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CONTATO: (Whatsapp) 84.99903.6081 - e-mail: luiscarlosfreire.freire@yahoo.com. Este blog - criado em 2008 - não é jornalístico. Fruto de um hobby, é uma compilação de escritos diversos, um trabalho intelectual de cunho etnográfico, etnológico e filológico, estudos lexicográficos e históricos de propriedade exclusiva do autor Luís Carlos Freire. Os conteúdos são protegidos. Não autorizo a veiculação desses conteúdos sem o contato prévio, sem a devida concordância. Desautorizo a transcrição literal e parcial, exceto breves trechos isolados, desde que mencionada a fonte, pois pretendo transformar tais estudos em publicações físicas. A quebra da segurança e plágio de conteúdos implicarão penalidade referentes às leis de Direitos Autorais. Luís Carlos Freire descende do mesmo tronco genealógico da escritora Nísia Floresta. O parentesco ocorre pelas raízes de sua mãe, Maria José Gomes Peixoto Freire, neta de Maria Clara de Magalhães Fontoura, trineta de Maria Jucunda de Magalhães Fontoura, descendente do Capitão-Mor Bento Freire do Revoredo e Mônica da Rocha Bezerra, dos quais descende a mãe de Nísia Floresta, Antonia Clara Freire. Fonte: "Os Troncos de Goianinha", de Ormuz Barbalho, diretor do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte, um dos maiores genealogistas potiguares. O livro pode ser pesquisado no Museu Nísia Floresta, no centro da cidade de nome homônimo. Luís Carlos Freire é estudioso da obra de Nísia Floresta, membro da Comissão Norte-Riograndense de Folclore, sócio da Sociedade Científica de Estudos da Arte e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. Possui trabalhos científicos sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, publicados nos anais da SBPC, Semana de Humanidade, Congressos etc. 'A linguagem Regionalista no Rio Grande do Norte', publicados neste blog, dentre inúmeros trabalhos na área de história, lendas, costumes, tradições etc. Uma pequena parte das referidas obras ainda não está concluída, inclusive várias são inéditas, mas o autor entendeu ser útil disponibilizá-las, visando contribuir com o conhecimento, pois certos assuntos não são encontrados em livros ou na internet. Algumas pesquisas são fruto de longos estudos, alguns até extensos e aprofundados, arquivos de Natal, Recife, Salvador e na Biblioteca Nacional no RJ, bem como o A Linguagem Regional no Rio Grande do Norte, fruto de 20 anos de estudos em muitas cidades do RN, predominantemente em Nísia Floresta. O autor estuda a história e a cultura popular da Região Metropolitana do Natal. Há muita informação sobre a intelectual Nísia Floresta Brasileira Augusta, o município homônimo, situado na Região Metropolitana de Natal/RN, lendas, crônicas, artigos, fotos, poesias, etc. OBS. Só publico e respondo comentários que contenham nome completo, e-mail e telefone.

sábado, 11 de julho de 2020

“CORINGA” É FILME QUE CONTA A NOSSA HISTÓRIA - O QUE “O CORINGA” ME DISSE - QUANTOS DE NÓS SOMOS CORINGAS? QUANTOS SOMOS PALHAÇOS? QUANTOS USAMOS MÁSCARAS? QUANTOS MATAMOS?

 
 
“CORINGA” É FILME QUE CONTA A NOSSA HISTÓRIA - O QUE “O CORINGA” ME DISSE - QUANTOS DE NÓS SOMOS CORINGAS? QUANTOS SOMOS PALHAÇOS? QUANTOS USAMOS MÁSCARAS? QUANTOS MATAMOS? 
 
Sou daquelas pessoas que raramente assiste a um filme em sua estreia. Confesso que não me empolga. O último que assisti nesse sentido foi “Titanic”, certamente porque o fato me impressiona desde criança. Antes de ontem, fazendo jus à Quarentena, assisti pela primeira vez ao filme “O Coringa”. Ontem, assisti novamente, e achei pertinente escrever sobre ele. É constantemente desconfortável. O enredo incomoda o tempo todo, qual espinho espetando. Mas tudo tem a ver com a gente, inclusive com o Brasil. Vou primeiramente contar o filme e divagar a minha insignificante opinião. Encerrarei compartilhando o que o filme me disse.
FAÇO QUESTÃO DE ADIANTAR – EM CAIXA ALTA – QUE TUDO QUE ESCREVEREI TRADUZ MINHA OPINIÃO PESSOAL. É UM SIMPLES CIDADÃO DANDO ‘PITACO’ TENDO COMO FUNDAMENTAÇÃO A SUA EXPERIÊNCIA DE VIDA. Não sou crítico de filme, nem da área médica, já que o filme navega fortemente as águas da psiquiatria, da psicologia, da assistência social, da enfermagem... Mas, diga-se de passagem, a história passeia em outros rios:a educação, politica, filosofia enfim... Também não atinarei para os perfis originais do formato histórico dessa HQ. Apenas arrastarei a história para as nossas vidas. O que ela tem a ver conosco?
Na primeira cena do filme ele se olha no espelho, enfiando os dedos na boca para alargar o sorriso. É desconfortante. Dá impressão que ele vai rasgar a boca. O sorriso é forçado. Há lágrimas nos seus olhos. E mais tarde compreenderemos a razão de ele dizer a frase mais impactante do filme: “eu nunca fui feliz em toda a minha vida”, dentre outras colocações que falam por si. Vê-se logo que, ser palhaço não significa ser feliz. Mas de longe imaginamos o terror vivido por aquele artista que cumpre fazer os outros rirem, afinal palhaço cumpre felicidade. É o que supomos!
Logo no início, ele se destaca numa calçada, vestindo as cores elétricas de um palhaço, descombinando totalmente com o cenário opaco e esquisito de uma metrópole cheia de desigualdade social. Na realidade Artur é funcionário de uma empresa que loca artistas, inclusive ele trabalha com uma placa nas mãos, atraindo clientes para uma empresa em vias de falência. Toda Godan City (nome da metrópole), parece problemática. As emissoras de rádios anunciam greves diversas, inclusive de lixeiros. As ruas estão imundas.
De repente um pequeno grupo de adolescentes toma a sua placa. Ele corre para recuperá-la e é barbaramente espancado. Os chutes parecem desferidos em nós. Dessa vez ele apanhou de meninos pobres, chamados de “marginais”, ou membros de “gangue” (não são pessoas de bem). Para “equilibrar” os fatos, lá pelo meio do filme, ele apanhará de três jovens ricaços, impecavelmente vestidos, chamados pela sociedade de “pessoas de bem”. Tudo muito parecido ao que vemos, hoje, no Brasil, tipo esses “patriotas” e que estão em alta. Artur é fruto de múltiplos espancamentos, como veremos.
Seu sonho é fazer stand’up comedy, ou seja, ser humorista que se apresenta sozinho para grandes plateias. Tem como referência um grande apresentador de televisão local, semelhante ao que foi o nosso Jô Soares Onze e Meia, que entrevistava brincando, e embora também tratasse de assuntos sérios, provocava situações hilárias o tempo todo.
Artur mora com a mãe, ou melhor, a mãe mora com ele. É velha e muito doente. Ele sustenta a casa com dificuldades. Chama a atenção o amor e o cuidado que ele tem com ela: dá-lhe banho, passa perfume, penteia os cabelos, dá-lhe comida na boca. Ele dá uma aula de amor filial. É um exemplo para a sociedade brasileira, na qual muitos menosprezam, discriminam, descartam os idosos, sem contar uma parcela que roubam sua aposentadoria e os espancam.
Artur é doce como uma criança e parece que a mãe o trata como tal, afinal ele também é doente, inclusive acompanhado por assistentes sociais da prefeitura local e recebe remédios gratuitamente. Tem uma disfunção cerebral. Quando se desagrada tem descontrolada crise de gargalhada, chamando a atenção de todos. Será exatamente essa gargalhada ensandecida o divisor de águas na sua história, pois antes ele é somente o Artur, e depois será “Coringa”, de fato. Ele tem o hábito de brincar com desconhecidos, esboçar leves sorrisos palhacescos, fazer gatimanhos, falar coisas esquisitas etc. Como se estivesse num eterno picadeiro. E isso nem sempre agrada os estranhos. Artur tem outros problemas de ordem mental, mas o autor da história não revela exatamente o que é. Deixa para os especialistas, portanto não sei o que ele tem. Sei apenas que, mesmo com suas esquisitices, ele consegue se relacionar com a sociedade, principalmente com as pessoas mais próximas.
Logo após o espancamento ele ganha um revólver de um bolsonarista... ops! aliás... desculpe o equívoco... quis dizer: de um amigo... o qual alega que é para defesa pessoal. Muito inocente, Artur brinca com a arma em casa, fazendo-a disparar. A mãe se assusta. Ele mente que são tiros de um filme de guerra que assiste, e aumenta o som da televisão. Na mesma semana ele se apresenta num hospital infantil e deixa a arma cair, assustando a todos. É despedido com requintes de humilhação. Como ter dinheiro para sustentar a mãe? Ele nem pensa nele.
Certo dia ele está dentro de um trem, quando entram três rapazes ricos e começam a assediar uma moça. É alta madrugada de vagões quase vazios. Artur se incomoda com o assédio e percebe que a moça é impotente diante dos homens. Logo tem um surto de gargalhadas que rouba a cena. Os “cidadãos de bem” começam a debochar de Artur. O trem pára e a moça foge. Logo o trio o espanca de uma maneira tão covarde que dói nos nossos ossos. Seu corpo é esquálido e fraco. Nossa revolta se amplia quando reconhecemos a vida sofrida daquele cidadão fracassado, que luta para vencer, e é do bem.
Ao invés de correr e pedir socorro nos outros vagões, ou descer e sair gritando e pedindo socorro pela estação, Artur dá tiros para todos os lados e mata dois “cidadãos de bem” logo de cara, inclusive um dos tiros atravessa a face de um deles. O filme é bem violento. O trem pára, o último “cidadão de bem” desce correndo, Artur o persegue, o mata e desaparece na madrugada.
Abre-se uma das mais belas cenas do filme – fotograficamente falando - não fosse o horroroso significado. Ele dança com a delicadeza de uma pluma, como se de fato tivesse ficado leve e flutuasse. Certamente por ter matado o ódio, representado naqueles três “cidadãos de bem” que certamente teriam estuprado a bela moça. A dança também parece uma metamorfose, pois até então não reconhecíamos o Coringa em Artur. O coringa surge praticamente aí.
No outro dia ele se apresenta num programa de Stand’Up Comedy. Leva um caderninho contendo frases prontas de um humor que só ele compreende. É típico dele anotar coisas. Ele parece estar sempre imitando, como se ele fosse um fracasso e só os outros fossem brilhantes. Nessa plateia está uma namorada que reside em seu mesmo condomínio. Ele não agrada a plateia e gargalha sem parar, certamente percebendo que o público não corresponde. Mas a namorada lhe parece o bastante. Nesse interim a polícia já está no encalço dos palhaços de Godan City, afinal algumas testemunhas viram um palhaço correndo no exato momento do crime. Coincidentemente, logo batem na casa de Artur – sem saber que era ele – mas cumprindo investigar e levantar dados. Assustada, a velha tem um AVC. Quando ele retorna para casa, encontra a mãe sendo acudida. Ela está saindo para o pronto-socorro quando ele a acompanha.
O vídeo da exibição de seu stand’up viraliza pelo aspecto cômico de sua gargalhada espaçosa e esquisita, e cai nas mãos do famoso apresentador e humorista que ele é fã. O “papa do humor” pega exatamente esse recorte e o exibe no seu programa de televisão. Artur tem um rompante de felicidade ao se ver mostrado para toda a Godan City, mas logo entende que era objeto de ridicularização por parte do homem que ele tanto admirava. Ele ri. Sua vida é uma sucessão de golpes no estômago.
Godan City está em polvorosa devido à crise. A metrópole pega fogo. Instigados pelo assassinato dos três “rapazes de família”, as ditas “pessoas de bem”, os revoltosos estão nas ruas em protesto. Logo aderem a imagem do palhaço como símbolo deles. Era a guerra dos palhaços, (na pessoa dos pobres e humilhados), contra os ricos (na pessoa dos três jovens ricos que foram assassinados no trem).
O fato de um simples palhaço ter “matado” aquela representação, aquela alegoria, promove nos revolucionários de rua a sensação de força e poder. Então eles também poderiam vencer se “matassem” o patrão (metáfora para simbolizar conquista de direitos trabalhistas e vencer o patrão dominador e escravagista). Isso é o Brasil de antes, de hoje e pelo visto, do futuro, acaso não “matemos” os patrões e os políticos que que massacram o trabalhador – salvas raríssimas exceções. Para agravar a situação um bilionário da metrópole - então candidato a prefeito – faz um discurso preconceituoso, associando palhaços às pessoas fracassadas, que sentem inveja de quem “venceu na vida”. A revolta aumenta.
Artur encontra uma velha carta em sua casa e descobre que é filho de um bilionário de Godan City. Percebe que a mãe se humilha nessas correspondências e é completamente ignorada por seu pai que – diga-se de passagem - é o candidato a prefeito de Godan City explicado anteriormente. Ele vai à exuberante mansão do pai. Dá de cara com o irmão (uma criança) e brinca com ela do lado de fora do portão. O menino é o retrato da indiferença, portanto Artur força-lhe um sorriso com os dedos (como fez no início do filme). Uma espécie de mordomo aparece e o trata com hostilidade. Ele diz ser filho do bilionário. O homem, que sabia de sua história, o hostiliza e diz que a mãe de Artur era louca. Percebe-se então que ela fora empregada da casa, e explorada sexualmente pelo bilionário, gerou Artur . Como disse antes, sua vida são golpes sucessivos.
Fracassado o contato com o pai, ele se aproveita da revolta da população na principal avenida de Godan City e entra no mais famoso teatro da metrópole, onde o importante apresentador e humorista faz um show. Ele sabe que seu pai está ali. O autor do filme usa um estratagema interessante para colocar Artur dentro do teatro que só entrava “gente de bem”. Curiosamente, Artur se disfarça de funcionário com aquelas roupas típicas de cinemas e teatros, talvez para dizer que apesar de tudo, Artur ainda guardava inocência dentro de si. Era só uma criança em busca do pai. E dá certo! Na realidade ele nem pensava na riqueza do pai. Queria apenas o amor paterno.
Ele percebe que o pai se dirige ao banheiro e o segue. Ao vê-lo, fita-o com aquele olhar amoroso de filho. Contemplação pura. O bilionário pergunta se podia ajudá-lo. Ele revela ser seu filho e fala o nome da mãe. O bilionário o deprecia e diz que sua mãe era louca, e que ele era adotado. Ele se decepciona ao ter a mãe ofendida e pela revelação de ser adotivo. Logo a sua doença se manifesta numa gargalhada doentia. Leva um terrível soco na cara. Talvez isso tenha sido o seu pior espancamento.
Ele vai até o sanatório onde a mãe foi internada durante um longo período. Rouba a documentação. Desabam sobre ele verdades terríveis. Descobre que a mãe tem graves transtornos mentais, inclusive “psicose delirante”. Na pasta estão os papéis de sua adoção. A decepção é gigantesca quando lê os registros das assistentes sociais. A mãe o espancou muito, teve vários namorados e alguns abusaram dele. O estopim para separá-lo da mãe foi quando ela e o namorado o amarraram no radiador de um carro, torturando-o. Isso nos choca diante do amor imenso e verdadeiro que ele lhe devotava. São muitos contrastes. As descrições doem na alma. É exatamente nesse momento que ele diz “é muito difícil acabar sendo o tempo todo feliz”. Ele também viveu um longo período internado. Certamente não se lembrava com nitidez das torturas sofridas porque era muito criança.
Todo amor que ele não pode dar ao pai, transferiu para a mãe. De repente descobre que ela era um monstro. Talvez culpada por sua doença e por seus tantos fracassos. Artur corre no hospital e a mata asfixiada num travesseiro. Vai para casa e dá gargalhadas sem fim. Seu sorriso é sua dor. É ferida que sangra. O bilionário plantou os documentos de adoção na documentação da mãe de Artur. Era um “homem de bem”. Casado. Se encaminhava para a política. Precisava defender sua “honra”. Uma boa propina pode ter calado a boca do diretor do hospital nesse complô. Dinheiro não era o problema. Artur seria irmão do menininho do portão da mansão?
O mais importante programa de humor de Godan City telefona para ele, e o convida para uma entrevista com o humorista que ele mais admirava. Se é que ainda o admirasse. Aquilo era o seu sonho de consumo desde que ele se descobriu por gente. É a sua grande chance. É o ápice. Chegou a hora de finalmente deslanchar como humorista... Pelo menos é isso que somos levados a imaginar.
Ele coloca fitas de VHS e ensaia, faz cenas, faz caras e bocas. Quer sair impecável, pois estará adiante do gigante do humor. O programa cobre todo o país. A campainha toca. Artur se arma com uma tesoura no bolso. Ele já pressentia que os investigadores estavam cismados. Mas são seus amigos da empresa locadora de artistas. Um deles é um anão. O homem de estatura normal conta-lhe que investigadores de polícia estiveram na empresa para colher novos depoimentos dele. Artur tem um rompante, crava a tesoura no pescoço do amigo e o golpeia inúmeras vezes com requintes de ódio. Chateou-se com a informação? Poupa o anão e o deixa sair. A cena é icônica e desconfortável, pois o homenzinho não alcança o trinco da porta. Artur abre, dá um beijo em sua careca e ele dispara, assustado.
Essa permissão para o anão sair permite-nos supor que ele não se incomoda de o amigo a denunciá-lo. E acaba revelando que Artur tem planos. Mas até então não sabemos o que é. Ele se reorganiza e dispara para a sua Brodway do Humor. Logo está numa escadaria sem fim. É uma das cenas mais interessante, pois ele dança e está feliz. Por que a “felicidade”? Logo os investigadores o chamam no topo da escadaria. Ele entende tudo, mas desobedece. Não pode ser interrompido na maior chance de sua vida. Sai em disparada, entra num trem abarrotado de palhaços em protesto. A cidade está um inferno. Dentro dos vagões todos são iguais pelo efeito de máscaras e roupas de palhaço. Os investigadores ficam confusos. Um tiro é disparado, matando um dos revoltosos.
A multidão desce do trem e começa a linchar os policiais, os quais são acudidos pela guarda local e levados em estado grave para o hospital. Artur chega ao programa de TV e fica aguardando no camarim, onde a TV já anuncia o caso dos policiais espancados que se encontravam em estado grave no hospital. O entrevistador vai até ele para conversar rapidamente e ele pede que o anuncie como “Coringa”. Uma senhora era entrevistada antes dele, e o apresentador fala do entrevistado que viria a seguir. Diz achar que ele tinha um monte de problemas e precisava de um médico. Mostra o vídeo de sua famosa gargalhada e o ridiculariza mais uma vez, dizendo que honestamente as pessoas estavam precisando rir. Artur assiste a tudo pela TV. Quando é anunciado, faz uma entrada apoteótica, afinal conseguiu atingir o ápice. Está diante de um ícone do Humor e num programa ao vivo, visto em todo o país. Sua “felicidade” é tanta que ‘tasca’ um beijo numa senhora idosa que fora entrevistada antes. Todos aplaudem sua impecável performance.
O apresentador fala sobre os protestos e pergunta se sua caracterização de palhaço tem relação com o evento. Ele diz que não é político, e que está apenas fazendo todo mundo rir. O apresentador debocha: “será que está funcionando”? O “Coringa” esparrama uma bela gargalhada. Enfim pega seu caderno de piadas e começa a falar piadas de péssimo gosto. O público protesta junto com o apresentador. Então ele diz que a semana esteve difícil para ele desde que matou aqueles três investidores. O apresentador comporta-se com incredulidade. Ele insiste na revelação e o apresentador pede razões para acreditar. Ele diz não ter mais nada a perder... “nada mais me machuca, minha vida não passa de uma comédia”. Perplexo, o apresentador pergunta se ele achava que matar aqueles caras era engraçado. Ele responde que é, que acha engraçado, e cansou de fingir que não é. Diz que a comédia é subjetiva. Pergunta para a plateia: “não é isso o que vocês dizem? Vocês é que decidem tudo, o sistema e vocês são quem decidem o que tem graça e o que não tem”. Alguém na plateia pede para retirá-lo dali. O apresentador, sem acreditar, pergunta se ele fez aquilo para começar algum movimento. Artur pergunta se ele o vê como um palhaço capaz de começar algum movimento. “Eu matei aqueles caras porque eles eram péssimos, todo mundo é péssimo hoje em dia, é o que basta para a gente enlouquecer”. O apresentador diz que ele é louco e pergunta se isso era uma desculpa para matar os outros. Ele diz que não, diz que todos estavam preocupados com “aqueles caras”, e que se fosse ele todos passariam por cima. E diz que todos estavam solidarizados com “aqueles cara” apenas por que fulano de tal (o milionário - pai dele) chorou por eles na televisão. O apresentador pergunta se ele tem algum problema com o dito bilionário e ele diz que sim, sem dizer que ele é o seu pai, e pergunta se o apresentador sabia o que era estar lá fora, se por acaso ele saia dos estúdios, que as pessoas só gritam e berram, que nunca alguém é educado, que homens como o bilionário não sabem o que é ser igual a ele, que todos acham que as pessoas vão gritar e todos vão ficar calados como meninos bonzinhos. O apresentador diz que nem todos são iguais. Ele diz que o apresentador era péssimo. O apresentador pergunta por quê. Ele diz: “você passou o meu vídeo”, e que ele havia feito aquilo para transformá-lo numa piada, por isso ele era igual a todos. O apresentador condena o que ele fez com os três homens e com os dois policiais, que o povo se rebelou e que Artur ficava rindo sendo o responsável. Ele pergunta se o apresentador pergunta se ele queria ouvir mais uma piada. O apresentador diz que não. Artur, já gritando, diz “o que você consegue quando cruza com um doente mental solitário quando a sociedade abandona ele e o trata como lixo?”. O apresentador pede que a produção chame a polícia. De repente Artur dá um tiro em seu rosto, matando-o a queima roupa. Ele olha a plateia,, horrorizada e ri contemplando-a. Em seguida coloca o rosto na câmera principal e diz “não se esqueçam, a vida é...” (a produção corta, evitando completear: “uma comédia!”). Segundos depois, todas as TV’s dão a notícia. Godan City está perplexa.
O filme finaliza com Artur no carro da polícia passando pelas avenidas pegando fogo, carros sendo queimados, virados, lojas sendo apedrejadas e saqueadas. É a multidão de “palhaços” destruindo tudo. Ele externa um riso mórbido de satisfação com o cenário. Começa a dar gargalhada. Os policiais criticam a atitude e diz que tudo aquilo é culpa dele. Ele concorda e diz que tudo aquilo era bonito. Um veículo colide com o carro e os policiais morrem. A multidão, que havia visto Artur na TV, agora sabe quem é o herói dele, e o retira do carro. Enquanto isso, o milionário-seu-pai sai desesperado do teatro ao lado da esposa e o filho. Eles presenciaram o crime. Um palhaço os segue e os assassina a tiros. Instigado pelos “palhaços” enlouquecidos, Artur começa a dançar no capô do carro, ovacionado. Todos estão eufóricos diante do seu “mito”. Com uma expressão de terror, ele realiza a mesma dança plumática de quando matou os três “cidadãos de bem”. Então ele faz o seu típico gesto de alargar o sorriso com os dedos. Mas dessa vez usa sangue que sai de seu nariz e de sua alma. Logo faz uma deferência à multidão naquele picadeiro de horror.
A tela fica preta e divide a próxima cena. Surge o seu sorriso que para nós é um símbolo máximo de dor mais no coração que no físico tão espancado. E numa predominância da cor branca ele aparece numa espécie de prisão, ou hospital de loucos. está diante de uma assistente social, ou psiquiatra. Ele ri assustadoramente o seu choro. A mulher pergunta qual a graça. Ele diz que era uma piada. Ela pede para ele contar. Ele diz “você não iria entender”. Nesse momento toca “That’s Life”, na voz e combinação perfeita de Frank Sinatra. Em seguida ele aparece solitariamente, caminhando num corredor como executando a coreografia dessa obra de arte musical, que traduzindo, diz: “... Essa é a vida/ E é tão engraçada quanto possa parecer/Algumas pessoas têm prazer pisoteando sonhos/Mas eu não deixo, deixo que me faça mal/Por que esse velho e belo mundo continua a girar...”). Impressionante! Tudo é branco e contrasta com as pegadas vermelhas de sangue deixadas “inexplicavelmente” no piso. O filme finalmente é encerrado com um funcionário do hospital correndo atrás dele.
É um filme de mil reflexões. Mil possibilidades. A “interpretação” depende do lado que você vê. Na condição de educador, imagino quantos Artur existem nos países com desigualdade social. Sabemos que pessoas com transtornos mentais podem ter qualidade de vida desde que devidamente tratadas e acompanhadas por profissionais competentes, seja pelo estado ou pelo sistema privado. Quantos Artur nunca foram tratados por psiquiatras e médicos, portanto passaram pela vida sorrindo choros de dor e terror, vitimados por um eterno bullying. Quantas foram tratadas por profissionais medíocres que mal contribuíram com suas vidas. Quantos profissionais se tornaram medíocres pelo desprezo do Estado. Quantos lares do nosso imenso Brasil têm pais e mães desiquilibrados, criando desequilíbrio em seres inocentes? Quantas escolas brasileiras têm condição de lidar com crianças que apresentam transtornos mentais? Quantos professores medíocres marginalizaram ainda mais crianças e jovens com tais transtornos? Quantas escolas brasileiras contam com professores preparados para lidar com esse público, ou pelo menos dar-lhes amor?
Artur era fruto da desigualdade social. Uma metrópole de minoria milionária torna invisível os pobres, doentes, idosos, as pessoas especiais etc. Ela enxerga essa massa problemática como degrau para, por exemplo, ganhar uma eleição. É o que o milionário-seu-pai postulava. Artur é fruto de relacionamento de patrão com empregada. A mãe, bela quando jovem, serviu de brinquedo para um “homem de bem”, igual a esses que estão em alta ultimamente: os famosos “patriotas”. Com a gravidez, ele descartou a amante num sanatório e plantou uma fictícia adoção de Artur. Dinheiro permite quase tudo! Entre idas e vindas, Artur andou por instituições que abrigavam crianças vitimadas por violência. Ele sofrera abusos sexuais, torturas pelos outros amantes da mãe e dela própria. Artur era um espancamento em vida, portanto nem tentando sorrir era alegre. Seu sorriso era choro.
Fatalmente é nas mãos dessa vítima da sociedade que vai parar uma arma de fogo e realizar um divisor de águas em sua história. Já imaginou um Brasil com o povo armado? A condição de Artur o torna vítima de todo tipo de injustiças da sociedade que “mata” e depois vai rezar o terço, ou dizer Ô glória, estou salvo, aleluia! Artur era uma máscara em vida: brincava, tentava parecer feliz para alegrar pessoas e manter as aparências. Isso é a vida de muitos. Quantos priorizam esse comportamento socialmente e principalmente nas redes sociais. Há uma obrigação de ser feliz a cada segundo. É uma ficção ridícula. Mas se não for alimentada, cai-se na depressão ou num vazio que precisa ser preenchido. Há necessidade de se parecer feliz por que os colegas postam fotos sorrindo, felizes, em lugares bonitos, mesmo que muitos é mero cenário. Há necessidade de alimentar esse comportamento doentio e vergonhoso. Se eu não for igual aos felizes, aos melhores, aos bem vestidos, aos que viajam, aos que balançam chaves de carrões de luxo etc, serei patinho feio. Estarei fora do grupo. E quantos alimentam essas máscaras às custas da exploração alheia, como certos políticos, certas autoridades religiosas e muitos patrões. Quantos estão à beira do suicídio para manter essas caríssimas máscaras? Aparência pura! O mundo construiu um comportamento deplorável, que infelizmente contamina alguns perfis humanos, os quais deveriam ser o oposto. Quantos dão gargalhadas em Dubai ou nos Champes Elisèe, mas são gargalhadas de choro. É uma máscara. Esses são os palhaços atuais. Esses são os Coringas atuais. E Artur, de fato, era patinho feio, feito feio pela sociedade, pelas autoridades, pelos políticos... Seu mundo era idealizado. Sua namorada era uma imaginação. Coringa é o filme de terror da vida de muitos!

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