro, move a cintura

Ah, negro chegue para cá! (Bis)

Deixa-me sentir meu negrinho santo

Toda a sua saborosura

Ah, veja, que não pode mais.


Ontem um mulatinho

Tava querendo me ca que cá,

Me disse: cabocla santa,

Quero ser o seu papai

Fomos ao seu apartamento

E onde se leva, se dá

Fiquei sozinha e pã, rã, pã, pã…


Ah, negro, move a cintura

Ah, negro chegue para cá! (Bis)


Deixa-me sentir meu negrinho santo

Toda a sua saborosura

Ah, veja, que não pode mais…


De todos os negros do Porto

Ele é o único que fala inglês

Ele sabe dizer gachimonha

E eu com pressa respondo yes

Todos os americanos

Dizem que vivem a turistar

Mas ao verem o Porto

Pã, rã, pã, pã…


Ai, negro, move a cintura.

Ai negro, se jogue para cá

Deixe-me sentir meu negrinho santo

Toda sua saborosura

Ai, veja, que não posso mais


De todos os negros do Porto

Existe um que é o mais gostosão

Que anda lá pelo cais

As negras ficam loucas

Por minha cintura em forma de flan

Por que dizem que eu tenho

Paranpanpan-pan-pan


Ai negro, move a cintura

Ai negro, se jogue pra cá

Deixa-me sentir meu negrinho santo

Toda sua saborosura

Ai, olhe, que não posso mais...

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Nas minhas garimpagens folclóricas, encontrei esse tesouro na comunidade do Porto (Nísia Floresta) em 1992. Era cantado pela Srª Raimunda, que fazia dupla com a Srª Salete em outros dramas. A história completa pode ser lida neste mesmo blogue. É só ir na lupa e escrever PIRÃO BEM MOLE que a página abre.


sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

O que Barros de Vidal escreveu sobre Nísia Floresta

 

Eis o texto de Barros de Vidal:

"NÍSIA FLORESTA: A PRECURSÔRA DO FEMINISMO DO BRASIL

A sensação paradoxal que nos assalta quando vamos galgando uma montanha e que a subida se vae tornando penosa ao mesmo tempo que mais deslumbradores se revelam os panoramas que se vão offerecendo aos nossos olhos, foi exactamente o que aconteceo comnosco, nesta longa difressão a que nos obrigou a curiosidade de descobrir qual a precursora do feminismo no Brasil.

Percorrendo archivos velhos e bolorentos, examinando manuscriptos e mergulhando o olhar vigilante nos recessos das bibliothecas, só não nos curvamos ao peso do cansaço porque neste volume e naquelle documento iamos descobrindo vultos de mulher, marcantes e gloriosos, que derramaram grandes claridades espirituaes sobre as épocas em que viveram.

Valiam pelos panoramas que attenuavam a fadiga do viajante que subia a montanha. Mas entre tantas expressões femininas de pensamento que sobresahiram desde o alvorecer do seculo passado e que se tornaram e que se tornaram immortaes pelas poesias que escrevaram e pela prosa que burilaram, impunha-se precisar qual dellas primeiro se tinha entregue a essa causa redemptora, qual dellas fôra a precursora do feminismo no Brasil. E verificando datas, consultando esboços biographicos, alguns mal definidos, chegamos frente a uma mulher toda poema e cujo nome cantante é, em si, Nísia Floresta Brasileira Augusta.

Foi ella, sim, a primeira mulher que advogou a causa sagrada da emancipação feminina; foi ella quem fundou essa escola que se firmou, inabalável, na successão dos annos e que começou por esmagar preconceitos, derrrubou convenções e acabou victoriosa com as grandes conquistas que beneficiam a mulher de hoje.

Nísia Floresta – chamemol-a de agora em deante assim – surgiu assombrando os ambientes com as suas idéas revolucionarias para a época e ostentando uma cultura rara nas mulheres daquelle tempo. Sua vida é todo um oceano de agitações continuas, de viagens successivas, de romances e dramas vividos com emoção. Servida por uma intelligencia lucuda ella encontrava no papel e na tinta os seus confidentes mais intimos; dahi a documentação, que se póde classificar de farta, que legou á posteridade e que tem sido fonte de aguas sem fim a inspirar seus biographos.

Filha do advogado portuguez Dionysio Pinto, que foi assassinado no dia 17 de Agosto de 1828, nas redondezas de Recife, e da senhora brasileira Antonia Clara Freire, Nísia Floresta nasceu no sitio “Floresta”, num dos mais bucolicos recantos de Papary no Rio Grande do Norte, a 12 de outubro de 1809.

Casou muito cêdo e não foi feliz nesse primeiro matrimônio, pois aos 15 annos de edade abandonou o marido, Manuel Alexandre Seabra de Mello, que muito a maltratava, indo com os paes para Recife, isso em 1824. Ahi teve a sua grande paixão, “leit-motiv” das suas divagações litterarias e que mesmo com a morte prematura do eleito não desapareceu de sua alma, projectando-se sempre como uma sombra, nas claridades de sua imaginação. Manuel Augusto de Faria Rocha – esse o inspirador da grande paixão – o Augusto a que, no correr de sua existência, Nísia Floresta se refere com exaltação, recebendo o grau de bacharel em Direito na  Faculdade de Olinda em 1832, seguiu, no anno seguinte, para Porto Alegre. Nísia Floresta levando sua irmã caçula, de nome Clara, acompanhou-o. Se casaram ou não, pouco importa saber; o que impporta é que em 1835 quando Augusto morreu, aos 25 annos de edade, dos três filhos dessa união sobreviveram dois: Livia Augusta de Faria Rocha e Augusto Americo de Faria Rocha, pois o primeiro falleceu  em tenra idade. De Porto Alegre, onde se demorou cinco annos e onde se tornou admirada e querida, veiu para o Rio em 1837. Aqui inaugurou o seu “Collegio Augusto” em 1838, continuando a dedicar-se ao magisterio no qual se iniciara ainda na capital gaucha. Nisia Floresta se impôz como professôra, creando fama o seu collegio, não só pelo notavel aproveitamento dos alumnos como pela rigida disciplina nelle observado, não obstante a campanha de diffamação movida através das columnas do “Mercantil”, contra “a brasileira que tivera a ouzadia de abrir um collegio para instruir suas patrícias”. Da reputação de Nisia Floresta falava-se muito, havendo contra ella um movimento de gente anonyma que não vacilava em atassalhar-lhe a honra, descrevendo até as suas possíveis aventuras com um chapeleiro e um sacerdote.

Adaucto da Camara, que fez o mais completo trabalho dos que tenho lido sobre Nisia Floresta, defende-a com clareza e com argumentos decisivos dizendo que “não seria possivel, entre tanto preconceito, tanta carolice, espiada por enxames de bisbilhoteiros, uma directora de collegio de meninas, com uma enorme responsabilidade moral, praticasse deslizes que poderiam incompatibilizal-a immediatamente com a sociedade em que vivia, inflexivel em punir as leviandades ou a quebra de compostura”. De mim  para mim confesso - e não vae neste pensamento nehum propósito de macular a memoria dessa grande mulher - que não acredito tenha sido ella um modelo de pureza, sobretudo no largo periodo em que viveu na Europa, rodeada de conforto, transpondo a fronteira de differentes paizes com a facilidade que só o dinheiro farto permite, sabendo-se que daqui não levou recursos nem daqui os recebia .

 

Ella soube, entretanto, vencer os detratores e seu collegio progrediu até que realizou a sua primeira visita á Europa em 1849, embarcando com a filha, o principal motivo da viagem (8) na galéra franceza “Ville de Paris”, rumo ao Havre, a 29 de Outubro. A 10 de Fevereiro de 1852 ella regressava ao Rio viajando no vapor inglez “Teviot”, com sua filha Livia e o filho Augusto, que a ellas se fôra juntar. Aqui se deixou ficar quatro annos, voltando a 10 de abril de 1856 para a Europa, no “Cadix”, navio francez. Longos dezesseis annos ficou longe dos nossos panoramas dos quaes, é verdade, nunca se esqueceu, porque a cada passo, nas paginas que escrevia derramava as saudades que lhe transbordavam da alma e evocava o recanto que lhe serviu de berço e os entes queridos desapparecidos. Em 1872 (31 de maio) tornou ao Brasil, vivendo aqui apenas tres annos para a 24 de março de 1875 voltar ao Velho Continente, por coincidencia no mesmo navio em que viera o “Neva”, para nunca mais voltar. Dez annos depois de sua partida o destino marcava o ponto final de sua existencia. Foi na cidade franceza de Rouen que ella cerrou os olhos para sempre, nos braços da filha, em 24 de abril de 1885.

Se a morte teve forças para aniquilar-lhe a vida  - o Tempo não as teve para apagar-lhe a obra. Esta foi maior que aquella, sem duvida. E a prova disso ahi está na gloria que os estudiosos reverenciam e enaltecem, tantos annos depois…

 * * *

Nisia Floresta revelou-se escriptora mostrando que trazia, dentro em si, abafado, um grito de rebeldia, traduzindo do francez o opusculo de Mrs. Godwin, em 1832. Foi esse o seu primeiro trabalho litterario, que ella intitulou “Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens”. Esse livro encerrava o seu cartaz de lucta. Traduzindo, livremente, a obra então famosa, ella conquistava o titulo de precursora, no Brasil, do feminismo. Seu grande sonho, dentro do qual se entricheirara a sua intelligencia lucida era a exaltação da mulher a um plano mais elevado na sociedade. A sua visão bem esclarecida sobre as cousas, á sua situação de mulher a quem a grande cultura do espírito collocava á frente de sua época cincoenta annos pelo menos, parecia deprimente o espataculo que a quasi escravidão do seu sexo offerecia aos seus olhos. Dahi começar a mostrar a necessidade da rehabilitação da mulher; dahi começar a escrever sobre o que ella chamava a “Injustiça dos Homens” para clamar pelos “Direitos da Mulher”. Os artigos que escreveu n“O Liberal” sobre a “Emancipação da Mulher” dizem bem do ardor com que abraçava a causa em que sua voz era a unica, sem encontrar echo. No mesmo orgão de imprensa lançou uma nova serie de escriptos sobre a “Educação Moral dos Homens” versando sempre sobre a mesma these que a apaixonava. Por que as reivindicações sonhadas por Nisia tinham os seus limites marcados na “situação melhor” que pleiteava para a mulher, e que não deixava de ser muito para uma época em que as algemas dos preconceitos eram fortes demais. É verdade que ella lançou a semente em terreno árido que o esforço de suas successôras transformou em fertil. E se no inicio de sua actividade litteraria, obedecendo a um impulso natural que a sua cultura soube dirigir, reclamou Direitos para a mulher, depois de ter convivido na Europa com os genios de então, mais fortaleceu o seu enthusiasmo e argumentos mais poderosos alliciou para dar vulto á sua ellevada campanha. Mas a par disso ele se entregava a seus devaneios litterarios escrevendo toda uma serie de livros em que a sua alma exhibia todos os seus esplendores: “Conselhos á minha filha”, em 1842; Daciz ou a Jovem Completa” (“Historia moral por huma brasileira”) em 1874; “A lagrima de um caheté”, assinado por Telesilla (Pseudonymo de Nisia) em 1849; “Dedicação de uma amiga”, romance historico, em dois volumes, em 1850. “Opusculo Humanitario”, em 1853 e no qual estuda a posição da mulher na sociedade, os erros de sua educação, a má influencia exercida pelo romantismo sobre o espirito feminino; “Itinéraire d’un voyage en Allemagne”, lançado em Paris em 1857; “Scintille d’un’ánima brasileira”, em Florença em 1859, cinco capitulos subordinados a estes titulos: “O Brasil”, “O abysmo sobre as flores da civilização”; “A Mulher”, “Viagem Magnetica” e “Um passeio no jardim de Luxemburgo”. Em 1864 publicou em Paris “Trois ans en Italie” (suivis d’un voyage en Gréce”, par une brésilienne”) que Adaucto Camara considera a sua obra prima. Vem, finalmente, o seu último volume, “Fragments d’un ouvrage inédit”, em 1878, que seria um capitulo de suas “Memorias” que tudo leva a crêr, não chegariam a ser escriptas. Outras paginas de real valor, pella belleza do estylo e pela audacia dos conceitos, a precursora do feminismo no Brasil teria escrito - mas ficaram esparsas, perdidas em publicações que não sobreviveram á marcha dos annos e sobre as quaes ella espalhou as scintillações do seu espirito iluminado…


* * *

Chamal-a a George Sand brasileira não seria apropriado , embora entre ambas houvesse grandes pontos de contacto, mesmo porque em Nísia Floresta o espírito de exhibição era menos accentuado, mais pallido que naquella. Mas Nísia Floresta em nossos ambiente social e litterario teve, sem duvida, actuação que lembra  a da grande escriptora franceza, para quem “o escandalo era o unico meio de esbofetear a sociedade”. Na sua vida agitada na Europa, Nisia conviveu com os maiores vultos do seculo. Foi amiga intima de Augusto Comte; privou, bem de perto, com Lamartine e com Victor Hugo. Littré, Azeglio e Manzoni lhe eram familiares, assim como Duvernoy e Saint-Hilaire. Alexandre Herculano foi uma das grandes figuras com quem ella tambem privou e Antonio Feliciano de Castilho, o grande poeta portuguez com quem Nisia entreteve relações de amizade e que teria escripto sobre ella algumas páginas de admiração. 

A vida da escriptora, nas capitaes e cidades da Europa, nas quaes esteve vinte e seis annos, foi sempre faustosa e inquieta. De Paris ella se transpunha de um dia para o outro, rumo á capital da Italia, á Inglaterra, á Allemanha, num curioso desassocego que era bem um reflexo das inquietudes que lhe marcavam o espírito, amante de aventuras.

* * *

Os jornais, na sua maioria, encaravam com sympathia a acção de Josephina Alvares de Azevedo e só houve um em São Paulo que, embora tecendo elogios á sua campanha, lhe fez, respeitosamente, algumas restricções.

Mas ella continua a lutar, acompanhada por um grupo valoroso, no qual se destacavam a poetiza Narcisa Amalia, Revocata de Mello, Priscilina Duarte, Maria Clara Vilhena da Cunha, Julieta Monteiro, Amelia Rodrigues, allem daquellas cujos nomes figuram no frontispicio do número de “A Familia” que acompanha estas linhas.

Nada menos de quarenta e cindo numeros de “A Familia” foram publicados e em todos Josephina Alvares de Azevedo escreveu “artigos que hoje as feministas não teem tido animo de subscrever, clamantes, cerrados de logica e de bom senso”. A invencivel batalhadora evoluiu dentro deuma ideologia e, se a principio queria que a mulher se instruisse para assim emancipar-se, depois já avançava mais clamando: “Queremos o direito de intervir nas eleições, de eleger e ser eleitas como os homens, em egualdade de condições.

Essa creatura de alma superior, de alma arejada e espírito forte, que não procurava os espelhos para admirar a belleza com que a Natureza lhe modelara a mascara e lhe rasgara os labios sensuaes, tinha assim o direito de exclamar: “Posso dizer com orgulho que ninguém com mais enthusiasmo e amor tem tratado do meu assumpto no Brasil”.

Agitando a questão,á qual consagrara a sua vida, Josephina Alvares de Azevedo levou até á Constituinte, porém. Mas sua tempera não cedia implacavel, castigou os legisladores com essas palavras candentes: “ Por sis sós os homens nunca fariam grandes cousas. E no entanto somos as depositarias dos mais sagrados thesouros com que os homens fazem  residir a sua felicidade: a honra no amor, a crença no bem e a fé na esperança”.

Por tantos titulos, Josephina Alvares de Azevedo não deixa de ter o seu logar de honra na galeria das feministas do Brasil. Embora não tenha sido a precursora, ella foi, como confessou, uma convicção e um esforço. Esforço e convicção sem duvida, que deram o maior impulso nessa causa, da qual Nísia Floresta foi a idéa e Josephina Alvares de Azevedo o movimento!

* * *

Sem o propósito de traçar a historia do feminismo no Brasil, estudadas estas duas figuras, sem favor as de maior projeção, é como um dever uma referência ao menos ás que lhes seguiram o caminho. Inez Sabino é um nome que não pode deixar de ser citado, dada a efficiencia de sua actuação; a drª Isabel de Mattos Dillon que no reinado de Pedro II, tornou-se conhecida pelo seu desejo de votar; o de D. Marianna Noronha que requereu o direito de voto para o seu sexo; a sra. Ondina Brandão, em 1916. Vem a seguir a professora Leolinda Daltro cuja actividade impressionante lhe dá o direito de ser considerada a mulher que, no seu tempo, mais trabalhou pela causa da emancipação feminina. Popullarissima ela punha o seu ideal acima de tudo e zombava do ridículo em que a tentaram  collocar, não poucas vezes. Na historia do feminismo no Brasil, pela acção intensa que desenvolveu, deve figurar em 3º logar, logo depois de Nisia e Josephina. A sra. Bertha Lutz, a dra. Myrtes de Campos e dezena de outras mulheres trabalharam também pela causa da redempção feminina. E a verdade é que a causa triunphou. Triunphou para a felicidade dos homens que vêem hojea mulher, hombro a hombro com elles, nas officinas e nas bancas de trabalho, produzindo e realizando e até lutando nos campos de batalha!"

BARROS DE VIDAL

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1 – Henrique Castriciano, intellectual que estudou a vida de Nisia Floresta, esteve no sitio “Floresta”, no Papary, para vêr a casa em que nasceu a grande feminista. Não mais encontrou.

2 -  Ha autores que affirmam ter Nisia Floresta nascido em 1810, como, por exemplo, a sra. Mariana Coelho no seu livro !Evolução do Feminismo”, pagina 211, mas a maioria dos que tem escripto sobre ella fazem referencia á data de 12 de outubro de 1809 como a do seu nascimento.

3- Nisia no “Passeio no jardim de Luxemburgo” refere-se ao nascimento de “um segundo fructo dos seus amores que veio preencher o logar do primeiro cedo arrebatado pela morte”.

4 – Roberto Seidl

5 – “Mensario do Jornal do Commercio”, Tomo II, vol. II, de maio de 1938, pagina 706, transcripção da conferencia realizada por Adaucto da Camara, sob os auspicios da Federação das Academias de Letras, em 16 de Março de 1938, no Club Militar.

6 – No mesmo volume, tomo e pagina citados acima.

7 – Adaucto Camara, no seu substancioso trabalho, embora com toda a boa fé, levanda duvidas sobre a proveniencia dos recursos de que Nisia Floresta dispunha para viver, sem apertos financeiros, tanto tempo na Europa. Ele indica fontes para se apurar o caso perguntando: “Donde provinha tanto dinheiro?” Insinua que é possível que gozasse de tanta fartura, por herança. É mais logico que se acredite que em sua vida – ella era tão viva, tão insinuante e tão amorosa! – houvesse a sombra de um homem que a protegesse, o que nada depoe contra ella, pois Nisia era uma mulher livre de compromissos.

8 – Essa viagem foi determinada pela necessidade em que se viu Nisia Floresta de levar a filha á Europa por ter sido ella victima de um accidente, segundo Adaucto Camara narrou em sua conferencia: “A 7 de setembro de 1849, partindo de sua residencia, na rua D. Manuel, 20, a cavallo, para visitar o tio Joaquim no Andarahy, succedeu que ao chegar á Praça Pedro II (hoje XV de Novembro) a alimaria se assustou com o espetaculo marcial de uma tropa que desfilava e a amazonia levou o tombo”. A conselho do dr. Soares de Meirelles,  o medico de maior evidencia na epoca, Nisia resolveu leval-a para a Europa.

9 – Alguns desses artigos não tinham a assignatura nem as iniciaes de Nisia Floresta. Ao fim delles appareciam tres asteriscos mas o estylo é todo seu.

10 – Dessa obra não existe nenhum volume, nem na Biblioteca Nacional, nem na do Instituto Historico nem na do Gabinete Portuguez de Leitura. Sabe-se que foi editado em Nitheroy, na Typographia Fluminense”, de Lopes & Cia.

11 – REVISTA DA SEMANA de 3 de dezembro de 1938.

12 – No primeiro número de “A Familia”, Dezembro de 1888.

13 – A poetisa Narcisa Amalia pretendeu para si a gloria de ter sido a primeira mulher a lutar contra a “escravidão feminina”. A esse respeito chegou a escrever uma carta a Josephina Alvares de Azevedo, carta essa publicada num dos dez ultimos numeros de “A Familia”. Mas é fora de duvida que antes de ambas, como precursora do feminismo, se agiganta o nome de Nisia Floresta.

14 – Mercedes Dantas, em chronica publicada na REVISTA DA SEMANA, edição nº 15, de 30 de Março de 1929.

15 – A “Provincia de S. Paulo” em artigo vasado em termos respeitosos, criticou os propositos que Josephina Alvares de Azevedo animava com a intenção de serem dados direitos politicos á mulher, depois de elogial-a e aplaudir a campanha que ella vinha leaderando.

16 – “Evolução do Feminismo”, de Marianna Coelho, pagina 213, edição de 1933.

Barros Vidal