Para quem gosta de ler histórias de figuras populares, o Rio Grande do Norte é um rio perene, desaguador de impressionantes personalidades que ainda 'agoam' o imaginário popular. Vai da embaixatriz que tinha carta-branca para entrar no gabinete de qualquer governador - e ser bem recebida - a um vendedor que entregava urubu tratado como sendo galeto. A venda era exclusiva aos norte-americanos dos tempos da guerra... Mas dentre os mais excêntricos personagens, temos "Rocas Quintas", cuja história segue abaixo. Resolvi transcrevê-la porque um autor norte-rio-grandense publicou um livro apresentando outra pessoa como sendo "Rocas Quintas", portanto a bem da verdade segue a verdadeira história de "Rocas Quintas", contada nada menos por um especialista no estudo dos nossos personagens populares...
ROCAS QUINTAS
(Por Gutenberg Costa – Pedagogo, Bacharel em Direito, Escritor e Pesquisador).
O memorialista é aquele que com certa idade conta o vivenciou de fatos e do seu conhecimento com pessoas e lugares. Descreve o seu passado e o repassa acompanhado de sérios testemunhos e fontes fidedignas. Sabe-se que quem pesquisa história necessariamente é devorador de livros, cliente voraz de livrarias e ‘rato’ de sebos. Já os ficcionistas ficam isentos de veracidade histórica em suas criações, como nos seus contos e romances. Apenas alguns desses, retratam os seus personagens, que aos olhos dos bons observadores, logo enxergam pessoas existentes em seus tempos. Mesmos que mudem os seus nomes ou situações. Assim o fez nosso criativo Nilo Emerenciano, em muitos de seus contos.
Dentro da paisagem urbana de Natal dos anos 70 a 90, do século passado, existiu de fato uma mulher prostituta e muito famosa conhecida por seu apelido – Rocas Quintas. Tímida, não aceitava ser entrevistada, mas aos poucos me concedeu curtos depoimentos em diversos momentos na então calçada do finado Café São Luiz, centro da Cidade Alta, no início dos anos 90, (1991): “Meu nome é Maria Edite. Estudei pouco na infância. Sempre fui uma menina traquina. Sempre gostei de fazer sexo desde mocinha. Eu quando era mais nova fazia ponto lá na Rua Quinze de Novembro na Ribeira. Numa noite atendia dezenas de homens nos quartos daqueles cabarés. Era uma cama velha, uma bacia de ágata ao lado, jarra d’água e sabonete para o asseio do casal. Era tudo na pressa e saia um e já se entrava com outro… homem de todo tipo, de cachaceiro a valentão, de jovem a velho… Hoje eu estou gorda e velha. Peço ajuda nas ruas, pois ando muito doente, meu senhor”. E mostrou-me na ocasião numa manhã de sol forte, meio dia, para comprovar seu pedido, uma parte de uma caixa de antibiótico onde se via o nome do tal remédio…
Alguns até diziam ser o seu marketing de pedinte ambulante. Na ocasião, a famosa Rocas Quintas, já aparentava uns 50 anos. Cabelos pretos com algumas mechas em branco. Desdentada, mas risonha às vezes. Obesa, como diziam ‘com barriga quebrada’. Branca e semi analfabeta, pernas grossas e pescoço bem curto. Olhos castanhos claros, diferentemente daquela romanceada Capitu machadiana. Estava calçando sandálias havaianas já gastas de muitas andanças e peregrinações, vestindo saia vermelha já desbotada e uma blusa não tão branca, como deveria ter sido no passado. Saudade do milagroso ‘Omo total’ das propagandas televisivas.
Seu apelido apareceu primeiramente na história escrita, através do premiado contista e memorialista, Nilo Emerenciano, em seu livro de Contos – ‘Aconteceu na Quinta Delegacia’, (1982, FJA). Embora ele não diga o seu livro foi inspirado em alguns personagens populares que o autor conheceu de perto nas ruas de Natal. O grande amigo Nilo, como dezenas de outros natalenses, conheceu a verdadeira Rocas Quintas, que era também natalense. Segundo a mesma: tinha dezenas de irmãos e seu pai vendia peixes e também matava porcos para sustentar sua família. Ela, solteirona, morava com os pais na região entre os bairros de Petrópolis e Praia do Meio. Família pobre, mas trabalhadora como muitas outras que habitavam os arredores da referida praia. No citado livro de Nilo, seu apelido dá título a um conto e mostra-nos uma quadra cantada popularmente pelos mais jovens dos anos 70/90, os quais também a apelidava de – ‘Corre Campo’ e ‘Errepê’, referências à cobra que não para de correr e ao antigo fusquinha da polícia, que batia o mundo todo em Natal:
“Rocas Quintas, Rocas Quintas,
Todo dia pega trinta,
Trinta homens todo dia,
“É a conta de Maria…”.
Em 1999, participando do concurso literário do então Quarto centenário da Cidade do Natal, promovido pela secretária especial para as festividades, apresentei meu projeto, que tratava de muitos tipos populares que conheci nas ruas das Rocas, das Quintas, passando meu Alecrim, onde nasci e vivi grande parte de minha vida. O referido projeto foi aprovado e eu ainda exigi que o livro fosse numerado de 01 a 400, em homenagem a minha cidade. E lá, pela segunda vez, a prostituta andante apelida de Rocas Quintas está figurando numa crônica, nas páginas 146/148. Sem sua fotografia, tão programada com o amigo Canindé Soares, pois quando chegara em sua moto, ela já havia debandado da Cidade Alta para as Quintas, atrás de seus possíveis pretendentes sexuais… Quando lancei o meu citado livro a procurei por semanas e não mais a encontrei pelas ruas. Teria partido sem destino em busca de novos amores em outras paragens? Ou como diz o povo: virou finada na terra dos pés juntos?
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