ANTES DE LER É BOM SABER...
domingo, 20 de outubro de 2024
Uma frase de Nísia Floresta...
“Todos os brasileiros, qualquer que tenha sido o lugar de seu nascimento, têm iguais direitos à fruição dos bens distribuídos pelo seu governo, assim como à consideração e ao interesse de seus concidadãos.”
— Nísia Floresta
Em “Opúsculo Humanitário”, 1853.
O pai de Nísia Floresta foi o seu pilar intelectual...
Muito já foi escrito sobre Nísia Floresta Brasileira Augusta. Uns escreveram livros, outros a reverenciaram em pequenos textos ou frases breves, mas muito fortes. Dentre uma infinidade de intelectuais ilustres - brasileiros e estrangeiros - que a citaram em tempos mais remotos, encontramos o genial pernambucano Oliveira Lima (1867-1928). Como se percebe, ele defende que Nísia Floresta já saiu de seu berço, no "sítio Floresta", com notável instrução. O que nos faz acreditar que a participação de seu pai, Dionísio, consistiu num pilar dos mais importantes para a formação educação da filha, estruturando-a para que ela se deslanchasse. É como se a criança Nísia, depois a adolescente Nísia, tivesse se despertado como por um estalo, um 'insight' a partir da experiência com o pai - que era um intelectual - e de forma prodigiosa. Julgando pela precariedade que aqueles ermos ofereciam, nada se deveria esperar da nossa Nísia. O pai, em termos de sua ilustração, foi peça fundamental. Essa frase desperta a ideia que todos sabemos: pais leitores, pais que envolvem naturalmente os seus filhos na floresta dos livros, via de regra os desperta para os mais impensáveis insights do bem. Eis Nísia Floresta... eis a frase de Oliveira Lima.
Oliveira Lima |
Nísia Floresta: Uma escritora de causas...
Peça teatral " História de Nísia Floresta" - Divulgação feita pela TV Manchete em 1993, há 31 anos...
1955- HÁ 70 ANOS OS RESTOS MORTAIS DE NÍSIA FLORESTA ERAM DEPOSITADOS EM SEU TUMULO...
Ilustração de autoria de Luís Carlos Peixoto, publicada no livro "A Menina do Vestido Roxo", de Sírlia Lima |
O que Nísia Floresta diria sobre as crianças brasileiras nos dias de hoje?
Em tempos de comemoração do Dia das Crianças, é comum ouvirmos a expressão: "as crianças são o futuro do Brasil". Contudo, essa frase parece ressoar vazia diante da realidade que muitas dessas crianças enfrentam. Nísia Floresta, em sua incansável luta pela educação integral das meninas, certamente levantaria questões profundas sobre o presente e futuro das nossas crianças. O que tem sido feito para que essa afirmação se torne verdade? E o que, de fato, representa o futuro que desejamos?
Nísia, uma defensora apaixonada da educação feminina, viu na escola o caminho para a emancipação humana. Ela, que viveu em uma época em que as mulheres eram confinadas às tarefas domésticas e limitadas em sua educação, foi uma pioneira ao exigir que meninas recebessem uma formação completa e digna. Ao olhar para a situação atual das crianças no Brasil, é impossível não refletir sobre a continuidade da luta de Nísia. Décadas se passaram, mas as desigualdades educacionais ainda marcam a vida de milhões de meninas e meninos no Brasil, especialmente os que se encontram em vulnerabilidade social.
Nísia defendia que a educação era a chave para transformar a sociedade, e não há dúvida de que, para ela, a situação atual das crianças no Brasil seria alarmante. Ainda hoje, muitas meninas e meninos, desde muito cedo, são forçados a viver nas ruas, a trabalhar em semáforos ou a acompanhar suas mães na mendicância. Essa dura realidade perpetua um ciclo de desigualdade e exclusão, que rouba da infância o brilho da esperança e do futuro.
Assim como Nísia denunciava as injustiças de seu tempo, ela também nos alertaria para os perigos que nossas crianças enfrentam com o avanço das tecnologias e redes sociais. Enquanto a internet pode ser uma ferramenta valiosa, também tem alienado crianças, deixando-as expostas a conteúdos inapropriados e limitando o tempo para brincadeiras ao ar livre, para o contato com a natureza e para o desenvolvimento de laços sociais saudáveis. A infância, que deveria ser um espaço de crescimento e aprendizado, está sendo substituída por telas e superficialidades.
Nísia, que acreditava no poder transformador da educação, exigiria que repensássemos nossas políticas públicas voltadas para a infância. Precisamos de uma intervenção urgente, com escolas modernas, professores valorizados e um compromisso real com a formação das novas gerações. Para que as crianças sejam, de fato, o futuro do Brasil, é preciso garantir-lhes um presente sólido e repleto de oportunidades.
Ao comemorarmos o Dia das Crianças, é fundamental lembrar que a educação não pode ser vista como algo secundário ou opcional. Nísia nos lembraria que, sem educação, não há transformação. E sem transformação, não há futuro. Não podemos continuar adiando soluções, pois cada dia perdido é uma geração que se distancia das possibilidades de um amanhã melhor.
Para que possamos honrar o legado de Nísia Floresta e garantir que nossas crianças tenham um futuro digno, é necessário agir agora. Que este Dia das Crianças seja um convite à reflexão e ao compromisso com uma educação que verdadeiramente emancipe meninos e meninas, como Nísia sonhou. 12.10.2022
As músicas que ouvi na infância e adolescência...
Eu tinha apenas 13 anos quando lançaram o LP Amar é.... Para quem não sabe, LP significa "Long Player", o pai do CD, talvez avô do pendrive — se estiver certo. As canções desse LP marcaram a minha adolescência, em um tempo que, ao menos para mim e os que me cercavam, parecia mais humano, mais romântico, mais respeitoso. Ouvir música era uma experiência distinta do que é hoje. O som preenchia os ambientes, mas sem jamais invadir. Música alta? Somente nos bares distantes, ou em festas e bailes. Ninguém ousava abrir a tampa de um carro e explodir o som na frente de um hospital ou de uma escola... ou em qualquer lugar. O volume elevado tinha seu lugar certo.
Em casa, tínhamos uma grande estante de madeira na sala. Ali repousavam livros, a televisão da marca SEMP e a "radiola" — ou "vitrola", como alguns a chamavam. Ouvir música era um ritual de precisão e delicadeza. Colocava-se o LP no prato da radiola, ajustando com cuidado o pequeno óculo sobre um cilindro. Girava-se o botão para ligar e então se aguardava, quase como um ato de reverência, o LP começar a rodar. Em seguida, com a delicadeza de quem maneja algo sagrado, erguia-se a haste com a agulha fina na base, que repousava sobre o início do disco em movimento. E ali, como mágica, as músicas nasciam. Cada lado do disco trazia seis canções, e quando um lado terminava, era necessário virar o LP e repetir o processo. Somente muito tempo depois meu pai comprou um "som", que fazia tudo isso automaticamente. Nosso único trabalho então era colocar o LP uma única vez. Enquanto a música preenchia o ar, nós, em irmandade, nos reuníamos no sofá ou no alpendre, ouvindo e conversando. Curtíamos a música como se fosse uma parte de nós.
Confesso que já naquele tempo os primeiros vestígios de um “lixão musical” começavam a se formar, com os programas do Chacrinha e do Bolinha, em meio a belíssimas canções brasileiras. Mas, se for justo, aquele lixão era ainda inocente, distante anos-luz do que vejo hoje. Talvez nem devesse chamá-lo de lixão, comparado ao atual. Era algo que se esvaía sem deixar marcas, sem cheiro... E, assim como veio, desapareceu. O que restou foram as músicas que traziam poesia, reflexão, crítica, aquelas que acalentam, animam e fluem como o curso de um rio. Essas são eternas, nunca envelhecem. Por mais que estejam tímidas, ofuscadas no meio do fogo de palha que se alastra, resistirão, pois sempre haverá poetas, músicos, arranjadores e artistas dignos do panteão de Apolo.
Toda boa música que carrega o dom de tocar a alma será eternizada. Não importa o estilo — MPB, forró, sertanejo (exceto o universitário, perdoem-me), caipira, brega — o que vale é a qualidade. Muitos criticam as músicas bregas, por exemplo, mas há uma riqueza nelas, especialmente nas que surgiram antes dos anos 90. Afinal, há nomes como Agnaldo Timóteo, Núbia Lafayete, Odair José (um gênio), Paulo Sérgio, Diana, entre tantos outros.
Minha inquietude aumenta quando penso na partida de tantos monumentos da nossa música — Belchior, Ângela Maria, Cartola, Noel Rosa, Tom Jobim, João Gilberto, Cauby Peixoto... Mestres que fizeram escola e inspiraram gerações. Isso me incomoda porque, enquanto vejo esses gigantes partirem, não noto novos nomes surgindo na mesma magnitude. Claro, há algumas exceções entre os jovens, mas a florada dos anos 80 para trás gerou frutos de altíssima qualidade. Eram todos poetas, músicos de excelência, verdadeiros patrimônios.
Ah, quase esqueço de compartilhar uma parte interessante dessas lembranças. A cidade em que nasci, naquela época, tinha apenas 26 anos de fundação. Um município planejado, criado em 1954. Já imaginou uma cidade tão jovem? Meu pai é um dos pioneiros daquele "Grande Sertão Veredas". Meus primeiros sons foram os esturros das onças, distantes, nas densas matas, o grasnar das araras, que, ao entardecer, pintavam o céu com suas cores e sons, seguidas pelos papagaios tagarelando nos pés de goiaba e mamão. À noite, a floresta ao redor se transformava em um monstro tão grande quanto o céu, com milhares de olhos de fogo e sons indecifráveis. Guardava segredos que causavam certo temor a quem se recolhia em casa. E, para dissipar aquele medo ancestral, nada melhor do que ouvir o "bicho homem", ao som dos LPs.
Quando queríamos algo mais sofisticado, atravessávamos a ponte sobre o caudaloso rio Paraná e íamos para o interior de São Paulo. Aos 13 anos, já embarcava sozinha num ônibus rumo às boas lojas paulistas, sem que ninguém pedisse documentos — afinal, todos se conheciam. E sempre voltava com uma novidade. Quase sempre, um LP era a melhor das surpresas. Naqueles tempos, as mesmas músicas nos acompanhavam por longos períodos. Talvez porque não houvesse a atual variedade de meios para ouvi-las. Assim, os LPs tocavam por anos. O único desgosto era quando uma faixa riscava. A agulha, então, ficava saltando e repetindo o mesmo trecho, como o canto incessante de um grilo. Era hora de ir até a radiola, levantar com todo cuidado o “bracinho” do aparelho e colocá-lo na música seguinte. E assim, a vida seguia... Uma vida simples, embalada pelo som de uma adolescência quase infantil.
Confesso que sinto uma certa pena das crianças e jovens de hoje. O "lixão" musical atual é um mega-super-lixão, que encanta e seduz, apagando, pouco a pouco, a poesia dos gênios que não tocam com a mesma frequência.
Eis que, ao ouvir agora o LP Amar é..., este pensamento me veio à mente.
7 de maio de 2021.