Memória do Rio Grande do Norte – Nísia Floresta - 1963 - Berço da Campanha da Campanha da Fraternidade no Brasil - Pioneirismo Feminino das Missionárias de Jesus Crucificado - Herança do "Movimento de Natal".
Essa primeira fotografia, icônica, alegre e cheia de espontaneidade,
datada de 1963, passaria despercebida se não consistisse num marco sem
precedentes na História do Rio Grande do Norte, em especial, ao bucólico município
de Nísia Floresta. É o flagrante de um capítulo inédito, marcado por
pioneirismos protagonizados pela Igreja Católica há mais de meio século –
inclusive no âmbito do feminismo -, mas cuja história ainda é desconhecida por
muitos brasileiros.
As "Irmãs Vigárias" chegaram à Papari em 1963 para
proporcionar aos nisiaflorestenses duas das experiências mais belas já
ocorridas no Brasil: 1) foi a
primeira paróquia sem padre confiada a religiosas. Trabalho inédito no mundo, e
que foi denominado de vigárias de paróquia sem padre, e que se tornariam conhecidas
com as “Irmãs Vigárias”; 2) essas
mulheres foram pioneiras, vergônteas da Campanha da Fraternidade no Brasil no
ano de 1964. A sombra desta mangueira frondosa vista na fotografia – que existe
até hoje -, testemunhou um projeto que está vivo em todo o Brasil, e é marcante
principalmente nas memórias de inúmeros nisiaflorestenses, hoje idosos, que
narram a experiência com grande emoção.
Esse flagrante é apenas o tijolo de uma obra monumental. Na verdade, não
dá para contar a história das Irmãs Vigárias, nem do surgimento da Campanha da
Fraternidade sem destrinçar uma história que veio bem antes. Tentarei resumir
até chegar ao assunto principal.
A ideia germinou nas mentes de renomados sacerdotes católicos, dentre eles Dom Eugênio Sales, inspirado numa experiência um pouco semelhante, vista na Alemanha, onde estudou por um curto período, de onde trouxe todo o material da estrutura da “Misereor”.
D. Eugênio Sales conversando com o escritor Antonio Pontes |
Muitas figuras de grande destaque da Igreja católica nem eram padres
ainda quando participaram ao lado de religiosos recém formados. No caso dos
então já sacerdotes, se destacam monumentos humanos em extinção, como Eugênio
Sales, Expedito Sobral de Medeiros (futuro apóstolo das águas), Nivaldo Monte,
Alair Vilar e outros padres de grande ilustração.
Determinadas inovações adquiriram repercussão nacional, como por
exemplo, as "Irmãs Vigárias", as quais assumiam as paróquias que não
tinham padres. Desse modo elas exerciam o mesmo papel dos sacerdotes. Outra
iniciativa foi as Escolas Radiofônicas que impulsionaram as Comunidades
Eclesiais de Base. Na vasta programação da emissora de rádio, incluia-se aulas
ginasiais para formação de adolescentes e jovens.
O Movimento de Natal, na realidade, era muito amplo e abrangia diversos
segmentos da sociedade, como também a organização dos trabalhadores em
sindicatos rurais, a primeira Federação dos Trabalhadores Rurais do Rio Grande
do Norte, jornais impressos que eram aguardados pelo povo como ouro devido à
riqueza de conteúdos. Esse trabalho não nasceu do nada, afinal “ex nihilo nihil
fit'', ou seja, nada vem do nada. É fruto de uma organização e vários cérebros,
e no bojo disso tudo não há como não voltarmos no tempo e nos reportarmos ao padre
João Maria, um visionário. Homem de vasta cultura que, em pleno final do século
XIX e início do século XX, realizou obras adiante do tempo, ignoradas por
muitos, e me faz entender que, mesmo sem relação alguma com o escopo do
Movimento de Natal e da Campanha da Fraternidade, sua face está nessas obras.
Naquele tempo (1948) os religiosos potiguares se reuniam com muito mais
frequência, desde o bispo aos seminaristas, havia reuniões frequentes para pensar
e deliberar sobre os problemas da igreja, as problemáticas sociais e como
trabalhá-las. Os seminaristas viviam nos arrabaldes de Natal – e como fazia o
padre João Maria –, eram presenças vivas nas favelas. Calçando chinelas tipo
Havaianas, esses jovens que pretendiam ser padres, viviam pisando em ‘cocô’ de
menino, atolando o pé na lama, saltando pinguelas, tomando água de pote em lata
de conserva, preocupados unicamente em ensinar o evangelho, dentre outros
ensinamentos que engrandeciam os excluídos enquanto pessoas humanas.
Naquele tempo os seminaristas não eram adotados por madames, não se
enclausuravam em prédios, entretidos com notebooks, iphones de última geração,
perfumes caros, roupas caras. Eles aprendiam a ser padres no meio da pobreza,
conhecendo de perto as doenças sociais e espirituais, qualificando-se para
depois “curá-las”. Os seminaristas eram meio a la São Francisco de Assis ou até
mesmo a la padre João Maria. Se hoje o “voto de pobreza” se resumiu a uma
simples frase - salvas as raras exceções - naquele tempo era literalmente o que
denominam de chamado/missão.
Outra catapulta preciosíssima desse projeto foi o surgimento do Serviço
de Assistência Rural, que estruturava todas as atividades do Movimento de Natal
e, com ele, politizava o homem do campo, o pequeno produtor, enfim dava visibilidade
ao meio rural, cujo o Sr “Zé Ninguém” também aprendia política e como ser um
pequeno produtor sem necessariamente depender apenas do patrão.
Crianças defronte à Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, no dia da Primeira Comunhão, tendo as Missionárias de Jesus Crucificado adiante das celebrações. |
É audacioso resumir a significação dessa ideia tão feliz, pois, como já
escrevi, é ampla demais, envolvia conscientização de classes, criação de
centros sociais, clubes, cursos nas mais diversas áreas, treinamentos de
lideranças, educação sistematizada, cooperativas, sindicatos rurais,
valorização do artesão, colonização, consciência política e muito mais.
Inspirava as pessoas a serem seres sociais, envolvidos, peocupados com suas
vilas, suas cidades. A igreja católica provocou um terremoto sem precedentes, e
que no futuro inspiraria até os evangélicos e instituições diversas do estado.
Ao longo da vida, li todas as obras escritas sobre o padre João Maria
(inclusive escrevi praticamente um livro ‘não publicado sobre ele’: está no meu
blogue), portanto percebo que mesmo que talvez muitos nem pensem assim - ou
pensem - sei lá! enxergo no projeto Movimento de Natal a imagem do Padre João
Maria. Muitas pessoas estão habituadas a visualizar apenas o aspecto ‘santo’ do
padre João Maria, e nessa ideia de um “sacerdote bonzinho e santo”, desconhecem
a dimensão gigantesca do homem político, do homem visionário, preocupado com
aspectos sociais, educacionais, sanitários etc.
Padre João Maria não foi apenas aquele homem bonzinho e caridoso, que
dormia no chão da sacristia da Igreja Velha, que doava a própria comida para
quem passasse pedindo. Ele deu testemunho abnegado na tentativa de tornar cada
potiguar um ser humano pleno, politizado, são de corpo e mente. Além de
verdadeiro São Lázaro, foi um político em extinção (e isso não o diminui – por
aparentemente deixá-lo mais parecido com os homens comuns -, pelo contrário
aumenta a sua grandeza de homem e de sacerdote). Se vivo, hoje, diante da atual
realidade, não sei o que ele seria capaz.
Comunidade nisiaflorestense acompanhando as Missionárias de Jesus Crucificado no Primeiro Gesto Concreto da Campanha da Fraternidade, runo ao distrito de Timbó, em Nísia Floresta. |
Pois bem, o Movimento de Natal, apesar de ter o seu aspecto religioso -
afinal era uma ação nascida na Igreja Católica -, sua dimensão social dilui
praticamente o caráter religioso, quando se olha para a sua iniciativa de
promover cidadania plena e civilidade para todos. Ela visava o comunitário,
independente de religiosidades ou da falta delas. Seu objetivo era construir
homens e mulheres com saúde física e mental, e bem educados. Tudo o que os
políticos atuais não querem proporcionar ao povo. E tudo isso encontrou amparo
nos documentos do Concílio Vaticano II, que enquanto para alguns religiosos -
daquele tempo e até mesmo atuais - salvas as devidas exceções -, foi um passo
deplorável da Igreja Católica, para outros foi uma escada para o Céu. Se bem
que o Céu começa aqui.
É interessante ressaltar que o Movimento de Natal e as atividades
inspiradas nele se deram ao longo de três décadas, cuja pedra fundamental se
deu no final da década de 1940, adentrando no início dos anos 70. Inclusive
muitas iniciativas inspiraram a CNBB a levá-las para outras regiões brasileiras.
Alguns estados eram tão carentes daquelas iniciativas que o projeto de Natal
tornou-se inspiração para eles. Outros lugares o receberam, mas Nísia Floresta
foi pioneira em dois grandes marcos.
A partir de 1945 o projeto deu origem às escolas de Serviço Social.
Alguns bairros de Natal viviam em situação precária. Desse modo a Igreja
Católica passou a montar ali políticas públicas e iniciativas mais intensas de
evangelização, inclusive em presídios, local de apoio e assistência às mães
solteiras, cursos técnicos de administração, criação de escolas-ambulatórios,
centros sociais que eram polos de reuniões, surgimento de maternidades em
alguns municípios, cursos e todo tipo de atividades cidadãs, cooperativas,
inclusive o Patronato de Ponta Negra que era uma verdadeira universidade que
fluía o que de melhor se podia no sentido de melhorar a qualidade de vida do
homem urbano e rural. O escambau! Observem que algumas políticas
governamentais se inspiraram nessas práticas criadas pela Igreja Católica. Isso
é fato.
Surgiu a Casa do Bom Pastor, atuante até hoje, com um serviço
imensurável do padre belga Thiago Theisen (falecido recentemente; lembrando que
por pouco ele faria parte do grupo de sacerdotes pioneiros acima mencionado,
tendo em vista que chegou a Natal pouco tempo depois, em 1968). Lembrando que
ele é o criador daquele artesanato marcante, feito de palha de coqueiro, no
distrito do Timbó, em Nísia Floresta. Isso, ouvi num depoimento que ele me deu
em 2014, na casa paroquial do Bom Pastor.
Muitas iniciativas decorrentes do Movimento de Natal firmaram
compromisso com o poder público. É o caso do Departamento Nacional de Obras e
Saneamento, que no ano de 1957 deu toda a assistência para que funcionasse em
Pium, em Nísia Floresta, a sua primeira experiência de colonização daquele vale
totalmente inabitado e que recebeu uma colônia de agricultores vinda do Japão.
Observem como Nísia Floresta foi palco de ações excepcionais.
Os japoneses se instalaram ali para trabalhar com a agricultura,
especialidade que dominavam com maestria. Depois vieram famílias potiguares de
diversas localidades. O Vale do Pium tornou-se referência em agricultura
familiar, fornecendo hortifrutigrangeiros para todos os municípios vizinhos. Em
1992, entrevistei uma porção de idosos dali. Eles contaram, emocionados, que
semanalmente saiam frotas de caminhões carregados hortifrutigranjeiros de Nísia
Floresta (iiso também está no meu blogue).
No bairro das Quintas, em Natal, surgiu um serviço de atendimento ao
menor delinquente, proporcionando-lhe alfabetização e iniciação profissional.
No final da década de 1950 criaram a famosa Emissora de Educação Rural e depois
as Escolas Radiofônicas. O Movimento de Natal – esse colosso de Rodes -,
desencadeou muitas reuniões, simpósios, conferências, seminários pelo Nordeste
e em algumas partes do Brasil. Foi um período de grande entusiasmo. O projeto
era um farol.
Em 1961, a Presidência da República e a CNBB em parceria criaram o
Movimento de Educação de Base, cujo trabalho foi estendido para diversas
regiões do Brasil. Depois surgiu o Setor de Migrações, o qual dava assistência
para distribuir os migrantes fugidos da seca.
O sindicalismo no Rio Grande do Norte perpassou pelo Movimento de Natal.
Em 1947 (observem o ano!), Dom Eugênio Sales fez uma histórica e impactante
pregação sobre a “Reforma Agrária”, tema polêmico, que fez com que alguns
poderosos se distanciassem temporariamente da igreja, preocupados com os seus
latifúndios.
Em 1963 ocorreu a primeira grande campanha
para coleta em favor das obras sociais e apostólicas das três dioceses
existentes no Rio Grande do Norte. Essa ação concreta seria chamada de “Campanha
da Fraternidade”, e teve o seu primeiro gesto concreto justamente em Nísia
Floresta, sob a responsabilidade das Irmãs Missionárias de Jesus Crucificado, e
esse acontecimento evidencia fortemente uma das faces do feminismo no Brasil. Essa
data foi marcante para o município de Nísia Floresta, e para o feminismo
potiguar. Já imaginou num universo cem por cento masculino surgir as “irmãs
vigárias”, freiras que administravam paróquias. Vejam que inovação! O projeto
se estenderia também aos municípios de Taipu e São Gonçalo do Amarante, mas
Nísia Floresta foi pioneira nessa mudança.
Importante destacar que no bojo das inúmeras ações do Movimento de
Natal, surgiu o Setor de Politização com a função de promover Educação Política
nas populações rurais, visando combater o “voto de cabresto", os “currais
eleitorais”, “o “voto de carbono” e a exploração de políticos que fazem a
“indústria da seca”, combatendo os chamados “currais” eleitorais. A igreja, a
meu ver, se aproximou muito de Jesus NESSA ÉPOCA, e quase o tocou. O Evangelho
buscava a essência cristã, e para isso também precisava ser construído com os
fiéis o conhecimento sobre política, afinal quem condenou Jesus? Creio que
Jesus foi o maior político que já pisou na Terra.
Pois bem, o dito
Movimento de Natal não parou em 1963. Ele permaneceu vivo e atuante até o
início de 1970, inovando, criando escolas, pastorais diversas, inclusive de
saúde e da criança (lembrando que o Padre João Maria fazia praticamente isso
100 anos antes - vejam como ele não era apenas o santo!). Depois vieram
parcerias com o MEC e surgiu a Rádio-TV Educativa permitindo a adolescentes e
adultos cursarem através de aulas radiofônicas o ensino ginasial.
Acredito que o Movimento de Natal foi a experiência pastoral mais
importante na história da Igreja Católica do estado, pela substancialidade,
inovação e referências. Foi uma ação visionária que hoje, se imitada por
políticos, colocariam o Brasil nos trilhos. É certo que, para aquele momento,
tudo consistiu em novidade. Eram tempos de maiores precariedades, mas esse ‘insight’
da Igreja Católica realmente foi impressionante e providencial.
Os atores religiosos e leigos daquele tempo atacaram problemas sérios
com uma mentalidade visionária. Tudo o que foi feito era exatamente o que se
necessitava. Era um remédio curando feridas sociais abertas e que sangravam há
muito tempo (e que os políticos não estavam nem aí, salvas raríssimas
exceções).
O projeto foi tão importante que se fez notícia em vários países, cujo
provincial Rio Grande do Norte nem parecia um lugar pacato e parado no tempo. E
isso - a meu ver - diga-se de passagem -, é importante porque comprova o valor
da sabedoria humana (tão escassa atualmente, inclusive dentro das próprias
igrejas católica e evangélicas, sejam de que outra doutrina for -, salvas as
raras exceções). O próprio nome “Movimento de Natal” foi inspirado numa notícia
internacional que assim denominou o fenômeno que acontecia em Natal.
Foi no acanhado e bucólico povoado de Timbó, distrito de Nísia Floresta,
que, no ano de 1963, aconteceu o primeiro gesto concreto da Campanha da
Fraternidade, coordenado pelas Irmãs Missionárias da Congregação de Jesus
Crucificado. A comunidade, em peso, percorreu todos os bairros e lugarejos,
arrecadando prendas e outras doações que seriam destinadas a quem realmente
tinha fome. Como isso faz falta hoje!
Não há nisiaflorestense - testemunha daquele tempo - que não fale dessa
experiência com amor e saudade. Alguns choram! É impressionante! As irmãs
fizeram a diferença porque tinham comprometimento com os pobres. Não eram
religiosas preocupadas com coisas supérfluas, nem viviam atreladas aos
poderosos nem aos políticos.
Junto aos nisiaflorestenses, essas freiras comiam “voador” (tipo de
peixe seco) com macaxeira, batata-doce com arenque, camarão com fruta-pão (o
crustáceo existia em abundância à época), enfim se integravam aos pobres, aos
oprimidos e com quem encontrassem na velha Nísia Floresta. Sem teatro! com
verdade pura e simples. Preocupadas em exorcizar os demônios da miséria, da
falta de amor e do desconhecimento do Evangelho.
As “Missionárias de Jesus Crucificado'', integram uma ordem religiosa
criada em Campinas, São Paulo, em 1929, por Dom Carlos Barreto. Elas não eram
simples por teatralidade. Eram simples porque praticavam Jesus. Não eram
atrizes que se sentam com os que comem feijão verde com farinha, mas preferem a
casa onde bebem vinho do Porto. Suas vidas até hoje se pautam nesse
comportamento.
O trabalho das Irmãs Vigárias foi autorizado pelo Vaticano, tendo em
vista que antes disso, as freiras apenas evangelizavam o povo fora da Igreja
Matriz. Dentro da igreja elas apenas auxiliavam acanhadamente os sacerdotes nas
poucas vezes que era possível a presença de um. Mas não pensem que o
aparecimento das Irmãs Vigárias se deu de forma natural. Em História Oral
(1992), alguns nisiaflorestenses católicos – idosos –, me contaram que alguns
nativos, embora acolheram bem as Irmãs Vigárias, participavam eventualmente de
missas em São José de Mipibu, certamente desconfortáveis com presença da mulher
no altar. A ideia do vicariato na mulher sofria resistência de alguns.
Certamente era estranho, como seria hoje assistirmos uma missa em Latim.
Na realidade era preconceito puro. Mas o tempo se encarregou de lapidar as
mentalidades. Logo as Irmãs Vigárias se tornaram respeitadíssimas pelo
extraordinário trabalho que fizeram.
Analisando bem, embora nem fosse uma intenção - mas uma consequência -
não se pode negar que houve ali um empoderamento feminino que se casava bem com
o que a intelectual Nísia Floresta apregoou mais de 100 anos antes. (Vale
lembrar que Nísia, apesar de ser católica, criticava as freiras que se
enclausuram, pois no entendimento dela, as religiosas deveriam estar em ação
nas ruas, como verdadeiras Irmãs Dulce dos Pobres, e não trancafiadas). Nísia
Floresta reivindicava que as mulheres tivessem os mesmos direitos legalmente
dados aos homens, inclusive o direito à Educação e a qualquer profissão,
inclusive governar o país e comandar exércitos. Dá para imaginar o que isso
deve ter causado naquela época (1832). Embora ela não se referisse à mulher no
papel praticamente de um padre – até porque o sacerdócio não é uma profissão –
suas palavras se coadunam com o surgimento das Irmãs Vigárias.
Ao longo de minha convivência com os nisiaflorestenses, observei a nostalgia
e a saudade quando tratavam o assunto. As Irmãs deixaram lembranças marcantes.
Elas tinham um Jeep antigo e viviam nos povoados, muitas vezes transportavam
nativos de um lugar para o outro. Por onde passavam recebiam os frutos da
terra. A “Casa das Freiras”, ou “Casa das Irmãs Vigárias”, como até hoje é
chamada (onde foi feita essa fotografia) era palco de momentos felizes, onde as
crianças e jovens sempre tinham um ponto de apoio em diversos sentidos. Era
lugar de socialização, aprendizado, acolhimento e oração. Há unanimidade nos
depoimentos dos idosos.
As Irmãs Vigárias que estiveram em Nísia Floresta eram muito animadas e
davam vida aos eventos religiosos, inclusive as Festas da Padroeira. Gostavam
de Folclore e incentivavam a Cultura Popular. Muitas senhoras e senhores
nisiaflorestenses - atualmente com idades entre 65 adiante -, contam suas
experiências com elas, sempre com peculiaridades interessantes, inclusive
vários fatos pitorescos, como contou-me a senhora Maria do Carmo, esposa do Sr.
Bambão. Certa vez, elas precisaram trazer uma leitoa de Alcaçuz, doada por uma
senhora católica que não aceitou um não como resposta, dentre inúmeras
histórias curiosas, marcadas por
nostalgia. E não podia ser diferente, afinal, num lugar tão bucólico, elas
roubaram a cena e marcaram a vida de muitos.
Fica essa lembrança histórica, cuja essência deve estar viva em todos
aqueles que são chamados para essa missão. E de igual modo para todos, pois
elas foram exemplos de mulheres que se comprometeram a viver o Evangelho
plenamente, bem como o amor pelo ser humano. Que pena que isso não seja tão
comum aos dias atuais, marcados por interesses diferentes daquele tempo. L.C.F. 12.12.2020.
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