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Padre Osana de Siqueira e Silva (à esquerda), ao lado de Dom Expedito Lopes - década de 50
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O padre assassino - Os tiros que não saíram
pela culatra
No dia primeiro de julho de 1957, por volta das 18 horas e 30 minutos, três
sons de disparos de revólver ecoaram no Palácio Episcopal, em Garanhuns, no
agreste pernambucano. João, empregado da casa, ao ouvir o barulho, correu à
porta e deparou-se com o bispo, Dom Francisco Expedito Lopes, caído ao chão,
ensanguentado, moribundo. Imediatamente pediu-lhe que chamassem o Monsenhor
José de Anchieta Callou. Soube-se naquele momento, pelo próprio Dom Expedito,
o nome daquele que o alvejou: Padre Hosana de Siqueira e Silva, seu
subordinado. O motivo seria a denúncia que chegara ao bispo de que Padre
Hosana estaria tendo um caso amoroso com Maria José Martins, sua prima e
empregada doméstica. Dom Expedito Lopes faleceu depois de oito horas de
intensa agonia. Padre Hosana, a princípio, refugiou-se no Mosteiro de São
Bento. Como menciona o autor, “o crime, com suas interpretações, deixou
marcas”. É a partir dessas (re)interpretações, das marcas do dizer, lembrar e
narrar o crime, que ele constrói sua obra.Igor Alves Moreira é licenciado em
História pela Universidade Estadual Vale do Acaraú e mestre em História Social
pela Universidade Federal do Ceará. Neste livro, fruto de sua dissertação de
mestrado defendida em 20084, ele procura explorar e faz isso com maestria,
como o crime que sentenciou Dom Expedito à morte e Padre Hosana ao julgamento
dos 1Recebido em: 21de julho de 2016. Aceito para publicação em: 30 de
setembro de 2016.2Mestrando em História pelo Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (PPGH-UFRN). Bolsista
CAPES. Editor da Revista Espacialidades e membro do grupo de estudos
Cartografias Contemporâneas: história, espaços, produção de subjetividades e
práticas institucionais (UFRN). Email: cidmoraissilveira@gmail.com. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/5434753825771874.3MOREIRA, Igor Alves. Do bispo morto ao
padre matador:Dom Expedito e Padre Hosana nas construções da memória
(1957-2004). Sobral: Edições Ecoa. Sobral. 2015. p. 14.4A dissertação foi
defendida no Programa de Pós-Graduação em História Social da UFC e possui o
mesmo título do livro aqui analisado. O trabalho foi orientado pelo Prof. Dr.
Francisco Régis Lopes Ramos. Em PerspectivaRevista discente do PPGH/UFCISSN:
2448-0789 Resenha Revista Em Perspectiva [On Line]. 2016, v. 2, n.
1.Página215homens, foi lembrado e (re)contado através das construções do
lembrar. Apesar de admitir que a história é uma reconstrução da memória, Igor
viola as memórias e gesta uma história intrigante5, possibilitando assim a
construção de seu objeto, um acontecimento singular6.O interesse do autor é
perceber como os fatos relativos ao crime foram contatos e recontados. Para
isso, ele sustenta que há múltiplas variantes sobre o crime do Padre Hosana,
agenciadas e permeadas de intencionalidades. No decorrer do livro, Igor mostra
que existe uma tentativa de produção de um projeto intelectual, centrado na
feitura da biografia de Dom Expedito, por parte da Diocese de Garanhuns, para
empreender um plano de canonização do bispo. Da mesma forma ocorreu com a
figura de Padre Hosana, que também teve sua biografia contada, em forma de
livros ou narrativas orais, mas que ambas possuíam uma intenção clara:
idealizar e inocentar os respectivos biografados das acusações que lhes foram
direcionadas. Para isso, foi caro ao autor expor os conflitos das várias
formas de como o crime foi contado, notadamente nos livros e nos depoimentos
orais que coletou durante a pesquisa. Assim, ele admite que seu objeto de
estudo encontra-se intimamente ligado a uma problemática da história social da
memória, onde“o presente é sempre tocado e afetado pelo passado. E vice-versa.
Uma relação pautada por contradições, tensões e reconstruções. Uma relação que
abarca a lembrança e o esquecimento”. Assim, seu objeto de pesquisa é um
“ausente que age”.O livro encontra-se dividido em três capítulos. O primeiro
deles, Um bispo assassinado!, tem por objetivo analisar os discursos que
mostraram Dom Expedito Lopes como “santo” e “mártir” da Igreja e, do outro
lado, Padre Hosana como vilão e assassino. O autor problematiza aqui como os
discursos, textos e falas produziram uma suposta santidade do bispo, onde “são
textos dados ao público para convencer, para homogeneizar opiniões e 5Sobre a
relação entre o historiador e o trato com as memórias, ver ALBUQUERQUE JUNIOR,
Durval Muniz de. Violar memórias e gestar a História: Abordagem a uma
problemática fecunda que torna a tarefa do historiador um “parto difícil”.
Clio-Série História do Nordeste, n. 15. 1994.6 Paul Veyne entende o
acontecimento como próprio do saber histórico, onde a partir dele a história
poderia ser constituída. Para Veyne, o acontecimento é singular, uma conjunção
de fatos que não se repetirão. Para mais informações ver VEYNE, Paul. Como se
escreve a história:Foucault revoluciona a história. 4ª Ed. Brasília: Editora
Universidade de Brasília, 2008. 7MOREIRA, Igor Alves. Op. cit., p.15.8DOSSE,
François. História e Ciências Sociais.Tradução de Fernanda Abreu. Bauru:EDUSC.
2004. p. 184. Em Perspectiva Revista discente do PPGH/UFCISSN:
2448-0789ResenhaRevista Em Perspectiva [On Line]. 2016, v. 2, n.
1.Página216diluí-las sobre o réu e a vítima”9. Ainda no primeiro capítulo, ele
esclarece como o conceito deperdão foi usado nos discursos, notadamente o
perdão oferecido ao Padre Hosana pelo bispo nas horas de dor, com a finalidade
de compreender e pontuar o possível martírio de Dom Expedito. Aqui ele mostra
como o discurso do martírio foi apresentado à população de Garanhuns pelos
“homens e mulheres das letras”, ou seja, por aqueles que institucionalizaram
essas práticas discursivas.O assassinato de Dom Expedito Lopes transformou-se
em cartas, matérias de jornais e rádios, em livros, em literatura de cordel,em
temas de canções, em conversas dos moradores mais antigos. Para conforto e
desconforto de suas personagens, e da Diocese de Garanhuns, nesses registros
do passado no presente, verifica-se a existência de discursos e silêncio em
disputa. Nesses registros, vários conceitos e situações são abordados. No caso
do assassinato de Dom Expedito, verifica-se ainda que ele foi um “exemplo” a
ser seguido pela posteridade. O seu “exemplo”, no entanto, também aponta
tramas e incoerências. Para outro punhado de pessoas, Padre Hosana foi um “bom
exemplo”. Ambos, contudo, foram protagonistas de um crime. No segundo
capítulo, A Diocese de Garanhuns e o tribunal para a causa da beatificação e
canonização, o propósito é compreender e verificar os insumos e
procedimentosinstitucionais da Igreja Católica no tocante ao processo de
beatificação e canonização de uma pessoa. Há aqui uma preocupação do autor em
analisar como a Diocese de Garanhuns produziu e divulgou ao público uma
biografia linear e harmoniosa do bispo, bem como a atuação dos jornais em
socializar uma narrativa em prol da beatificação e canonização. É discutido
também os meios utilizados para sagrar e desenvolver uma memória específica e
homogênea de Dom Expedito.Como fruto de uma seleção, a biografia de
DomExpedito é composta pelo dito e não-dito, o autorizado e não-autorizado,
com intenções específicas e claras: dar um santo aos demais diocesanos. Uma
vontade e/ou capricho singular do grupo que é estendido aos demais de forma
imperativa. Dar a ele a “verdade”: que o Brasil tem um santo, ainda não
reconhecido oficialmente 9MOREIRA, Igor Alves. Op. cit.,p.21.10Ibidem. p.75.
Em Perspectiva Revista discente do PPGH/UFCISSN: 2448-0789ResenhaRevista Em
Perspectiva [On Line]. 2016, v. 2, n. 1.Página217pelo Vaticano. É uma
biografia apresentada na compreensão de que toda sua vida foi exemplar. É
linear e desprovida de provocações e conflitos.11No terceiro e último
capítulo, Um padre assassino?, é debatido pelo autor as várias interpretações
e narrativas que idealizaram Padre Hosana de Siqueira e Silva. Existe aqui, e
é trabalhado através de um dos tópicos do capítulo, literalmente, uma “guerra
de livros”, uma disputa de escrita, pela letra e a palavra. O autor traz para
a discussão as várias obras específicas, algumas com notadamente uma pretensão
biográfica, que tratam sobre o crime, onde se percebe claramente quem está do
lado do bispo e do lado do padre. Igor reitera que no trato com asnarrativas
sobre o crime, orais e escritas, foi possível perceber subversões e
contradições, onde a movimentação do dito e não dito regem os sentidos do
passado e, consequentemente, o texto do autor.Assim, a biografia é, tanto para
os que defendem o bispo, quanto para os que preservam o padre, um instrumento
de acusação e defesa. O passado de ambos explica o presente, justifica o
crime. São os usos do passado. O passado de um explica sua santidade, confirma
o sentido de sua morte, o passado do outro explica o crime. É uma biografia
linear, com causa e consequência. Se não fosse o crime, nenhum precisaria de
biografia, aqui posta como prova. O passado vale como argumento para provar a
inocência de cada um.12O que conseguimos perceber é que o “mártir” Dom Expedito
não permanece sem o seu oposto, o “vilão”, Padre Hosana. Um precisa do outro
para existir. Nas palavras do autor, “nesses fragmentos do passado, os dois
estão sempre juntos. Um alimenta o outro. Em meio aos dizeres e às
contestações sobre ambos, eles se complementam, se necessitam”13.A obra em
questão foi produzida através de uma grande variedade de fontes e um trabalho
primoroso de pesquisa. O autor utilizou-se de um extenso referencial teórico e
metodológico para dar conta da natureza de suas fontes: jornais, revistas,
livros, biografias, atas de abertura e instalação do tribunal para a
beatificação e canonização de Dom Expedito 11Ibidem. p.119.12Ibidem.
p.164.13Ibidem. p.172. Em PerspectivaRevista discente do PPGH/UFCISSN:
2448-0789ResenhaRevista Em Perspectiva [On Line]. 2016, v. 2, n.
1.Página218Lopes; livros de cânticos, orações, textos e discursos proferidos
nas missas, fotografias, registros de programas de rádio e TV, além dos
registros das narrativas orais, totalizando um total de 42 entrevistas.A obra
de Igor Alves Moreira consiste em um trabalho de um historiador notadamente
preocupado com os usos e abusos do passado pelos sujeitos no presente,
contribuindo para um olhar problematizador na relação entre o aqui (presente)
e o ali (passado), dentro de uma perspectiva da história social da memória.Os
que escrevem sobre esse crime se veem como guardiões dessa história, como
guarda-costas do passado. Cada um puxa a “verdade” para si, constituída com
base em iscas guardadas nas empoeiradas prateleiras de arquivos pessoais e
institucionais de Pernambuco e, ainda, nas narrativas orais dos moradores de
Garanhuns e Correntes. Este trabalho de ambula na oposição de uma ideia
homogênea, uniforme e harmoniosa da relação entre presente e passado, e
notadamente da concepção de história enquanto uma procissão de sujeitos
comportados e não transgressores frente aos acontecimentos, de uma história
enquanto exemplo a ser seguido, como ciência mestra da vida. Pelo contrário,
no confronto das fontes, o autor verificou e analisou incoerências e
incompletudes, leituras e posicionamentos diversos sobre as formas de dizer o
crime, feitios narrativos extremamente divergentes. Porém, ele é enfático em
dizer que o foco de seu trabalho não é o crime, e sim a forma como ele foi
narrado nas mais diversas fontes em que analisou durante a produção da obra.
Em suas palavras, “longe estou de querer saber sobre o desenrolar do crime.
Preocupado estou em analisar como ele foi contado e recontado na letra e na
fala”. E conseguiu.
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IRONIA DO DESTINO - 40 ANOS DEPOIS O PADRE ASSASSINO FOI ASSASSINADO
Ele foi encontrado morto a pauladas em seu sítio, em Correntes, Pernambuco, no dia 7 de novembro de 1997. Até hoje não se sabe a causa. Ele era metido em várias confusões relacionadas à propriedades. Quando João paulo II esteve no Brasil, ele tentou marcar um momento com ele para ver a possibilidade de pedir perdão oficialmente, mas o Vaticano fechou as portas para ele. Seu crime teve repercussão mundial. Foi a primeira vez na história da Igreja Católica que um padre matou um bispo.
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Padre Osana chegando à sede de seu sítio
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FONTES:
Em PerspectivaRevista discente do PPGH/UFCISSN: 2448-0789 ResenhaRevista Em
Perspectiva [On Line]. 2016, v. 2, n. 1.Página 214
Cid Morais Silveira2MOREIRA, Igor Alves. Do bispo morto ao
padre matador: Dom Expedito e Padre Hosana nas construções da memória
(1957-2004). Sobral: Edições Ecoa,2015.***
Bibliografia14Ibidem. p.173.15Ibidem. p.174. Em
PerspectivaRevista discente do PPGH/UFCISSN: 2448-0789ResenhaRevista Em
Perspectiva [On Line]. 2016, v. 2, n. 1.Página219ALBUQUERQUE JUNIOR, Durval
Muniz de. Violar memórias e gestar a História: Abordagem a uma problemática
fecunda que torna a tarefa do historiador um “parto difícil”. Clio-Série
História do Nordeste, n. 15. 1994.DOSSE, François. História e Ciências
Sociais.Tradução de Fernanda Abreu. Bauru: EDUSC,2004.MOREIRA, Igor Alves. Do
bispo morto ao padre matador:Dom Expedito e Padre Hosana nas construções da
memória (1957-2004).Sobral: Edições Ecoa, 2015.VEYNE, Paul. Como se escreve a
história:Foucault revoluciona a história. 4. ed. Brasília: Editora
Universidade de Brasília