Mirante de Barra de Tabatinga |
EM BREVE NÍSIA FLORESTA PODE TER UM SANTO
Alguns
poucos alfarrábios contam que, logo após o terrível massacre ocorrido na capela de Nossa Senhora das Candeias, no engenho
Cunhaú (Canguaretama), em 1645, os moradores – luso-brasileiros em sua maioria – fugiram para várias localidades,
amedrontados com atrocidades promovidas pelos holandeses calvinistas, hostis
ao catolicismo (assim é repassado) e obviamente motivados por questões de natureza política. Na dianteira disso, a serviço dos holandeses, estava o mercenário alemão, Jacob Rabbi.
Esses nativos fugiram de seus lugares de origem, se embrenharam nas matas e nunca mais deram notícias,
inclusive houve quem fugisse para a capitania da Paraíba. O medo e o pavor eram
tantos, que o único bálsamo dos que presenciaram ou ouviram dizer era fugir sem rumo para
salvar a si e seus familiares. O terror tomou conta da capitania do Rio Grande.
Memorial aos mártires de Cunhaú e Uruaçu - Canguaretama/RN |
Essa
história é conhecidíssima, inclusive o Governo do Estado promulgou
como feriado a data de três de outubro, cuja Igreja Católica promove uma série de
eventos sacros no período. Mas há uma página (tão preciosa quanto) que poucos sabem. Quando falei sobre esse assunto a um grupo de nisiaflorestenses, em 1992, todos foram unânimes em afirmar que não era verdade, pois nunca um professor lhes contou sobre isso em sala de aula, e que se verdade fosse, eles aprenderiam isso na escola. Fiquei perplexo. Tal experiência explica o grau de desconhecimento da história do município por parte dos próprios nativos, o que é perdoável, pois nem todos tinham o hábito de ler e pesquisar.
Pois bem, após o terrível morticínio de Cunhaú, houve um "lapso de tempo" e depois o fato se repetiu em Uruaçu. Mas esse lapso de tempo não foi um mero lapso. Nesse interim, houve um episódio - como disse acima - que nem os nisiaflorestenses sabiam. Foi quando desencadeou uma série de episódios
relacionados à procura dos fugitivos de Cunhaú, inclusive outros
morticínios. Um deles deu-se exatamente em Barra de Tabatinga, onde o grupo do
alemão Jaco Rabbi, Paul de Linge, a serviço Supremo Conselho da Holanda, matou quase vinte católicos fugidos de Cunhaú, antes de se concretizar o terceiro massacre, que foi exatamente em Uruaçu (São Gonçalo do Amarante).
O trecho abaixo, publicado n'A Revista do Instituto Arqueológico do Pernambuco traz a seguinte informação, transcrita por Tavares de Lyra em 1921, a qual deixa claro a existência de três massacres:
"Sete anos mais tarde, após os massacres de Cunhaú, do engenho de João Lostau e Uruaçu, a ele se referia uma memória conhecida".
Essa informação é muito clara, e precisamos reconhecer que não foram dois, mas três massacres. Vamos nos inteirar de outros dados mais abaixo - como por exemplo, quem era João Lustau - para entendermos porquê ocorreu em Papary, hoje Nísia Floresta. O sanguinário alemão – que possuía foros de caçador – adquiriu foros de caça, como diz o ditado "um dia é da caça, outro do caçador" como veremos adiante.
"Sete anos mais tarde, após os massacres de Cunhaú, do engenho de João Lostau e Uruaçu, a ele se referia uma memória conhecida".
Essa informação é muito clara, e precisamos reconhecer que não foram dois, mas três massacres. Vamos nos inteirar de outros dados mais abaixo - como por exemplo, quem era João Lustau - para entendermos porquê ocorreu em Papary, hoje Nísia Floresta. O sanguinário alemão – que possuía foros de caçador – adquiriu foros de caça, como diz o ditado "um dia é da caça, outro do caçador" como veremos adiante.
Há 361 anos na povoação de Papary, que já teve o seu nome mudado cinco vezes, quase nada existia no que hoje é o centro da cidade,
exceto meia dúzia de casas de taipa cobertas com palhas, outras totalmente
feitas de palha, inclusive o barracão no qual os freis Capuchinhos e Jesuítas celebravam missas, oriundos dos aldeamentos existentes em São José do Rio
Grande, hoje, São José de Mipibu.
A localidade era um marasmo total. Prova disso são as referências de Ferreira Nobre, escritas em 1877, quando ele dá o seu parecer sobre o aspecto feio e cemiterial do centro de Papary. O lugarejo nunca foi muito habitado.
JOÃO LOSTAU NAVARRO E BARRA DE TABATINGA
Em
1645 Papary era uma densa floresta permeada de índios, já bastante acostumados
com a presença do homem branco. Não é a toa que até hoje existe uma larga faixa
de terra - agarrada ao centro da cidade - que conserva o nome “Sítio Floresta” até mesmo nas escrituras públicas
de imóveis. Havia moradores de diversos países da Europa espalhados por pontos
estratégicos, como Cururu, Pirangi, Búzios, Taguatinga (Tabatinga) e Alcaçuz.
Nessa
época, Barra de Tabatinga era moradia de única família, naquele tempo chamada de “Porto de Tabatinga”;
alguns chamavam “Porto de João Lostão”, pois ali morava um francês que
comercializava peixes, inclusive exportava para Pernambuco. Era católico
fervoroso e residia numa casa-forte nas proximidades do penhasco, onde
atualmente há restaurantes, cujos turistas atualmente se juntam para ver os
golfinhos bailar nas águas do mar. É um desfiladeiro que deve ter uns
cinquenta metros.
Os velhos mapas apontam que próximo dali havia a
“Ponta de Estevão Ribeiro” (não sei se os atuais moradores de Tabatinga ainda
conservam esse nome) e se tratava de um vizinho de Lostão. Foi o primeiro morador não-indígena de Barra de Tabatinga.
Em
1992, quando precisei me debruçar nos livros para conhecer a História do Rio
Grande do Norte para contextualizar a personagem Nísia Floresta com a história local, lembro-me que
conversei com um aluno muito curioso sobre as coisas do passado. Morador da
praia de Barra de Tabatinga, ele contou-me que sua avó dizia que na
“Piçarreira” existiam os alicerces de uma “Fortaleza”. Na realidade ele dizia
“casa grande”.
Esse local – “Piçarreira” – conforme conferi depois era ponto de
se retirar piçarro para construir estradas. Piçarro é uma mistura feita com pedra, areia, terra e cascalho; certamente essa mistura era feita ali, portanto a justificativa desse topônimo. Talvez isso explique a ausência de vestígios. Os mais antigos deveriam saber melhor sobre isso. Há uma ruína de casa muito bem conservada, em Piranji (de Nísia Floresta) e alguns confundem com esses registros acima. Mas geograficamente falando, é outro lugar, sem relação alguma com a casa de João Lustao Navarro.
Nesse
mesmo ano – 1992 – eu havia iniciado um estudo sobre casas de taipa (inclusive está publicado neste blogue com o título "Casadetaipa"; é um dos meus textos mais acessados). Lembro-me que nos meus trabalhos
de História Oral conheci dona Josefina, famosa em toda a região, conhecida como "Véia Zefinha", senhora idosa, benzedeira, que morava numa ruela,
à esquerda para quem vem de Nísia Floresta e faz a curva de Tabatinga, pouco
antes da capelinha. Visitei-a algumas vezes e, em 1994, fui ali com as minhas irmãs que chegaram do Mato Grosso do Sul.
Essa doce senhora, de estatura baixa, sempre portando lenço
na cabeça, tinha a coluna muito arqueada, tornando sua compleição física ainda
mais mirrada – o que chamava a atenção a uma pessoa de mais de noventa anos. A ela atribuíam o dom sobrenatural de receber espíritos e fazer revelações a quem buscasse os seus conhecimentos. Também contavam que ela conseguia erguer um homem adulto nas costas, sem ajuda alguma. Como não acredito em nada espiritual, fui ali apenas para saber sobre o que ela sabia sobre o local, e o que ouvia dos seus pais e avós.
Dona Josefina ("Véia Zefinha) gentilmente pousando ao lado de minhas duas irmãs, em sua residência, em 1994. O registro foi feito por mim, portanto não apareço nele. |
Em 1994, como expus, tendo ido ali com duas irmãs minhas, oriundas do Mato Grosso do Sul, de onde somos originários, ela contou-me que sua avó dizia que por ali existia uma imensa ""casa grande", cujos moradores retiravam as pedras para fazer baldrame de suas novas
casas. As palavras dessa anciã, referentes a essa velha construção, não posso
descrevê-las – ipsis literis – pois
ficaram sepultadas nas velhas fitas cassetes estragadas pelo tempo. Só reproduzi o que ela me contou
sobre benzimentos e casa de taipa. Mas era mais ou menos isso: “essa casa grande era dos estrangeiro, esse
povo que vem do lado de lá do mar”. São informações toscas, mas falam por
si e tornam evidente a existência da casa de pedra nessa localidade.
O
francês João Lostau Navarro, casado com Luzia da Mota, aparece nos velhos
documentos com as mais diversas grafias, por exemplo: Juaon, Juan, Jan, assim
como o sobrenome Orotau, Stau, S’tau, Estau, Leitão, Leston, Lastão, Lestauws,
Lostão dentre outros, mas vou usar o nome abrasileirado no início deste
parágrafo. Fazendo jus a antiga tradição, no dia 13 de abril de 1626 ele
presenteou com um dote substancial a sua filha Maria Lostão Caza Mayor, que
noivara com Manuel Rodrigues Pimentel, conforme nos conta Olavo de Medeiros Filho.
Durante o domínio holandês, esse genro
ocupou o cargo de Escabino (Magistrado Municipal na França, antes de 1789). OBS. Os europeus que chegavam ao Brasil, conservavam as mesmas nomenclaturas de seus países nas funções e cargos que ocupavam ou criavam).
Quase dez anos depois, após a conquista do Rio Grande do
Norte pelos holandeses, sua filha Beatriz Lostão Caza Mayor, casou-se com Joris
Gartdzman, este fora o primeiro comandante do "Castelo Keulen" (Fortaleza dos
Reis Magos). Observe como as coisas da genealogia nos pregam peças: as filhas
não tinham o seu sobrenome (mas isso é só uma curiosidade).
É
justamente esse genro de João Lostao Navarro, por nome de Joris Gardtdzman que, muito
tempo depois, nutriria ódio fulminante a Jacob Rabbi, que viria assassinar João
Lostau Navarro, logo após comandar o massacre de Cunhaú, conforme veremos
adiante. É de Garzdtzman, sogro de João Lostao, as seguintes palavras:
“o mundo nada perderia se se desembraçassem
de semelhante canalha”.
Creio que o leitor já entendeu o porquê de eu ter me referido a João Lostau como futuro santo, no subtítulo, mas veremos isso mais adiante.
Além
do Porto de Tabatinga, João Lostau Navarro era dono de vastas propriedades. A
doação número quinze, do livro de doação de terras feitas pela Capitania do Rio
Grande do Norte, datado de 1º de março de 1601, favorece João Lostau, que
recebeu mil e duzentas braças de terra
“...
ao longuo do mar no çitio que comessa do ryo Canayri para o norte”,
somando-se a estas terras mais mil e duzentas braças para o sertão, ou seja, ao
poente (inclusive dá como instalado “um
porto de pescarya”).
Na realidade, ele recebeu uma infinidade de terras ao
longo dos anos, cujo teor dos próprios documentos as classificam como
impróprias para roças e pastos (certamente por se tratar de área litorânea). As
doações compreendiam propriedades espalhadas entre Pirangi e Arês.
No
livro 1º do Governo do Brasil, compreendendo os períodos entre 1607 a 1633, Dom
Luís de Souza faz referência a João Lostao nos seguintes termos:
“João Lostao, residente na
Capitania do Rio Grande do Norte, já velho, He da governança da capitania.
Justificou ser de nação Navarro posto que se tem como francês viue naquella
capitania depois que se conquistou tem roças. Reside na praya onde pesca co hua
rede não o obriguei recolherse ao sertão para informação que me deram os padres
da Companhia de sua muita fidelidade de já velho e dos da gouernança da
Capitania”.
Curiosamente, pesquisando velhos
documentos em 1994, achei o sobrenome “Lustau Navarro” dentre os sobrenomes dos
primeiros professores a lecionar em Papary. Esse dado faz-nos deduzir tratar-se
de um parente de João Lostau Navarro, pois não havia outro francês com o mesmo
nome naquela ocasião. E seria uma coincidência excepcional se o fosse.
O
professor citado acima era vivo em 1844, pois é citado em velhos documentos da província. Tenho convicção que Manuel Laurentino de Alustau Navarro, nome de escola na comunidade do Porto, em Nísia Floresta, professor querido de Isabel Gondim,
e Cândido Freire de Alustau Navarro, nome de um posto de saúde no
centro de Nísia Floresta, famoso homeopata de Papary, que durante toda a
sua vida atendeu a população como fosse médico, devido aos seus
conhecimentos - são descendentes de João Lustau Navarro.
Estou me aprimorando nas pesquisas
para futuras postagens, pois mexer nas coisas da História é ver diante de si
uma caixa repleta de peças de quebra-cabeça com as mais variadas imagens,
signos, símbolos etc.
É difícil destrinçar os acontecimentos de forma cronológica
com poucos registros, nomes e sobrenomes escritos de diversas formas, inclusive errados, e
isso acontece na minha própria família, conforme constatei num livro de doação
de sesmarias no IHGRN, onde consta uma doação em São José de Mipibu, em favor de um
trisavô da minha mãe, por parte do pai dela, tendo em vista que o parentesco da
mãe dela é de Goianinha.
Uma publicação francesa, denominada Jornaux
Et Nouvelles, de Hessel Gerritsz traz a seguinte informação:
“Tareyrich, um pequeno rio. Ali reside um
francês, Juão Oroutau, que lá exerce a pesca e envia o peixe aos portugueses
que habitam em Pernambuco e que o vêm procurar com os navios”.
(OBS. Tareyrich
foi a forma de o autor se referir ao rio Trairi, e Juão Oroutau é nada mais que
João Lustao, conforme escrevemos hoje
Como sabemos, os povos indígenas não
possuíam escrita. Fomos nós – homens brancos – que copiamos o que eles falavam
e inventamos suas escritas. Nessa loucura, escrevíamos
conforme entendíamos. É por isso que – com relação ao nome Papari, também se
encontra escrito assim: Paspary, Ypari, Upari etc.
Como idioma algum é falado exatamente
do modo como é escrito, o tupi e o guarani não passaram ilesos. Mas, com relação a menção de Tareyrich (rioTrairi), suponho que ele se refira à desembocadura das águas da lagoa Papary, em Camurupim, as quais recebem as águas do rio Trairi em suas origens, inclusive passando nos fundos do Engenho São Roque, em Nísia Floresta e nos fundos da fazenda Ilha, ao lado da comunidade do Porto.
Camurupim faz divisa com Barra de Tabatinga. O
rio Trairi nasce na Serra do Doutor, perpasse por alguns municípios,
como São José de Mipibu, se mistura ao rio Mipibu, depois à lagoa Papary
(antes Paraguaçu) e desemboca em Camurupim, praia que faz divisa com
Barra de Tabatinga. Naquele tempo essa região era conhecida como
Tabatinga (ou Taguatinga). Ainda não existia a atual divisão geográfica e
tampouco a nomenclatura "Camurupim". Restou uma língua de rio.
O nome de João Lustao Navarro figura
em documentos de diferentes datas, “Porto de João Lostão, “Um local de grande pescaria” (1642), inclusive os mapas informam a
existência de uma “lagoa de água doce
meya legoa do porto de João Lostão”. OBS. Quando sabemos que uma légua
possui quase cinco quilômetros metros, obviamente meia légua possui pouco mais
de dois quilômetros. Qual seria a lagoa situada a tal distância de Tabatinga?
Os leitores que são de Nísia Floresta já sabem que se trata da lagoa de
Arituba. Não existe outra. Nesse local os moradores de Tabatinga vinham buscar água potável. Essa é outra prova de que a casa de Pedra de Pirangi nada tem a ver com as ruínas da casa de Joan Lustau Navarro, mencionada pelos mais antigos, como já expus acima, no depoimento da srª Josefina ("Zefinha"), 90 anos.
Os nisiaflorestenses que gostam das
coisas do passado sabem que um dos mapas mais conhecidos da História, e que faz
referência à Papary, Cururu, Pirangi, Tarairi (Trairi), Papeba, Guiraraíra (Guaraíra)
Tabatinga (inclusive o nome original é Taguatinga), Buzios, Ipuxi (hoje lagoa do
Bonfim) dentre outros nomes antiqüíssimos, é o famoso mapa de Marcgrave, datado
de 1643, inclusive é muito didático, apesar de sua antiguidade, e suas
convenções cartográficas são iguais às atuais. Nele, se vê, no lado sul da Enseada
de Tabatinga, a barra do rio Tarairi (Trairi), escoradouro das lagoas de
Papari, Papeba e Guiraraíra (Guaraíras).
OBS. O link abaixo traz um texto que
escrevi em 2000, ele ajuda o leitor a situar-se nessa geografia de veredas e
estradas que entrecortavam a velha Papari: http://nisiaflorestaporluiscarlosfreire.blogspot.com.br/2010/11/estrada-colonial-de-papari-povoado-de.html
Como
vivemos numa região emoldurada por dunas, suas areias aterraram a citada barra,
exatamente no final do antigo Trairí. Quando nos debruçamos sobre esse mapa e o
comparamos com os atuais, localizamos com facilidade o ponto onde no passado as
águas corriam normalmente.
Nesse mapa estão distribuídas as
cinco construções que existiam na propriedade de João Lostao Navarro, situadas
exatamente na margem esquerda do Trairi no pontal de Tabatinga, às margens do oceano,
região correspondente à atual povoação de Barra de Tabatinga.
Como expliquei no início, João
Lostau Navarro era católico, bem como os empregados de seu engenho. A expressão
de sua religiosidade era o bastante para despertar a ira dos protestantes (se
bem que acredito que toda essa confusão se resumiu numa luta pelo poder, pela posse, sem relação alguma com religião ou religiosidade). O que fizeram foi apenas pegar esse "massacre" como matéria prima para o produto religioso católico. É opinião pessoal minha, embora respeito quem endossa todo esse conceito de "santidade".
No dia 13 de junho de
1645, o Grande Conselho Holandês – que estava atento a quaisquer movimentações
suspeitas – promoveu uma reunião em Recife para discutir sobre suspeitas de que
havia um plano de insurreição luso-brasileiro contrário aos interesses dos
holandeses (observe aqui o caráter político).
Nesse mesmo dia decidiram que João
Lostao Navarro deveria ser preso imediatamente, apontado como líder da rebelião
na Capitania do Rio Grande. O Conselho entrou em contato com Paulus de Linge, governador
da Paraíba e transferiu-lhe a responsabilidade de prender João Lostão.
Durante o episódio que ficou
conhecido como Massacre do Engenho Cunhaú, aos 16 de julho de 1645, os
moradores da região do morticínio empreenderam fuga para o Porto de Tabatinga, na
casa-forte de Lostão Navarro, obviamente por se sentirem protegidos. Entendo
que essa fuga evidencia a importância política de João Lostau Navarro e
identificação da população luso-brasileira com ele. Do contrário, jamais
procurariam proteção num local suspeito.
Nesse mesmo período os soldados
enviados por Paulus de Linge (Governador da capitania da Paraíba) se esconderam
nas matas próximas a Ponta de Estevão Ribeiro e passaram dias vigiando João
Lostao. Numa manhã, ele saiu em direção ao trapiche e foi pego de surpresa e levado
para o “Castelo Keulen”, que na realidade era a Fortaleza dos Reis Magos. Esse
nome “Keulen” decorria do fato de a citada fortaleza estar sob comando do
Governo da Holanda.
Pouco tempo depois, em meado de setembro
do mesmo ano, o sanguinário Jacob Rabbi – que percorria toda a capitania como
um rato persegue sua presa – convocou uns quinze índios tapuias, brasilianos e
mais trinta civis holandeses e embrenharam-se nas matas de Papary, rumo a Barra
de Tabatinga.
Ali tomaram de assalto a casa forte e as casinhas dos demais
moradores, assassinando 16 portugueses. Logo em seguida instalaram no
local – que por sinal era estratégico – o quartel-general das operações
bélicas. Nele ficaram instaladas os soldados holandeses até o dia 29 de junho
de 1646.
O massacre de Barra de Tabatinga foi documentado de diversas formas
por contemporâneos, inclusive pelo cronista Lopo Curado Garro refere-se a
tratamentos absurdos oferecidos pelos holandeses aos luso-brasileiros, como
socos no rosto, pontapés, coices, torturas, ameaças, pressões psicológicas,
sempre com o objetivo de que eles negassem a fé católica. Na mesma época Nieuhof
assim registrou:
“Jacob Rabbi, voltando da viagem
com o pregador Astetten, com uma pequena força de tapuias e auxiliado por
brasileiros e mais trinta civis holandeses, ocupavam o Sítio de João Lostão,
onde assassinaram 15 ou 16 portugueses.
Depois desse massacre, no mês
seguinte, exatamente dia três, ocorreu o massacre de Uruaçu, ocasião em que
foram assassinados diversos portugueses, homens, mulheres, crianças. O
morticínio ocorreu num local chamado àquela época “Porto de Uruaçu”. Essa
região atualmente conserva o nome “Porto dos Flamengos”.
Finalizando, alguns dados devem ser considerados. Sobre a casa de João Lostão Navarro, ela seria próxima da barra do camurupim (Cascudo, L. da Câmara - 1955. p 69) Ainda sobre o mesmo assunto: É certo que a princípio Medeiros concordou com Hélio Galvão sobre a pertença da casa-forte de Pium ser de João Lostão. Então viriam as perguntas óbvias: a casa-forte de Pium não seria hipoteticamente de João Lostão Navarro? já que o próprio Olavo de Medeiros Filho assim se refere baseado em vetusta documentação, correspondência dirigida pelo filho do donatário João de Barros, ao rei de Portugal, e datada de 1570, onde faziam alusões à presença dos franceses na costa potiguar aonde
"todos os anos vão a ela a carregar pau-brasil por ser o melhor de toda a costa. E fazem já casas de pedra em que entram em terra fazendo comércio com o gentio." (BAIÃO, Antonio. Documentos inéditos sobre João de Barros e a sua família. In: Boletim da Academia das Ciências de Lisboa, 1917. Citado por MEDEIROS FILHO, Olavo. Notas para a História do Rio Grande do Norte. Centro Universitário de João Pessoa-PB, Março, 2001. Pág 27.).
Já me perguntaram se a casa onde ocorreu o massacre, em Nísia Floresta, seria a "Casa de Pedra" de Pium. Mas tenho outra opinião sobre essa casa (datada de 1570). Joan Lustau não possuia somente uma propriedade, mas várias, e obviamente poderia haver outras casas de pedra. Estamos falando de uma construção arquitetônica de quando o Brasil só tinha 70 anos de invasão (que chamam "descobrimento). E quanto ao massacre, nos referimos a um episódio ocorrido há 377 anos. Nesse caso é suposição minha.
Mas porque estou dizendo isso? Porque desde 1992, quando iniciei os meus estudos em História Oral nas áreas de Nísia Floresta, São José de Mipibu, Parnamirim e Natal, ouvi de muitos moradores idosos que alguns alicerces de velhas igrejas e casas foram feitos com restos de casas de pedras abandonadas que existiam nas imediações de Camurupim e Barra de Tabatinga.
O senhor Pedro Mesquita, ex-vereador, morador em Pium, contou-me que pessoas muito antigas dessa localidade lhe contavam que a capela dessa localidade foi feita com pedras arrancadas da Cassa Forte de Pium, e que ela era maior do que se apresenta atualmente.
Segundo o sr. Mesquita, somente depois que os herdeiros tomaram pé da importância dessa construção foi que começaram a impedir a depredação, pois, do contrário, seria mais uma casa que todos conheceriam apenas "de falar", como é o caso de outras.
Sobre o massacre e o seu local exato, deixo claro que, embora tenho convicção de que se deu em Barra de Tabatinga, estou aberto a discussões. Creio que os historiadores jovens, que gostam de informática, deveriam montar um mapa bem pedagógico, tendo como base os topônimos mencionados e suas respectivas distâncias, até porque essas tecnologias têm ajudado a esclarecer muitos fatos importantíssimos da História.
Quem me conhece sabe que pesquiso a personagem Nísia Floresta Brasileira Augusta há 30 anos, e no curso do tempo deparei-me algumas informações desencontradas, dúbias e até erradas, e então passei a reescrevê-las, contando-a de maneira diferente do passado, mas sobre o presente assunto meu pensamento é o mesmo de sempre, pois me amparo em diversos autores contemporâneos, autores europeus de séculos anteriores e alguns mapas.
Estou aberto a esclarecimentos, acaso alguém tenha outro posicionamento sobre o assunto, até porque nunca me vi nem me sinto o dono da verdade. Ocorre que em História precisamos ter opinião. Ressalto alguns historiadores que escreveram sobre o massacre, como Olavo, Cascudo, Hélio Galvão. Há duas coisas tenho certeza absoluta: houve um massacre em Nísia Floresta decorrente do massacre de Cunhaú, e como a Arquidiocese de Natal vem postulando a canonização dos mártires de Cunhaú e Uruaçu, por esse raciocínio, em breve Nísia Floresta terá um santo, e seu nome é Joan Lustao Navarro. Luís Carlos Freire, escrito em outubro de 1993 e reescrito/revisado em 2016.
Igreja Matriz de São Gonçalo do Amarante |
PROPOSTA DE PROJETO TURÍSTICO RELIGIOSO PARA BARRA
DE TABATINGA
Diante desse episódio desconhecido pelos nisiaflorestenses – até porque nunca
ouvi algum nativo mencioná-lo – urge ao município de Nísia Floresta a elaboração de
um projeto de Turismo Religioso que associe o Massacre de Tabatinga aos
Massacres nos Engenhos Cunhaú e Uruaçu, partindo do princípio de que se trata
de um fato. Esse projeto obviamente deve partir de alguma fonte (e aqui está ela).
Depois deve ser construído a várias mãos, envolvendo-se a Secretaria Estadual
de Turismo, Secretaria Municipal de Turismo de Nísia Floresta, após a aprovação
do Executivo e Legislativo nisiaflorestense. A Igreja Católica – obviamente – seria uma das mais interessadas e deveria encampar o projeto, inclusive já adiantando a futura canonização de Joao Lustao Navarro.
O
episódio, ocorrido em Setembro de 1645 só carece de um estudo para a exatidão
do dia, pois mês e ano estão informados nos documentos. Os fundamentos
religiosos para legitimar o projeto se amparam no fato de os cristãos
assassinados serem católicos, inclusive fugitivos de Cunhaú; a propósito,
alguns presenciaram de longe o massacre.
Fica a sugestão. Mas independente de
o projeto se concretizar ou não, aqui está um excelente subsídio para quem
trabalha como guias de turismo, inclusive bugueiros da região que compreende
Nísia Floresta, Canguaretama e São Gonçalo do Amarante (berços dos massacres),
além de estudantes que gostam de conhecer a história de seu município.
Existe uma tese que aponta as ruínas da casa de pedra situada entre Pirangi e Pium como sendo a casa de João Lustau Navarro, inclusive Câmara Cascudo aborda o assunto, mas não associa essa casa de pedra ao massacre, inclusive não o comenta. Isso dá margem para que leitores que desconhecem tais informações mais primitivas pensem que o massacre possa ter ocorrido em Piranji, na referida casa de pedra (o que não é real). OBS. Refiro-me a Piranji do Sul, que faz parte do município de Nísia Floresta, pois algumas pessoas confundem com Piranji do Norte, que faz parte do município de Parnamirim.
Os documentos originais - e de época - escritos por cronistas como os citados acima, são muito claros ao se referir a Tabatinga, inclusive a tratam com nomenclatura diferente (Porto de Tabatinga"), mas sempre com a palavra "Tabatinga", a qual é uma só. Ademais os antigos mapas são muito claros ao mencionar Pirangi, Buzios, Barra de Tabatinga e Camurupim.
Não existia outra Tabatinga. Para reforçar a tese do testo acima, os antigos escritos são claros ao mencionar a "Ponta de Estevão Ribeiro", a "Piçarreira", as quais ficavam em Barra de Tabatinga. O massacre foi, de fato, em Tabatinga.
Outro detalhe importante: um porto de pesca fica a beira-mar, e não tão distante, como é o caso da casa de pedra de Piranji do Sul. Aqui neste mesmo blog já publiquei alguns textos sobre a referida casa de pedra, como por exemplo neste link:
http://nisiaflorestaporluiscarlosfreire.blogspot.com.br/2010/11/casa-de-pedra-de-pirangi-um-registro.html
Entre 1993, enquanto Bolsista de Iniciação Científica no Departamento de Ciências Sociais da Base de Pesquisa "Educação e Sociedade", na UFRN, trabalhei durante quatro anos (1993-1997) com o projeto Levantamento e Catalogação das Fontes Primárias e Secundárias da História da Educação no Rio Grande do Norte, projeto coordenado pelo sociólogo e prof. José Willington Germano, sob coordenação geral do prof. Demerval Saviani, da USP. Eu pesquisava no Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, IHGRN e, como toda pessoa que gosta de História, ia às 8 da manhã e saia quando o IHGRN fechava, embora meu horário oficial de trabalho fosse de apenas 3 horas por dia.
Quando eu não estava pesquisando para a Base de Pesquisa, pesquisava assuntos do meu interesse. Foi assim que conheci e bebi da fonte mais farta que já conheci em toda a minha vida - em termos de conhecimento da história do RN - Dr. Olavo de Medeiros Filho, infelizmente já falecido. Tempos depois, já formado, era com ele que eu me socorria, telefonando sempre para tirar algumas dúvidas sobre diversos assuntos mais primitivos, inclusive aparecemos em foto postada acima. Ele sempre destacou o massacre ocorrido em Barra de Tabatinga, inclusive pude ver os documentos originais enquanto ele mesmo pesquisava.
Leia mais sobre Cururu; clique nos sites abaixo:
Preciso me comunicar urgentemente com o senhor Luiz Carlos Freire.
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