O ENCONTRO DE NÍSIA FLORESTA COM O PAPA PIO IX - 1858
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PIO IX SENDO CONDUZIDO DURANTE SOLENIDADE - 1870 |
As páginas da história de Nísia Floresta, por vezes se assemelham àquele casarão palaciano antigo e abandonado, permeado de tesouros intocáveis que você deduz existir ali, mas não tem acesso. Ei-la adiante. É uma página apenas. Mas de grande interesse histórico. E essa página aparentemente despretensiosa nos instiga a estudar mais e mais a história dessa brasileira notável, que adiantou-se no tempo. Em 2012 um amigo, professor da UFRN, conhecedor dos meus estudos sobre a nossa Nísia, me perguntou se era verdadeira a informação de que ela esteve com um Papa. Então decidi escrever e postar no meu blog, estendendo a informação a todos. Reuni todas as informações desse encontro, anexando comentários meus e contextualizando esse momento com a História da Itália naquele instante.
Na realidade, Nísia Floresta fazia uma espécie
de "tour" por algumas partes da Europa, acompanhada por sua filha
Lívia Augusta. E exatamente no dia 6 abril de 1858
ela visitou o Papa Pio IX, acompanhada de sua filha Lívia Augusta. A mãe
contava 48 anos de idade. A filha, 28. Esse encontro é curiosíssimo e nos
permite várias reflexões. Uma delas é a inquestionável condição católica da
nossa ilustre potiguar. Digo isso porque estando na Itália, e se referindo ao
seu encantamento diante do palácio de São Pedro, ela disse que o local era a “morada do humílimo
representante do Cristo sobre a terra”. Leia
o trecho ipsis literis:
“(...) Ali estava eu, não dentro
de um templo antigo ou de um palácio de imperador romano, enriquecidos e
embelezados com preciosos despojos da Grécia artística ou de poderoso e
maravilhoso Egito, mas sob as abóbadas da morada do humílimo representante do
Cristo sobre a terra (...)”.
Sobre esse mesmo encontro ela escreveu que:
“Qualquer
veneração que o Sumo Pontífice sempre me tenha inspirado, ele que libertou
oitocentos oprimidos, em 1848, para a grande causa da independência italiana,
não tivera jamais a ideia de, vindo a Roma, procurar ser recebida por Sua
Santidade”.
Constata-se
igualmente ao presente, que ela tinha veneração pelo Papa como ocorre aos
católicos. Na realidade, Nísia Floresta trazia uma característica interessante em sua escrita:
sua obra revela praticamente sua biografia. Você a descobre, lendo-a, mesmo que
ela não tenha escrito sua própria biografia. Ela externa a sua opinião,
despercebidamente, à medida que aborda assuntos pessoais diversos, comparando
sempre, ou se lembrando de algo aqui e ali. Sobre a sua religião, posso
garantir ao leitor que era católica fervorosa. Mas era altamente crítica. A
exemplo disso, bem atrás, no seu “Um Passeio ao Aqueduto da carioca” ela faz severas
críticas às freiras enclausuradas, entendendo que as mesmas deveriam usar o seu
tempo para atividades concretas diante dos pobres e doentes, e jamais para ficarem entre quatro paredes. Em outras obras,
ela critica severamente a vida pomposa e nababesca na qual viviam os padres, em
detrimento da miséria do povo. Se viva, hoje, se envolveria em muitas polêmicas!
Não seria uma católica muito católica. Diferente daqueles que mesmo vendo arbitrariedades dos religiosos se aquietam e os favorece para não desagradá-los, ela os alardearia sem receio algum, a favor da justiça
pertinente. Curioso é que uma das perguntas que mais ouço é “qual
era a religião de Nísia Floresta”? Há uma tendência a considerá-la atéia, agnóstica,
ou alheia às questões espirituais. Interessantemente disso tudo é o fato de
Nísia Floresta pincelar grande parte de sua obra com considerações tipicamente
católicas. Leitora voraz, conhecia a bíblia profundamente. Sabia decorada a
história de quase todos os santos. E esse seu conhecimento religioso amparava
grande parte de suas reivindicações e críticas.
Na
sua visita ao Papa, Nísia Floresta estava acompanhada por uma princesa
russa, uma condessa e uma marquesa italianas. Constata-se, como é óbvio, que a
audiência fora tratada com bastante antecedência, pois ela trazia uma permissão
escrita e timbrada com o Selo Papal. Então ela e as demais senhoras adentraram
ao palácio permeado de guardas e funcionários, entregando o documento ao
secretário direto do Papa Pio IX. Vencida essa etapa, foram convidadas a entrar numa ante-sala.
Naquele exato momento saiam senhoras da alta sociedade europeia que acabavam de
participar de uma audiência.
Nísia Floresta, Lívia Augusta e
as demais mulheres trajavam roupa preta. O véu fora colocado sobre a cabeça e
pendia até a cintura. Foram convidadas a sentar em grandes poltronas vermelhas.
A sala era decorada por grandes quadros retratando episódios testemunhados pelo
Vaticano. Nísia Floresta desaprovou a atitude das monarcas que estavam ao seu
lado, as quais não se comportavam como tais. Mas ela não entrou em detalhes.
Ela nos conta que, junto havia
uma americana de Boston. Após a audiência com o Papa, ela contou a Nísia
Floresta que vinha de uma família evangélica e procurara Roma para abraçar a
religião católica, contrariando a vontade do marido e da família. Essa senhora
se emocionou muito, pois queria ter trazido a filha, assim como Nísia, mas o
marido a proibiu. Ela temia jamais revê-la.
Sobre esse detalhe singular da
visita, Nísia Floresta escreveu:
“(...) Escutei, em silêncio,
aquela história tocante, e me perguntei qual das duas segue melhor os preceitos
de Cristo, se a mulher que pratica de coração as virtudes de esposa e mãe no
seio da família, ou aquela que a abandona, deixando no desespero uma filha e um
marido que a ama e de cujo destino ela jurou participar. Essa reflexão
naturalmente nos conduziu a muitas outras que o assunto e o lugar onde me encontrava
me sugeriam largamente (...)”.
As palavras acima, escritas de
próprio punho, nos oferecem reflexões preciosas. Sabemos que Nísia Floresta,
aos 13 anos, se juntou a um homem escolhido por livre e espontânea vontade.
Manuel Alexandre Seabra de Melo, mipibuense com pés fincados num engenho, cujo
seu mundo era limitado por muros de cana-de-açúcar. Resultado: a “união” não
durou um ano. Ela viu no casamento o presídio de seus sonhos. Nísia era uma
mulher universal. Almejava conhecer outros países, visitar universidades,
museus, estudar, aprender outras línguas, escrever livros enfim. Mas os
grilhões tão comuns às pernas dos escravos negros lhe pesaram também. O marido
“ultrajado” a perseguiu durante toda a vida. As leis da época permitiam
coabitação à força. Mas ele nunca a reencontrou. Com certeza a experiência que
ouviu dessa infeliz mulher lhe tocou profundamente, pois ela sabia, por
experiência, o que era ser tratada com autoritarismo.Nísia Floresta detestava
formalidades, e sobre esse encontro com
o Papa, mesma escreveu:
“Antipatizando-se sempre com as
formalidades, não me submeto a elas senão com esforço e quando espero ser útil
ou agradável a alguém”.
Nota-se que ela se esforçava
para lidar com ambientes com formalidade. Nesse ponto somos levados a lembrar
dos saraus organizados por ela, em Paris, onde recebia os mais notáveis
cérebros, anunciados aos demais presentes, sem formalidades e com grande
festividade. Diferente do momento no qual se encontrava. O fato de ela ter ido espontaneamente
ao vaticano e marcado audiência com o Papa, deixa claro a sua condição
católica, e o quanto o Sumo Pontífice significava para ela. Na realidade esse
encontro teve influência do arcebispo do Rio de Janeiro, que, conversando com Nísia
Floresta, anos antes, tanto enalteceu o representante supremo da Igreja
Católica que Nísia Floresta inspirou-se a conhecê-lo. E pessoalmente.
Se o leitor estranha um
casamento aos 13 anos, é importante saber que foi muito comum no passado. No
caso de Nísia, seu casamento não foi algo arranjado por seus pais e os pais do
marido. Foi um caso de amor entre uma adolescente e um homem maduro. Hoje seria
pedofilia, mas à época era comuníssimo. A diferença está no fato de não ter
sido algo forçado. Tanto Dionísio Lisboa quanto Antonia Freire tinham uma
mentalidade que diferia das vizinhanças, talvez por isso que parte da família
de Nísia (que morava em Goinainha), não gostou desse casamento e se sentiu
ultrajada com a separação. Mas no caso dos demais casamentos arranjados,
normalmente duravam a vida inteira. Assim surgiram famílias que muitas vezes
geravam vinte filhos. Boa parte das mulheres se calava a todo tipo de maltrato
e adultério do marido – muitas fezes com escravas e até parentas – na tentativa
de não ficar falada nem “desonrar” a família. Abandonar um casamento era um misto
de crime e pecado. A infeliz que incorresse a tal “loucura” ficaria desonrada.
Isso explica o fato de muitas moças de família, até mesmo até a metade do
século XX, quando se separavam, viam nos prostíbulos a única alternativa, pois
toda a sociedade já lhe impingia o rótulo de puta e repiputa pelo simples ato
de se separar do marido. A mulher era indesejada pela família e amigos.
Restava-lhe ser calhandeira. Sem opção.
Mas vamos voltar ao diálogo
entre Nísia e a mulher. Quando Nísia Floresta critica a ex-evangélica por ter
“abandonado o marido”, soa contraditório, pois ela também abandonou o seu. Qual
autoridade para a crítica? Mas a crítica de Nísia procede e tem fundamento, pois
ela se refere ao pecado da quebra de um juramento feito no altar, diante de
Deus. A mulher de Boston era uma mulher casada oficialmente. Fato que não
aconteceu a Nísia Floresta. Ela “era junta”, como se diz no Nordeste.
Nísia, que era católica, via no
juramento feito no altar, um preceito sagrado e inviolável. Nesse, e em muitos
pontos – para estranheza de muitos – Nísia era até conservadora. Diferente do
que tantos comentam. É outra história, afinal ela oscilava algumas de suas
interpretações. Umas se lapidaram ao longo do tempo, outras não. A sua primeira
união não teve juramento, teve adolescência à flor da pele e hormônios
explodindo. Os pais acreditaram nessa união, e para surpresa de todos, também
acreditaram na separação. Eram liberais. Por essas modernidades se tornaram
tema de conversas nas casas e engenhos da Papari mergulhada em tabus e
preconceitos diversos como já tratamos.
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PRAÇA SÃO PEDRO DURANTE A BENÇÃO PAPAL DE PIO IX |
Retomando o encontro com o Papa
Pio IX. Enfim, chega a hora de as visitantes serem anunciadas. A primeira foi a
americana. Sobre essa mulher, Nísia Floresta também escreveu suas impressões:
“(...) Pobre mãe! Pensei, que
nunca tenhas de te censurares por ter abandonado tua filha em uma idade em que
a prudência materna seria seu melhor guia do mundo! (...).
Quando anunciam o seu nome e o
da filha, ela sentiu o coração pulsar forte e se emocionou. Lívia Augusta
estava extasiada, como se não acreditasse naquele encontro. Enfim, elas
caminharam até a porta da espaçosa sala de audiências, e lá estava Pio IX. Ele
estava em pé, trajava uma túnica branca, ao fundo da sala, a mão esquerda se
apoiava em uma mesa onde havia um crucifixo, um livro e uma tabaqueira.
Esse encontro é tão revelador que
vale a pena ser transcrito:
“(...) Sua fisionomia irradiava
uma expressão de celeste bondade e unção, que eu vira em alguém. Apenas
chegamos perto dele, estendeu-nos a mão: beijei-a respeitosamente, e minha
filha seguiu meu exemplo. Depois ele me perguntou com certa dificuldade, em
minha língua materna, se fazia muito tempo que havíamos deixado o Brasil e se
eu tinha a intenção de fixar-se em Roma, acrescentou, logo, em italiano.
As primeiras palavras em
português e a doce bondade com que foram pronunciadas pelo Chefe da Igreja, diante
de quem eu trazia todas as recordações da família e da pátria, produziram, em
meu coração, uma emoção profunda e, em meu espírito, um efeito maravilhoso.
Acreditei, um momento, perceber, através de uma nuvem pura e diáfana, a imagem
dos queridos autores de meus dias: um excelente pai, vítima de seu devotamento,
uma terna mãe, resignada na dor suavizada pela religião católica, que lhe
derramava n’alma o mais alutar consolo: um, morrendo por um pobre oprimido de
quem patrocinara a causa; a outra, sobrevivendo-lhe alguns anos para consolar
quem sofria em torno dela.
A visão
se dissipou... Eu estava diante do Papa. “A senhora viaja com sua filha”,
perguntou-me, “e não tem outros filhos?” Respondi-lhes mostrando a miniatura de
meu filho. (Nísia Floresta se
refere a um camafeu com a fotografia do filho Augusto Américo de Faria Rocha). Tomando-a às mãos, aplaudiu meu cuidado materno, e
acrescentou que pela primeira vez uma mãe lhe trazia, assim, a efígie do filho,
não podendo conduzir o original. Depois, perguntou quem era a jovem
representada ao lado dele. Ao saber que era a esposa, disse: “tão jovem ainda e
já casado”. E deu-lhes a benção.
Contei-lhes em poucas palavras a
minha dor, causada pela morte de minha mãe, bem como a finalidade de minhas
viagens. Dos lábios de Pio IX escaparam palavras consoladoras e cheias de
unção. Em sua indulgente bondade, dignou-se louvar os meus sentimentos de
filha. Aconselhou-me escolher Roma para
fixar residência. A permanência em Rora, no seu entender, conviria à situação moral
em que meu espírito se encontrava. Algumas considerações que acrescentou
fizeram-me melhor apreciar a pureza de seu coração e me convenceram mais ainda
do seu desconhecimento relativamente ao que ocorre nesta cidade. Seu olhar doce
e calmo brilhava como um raio divino, à medida que falava. Eu me sentia
subjugada sob a influência desse olhar, daquelas palavras que ele tirava da sua
verdade suprema. Ali estava, realmente, o digno e venerável chefe da Igreja, o
Pontífice reluzente da luz da caridade. Ali estava o verdadeiro e grande poder
espiritual, mais capaz de convencer e mais digno triunfar do que toda e
qualquer outra potência humana (...)".
Esse diálogo nos permite tratar
sobre diversos bastidores, como por exemplo o casamento de Augusto de Faria Rocha,
filho de Nísia. Observe que o Papa estranhou o fato de ele, tão novo, já ser
casado. Anos antes, no Brasil, Nísia Floresta teve uma das grandes decepções de
sua vida quando, inesperadamente, o filho Augusto Américo a comunicou, por
carta, que estava casado. Ela sofreu tanto que quase tentou desmanchar a
decisão do filho. A decepção a fez adoecer. Creio que podemos entender a sua
decepção a partir de sua própria história. Nísia Floresta era uma intelectual
que buscava todas as formas de conhecimento possíveis. Seja qual for o local
que estivesse, procurava imediatamente freqüentar bibliotecas, cursos, escolas,
museus, ruínas, lugares históricos enfim, não perdia tempo. Sua sede de
conhecimento era insaciável. Com certeza ela vislumbrava outros universos para
o filho. Na realidade ele não a decepcionaria nesse sentido, mas isso é outra
história.
Enfim, após uma boa conversa
ela e a filha se despedem do Papa, recebem a benção e saem. Sobre esse encontro
Nísia também escreveu uma observação curiosa. Como sabemos, ela era muito
crítica, e não esqueceu de comentar sobre a riqueza desmedida em que viviam o
Papa e todos os religiosos que se abrigavam na corte papal.
“(...) Escutando aquelas
palavras, esqueci o fausto da corte papal que choca todos os espíritos versados
nas grandes lições do Evangelho; esqueci também todos os abusos de que esta
corte se cercou. Na verdade, vi um coração repleto de grandes virtudes, que
poderia fazer à felicidade a uma parcela da humanidade, se não lhe faltasse
energia! E lamentei que o espírito do grande reformador de 1848 não estivesse
em harmonia com o seu coração. Deplorei ainda que atos de injustiça e tirania,
praticados em seu nome, tivessem diminuído a simpatia generalizada que até bem
pouco tempo inspirava e fizessem com que seu poder se confundisse com o das
potências políticas do mundo (...)”.
As reflexões abaixo, também
escritas por Nísia Floresta são impressionantes. Ela não cita exemplos, mas
divaga coisas fortes, facilmente captadas por espíritos inteligentes. Leia:
“(...) Quando temos acesso a esse
pontífice e o ouvimos, é impossível não sofrer a influência quase celeste de
sua bondade. Encontramo-nos em uma atmosfera bem diversa daquela que subjuga o
espírito de seus subordinados! “Subordinados”, digo. São Pedro, o humilde
servidor de Jesus Cristo, jamais se arrogou o direito de ter subordinados? Oh!
através de que labirinto de contradições os pomposos sucessores do santo
apóstolo, do simples pescador, conduziram sua grande obra? Junto de
Pio IX, esqueci tudo isso. Mas, tornei a me aperceber, ao me despedir dele e ao
lançar um olhar sobre essa Roma moderna!
É tão impressionante o texto
acima que julga-se refletirmos sobre alguns trechos. Quando ela diz :
“Eu me sentia subjugada a
influência desse olhar, daquelas palavras que ele tirava da fonte da verdade
suprema”.
Essas
palavras reforçam o catolicismo que já falamos. Para ela o Papa era o intermezzo da verdade suprema. Revejam:
“Ali
estava, realmente, o digno e venerável chefe da igreja, o Pontífice reluzente
da luz da caridade. Ali estava o verdadeiro e grande poder espiritual, mais
capaz de converncer e mais digno de triunfar do que toda e qualquer outra
potência humana”.
Enfim, Nísia Floresta e Lívia
deixam o Palácio de São Pedro, maravilhadas com a experiência. Próximo dali
Nísia Floresta vivenciou uma experiência muito constrangedora, mas será contada
n’outra oportunidade, acaso o leitor insista nessa página de memórias velhas.
Apenas para esclarecimento, o Papa Pio IX foi o primeiro a ser fotografado na história dos Papas, e praticamente o seu acervo de fotos faz parte do primeiro do mundo, pois não existiam máquinas fotográficas, nem as imagens eram obtidas já com a perfeição que se vê.
VEJA, ABAIXO, INFORMAÇÕES SOBRE PIO IX, RETIRADAS DA WIKIPÉDIA
TÚMULO DE PIO IX NA BASÍLICA DE SÃO LOURENÇO |
Pio IX, nascido Giovanni Maria
Mastai-Ferretti (Senigália, 13 de maio de 1792 - Roma, 7 de fevereiro de 1878),
foi Papa durante 31 anos,
7 meses e 22 dias, entre 16 de junho de 1846 e
a data de seu falecimento. É o segundo pontificado mais longo da história
depois de São Pedro.
Foi beatificado em 3 de setembro de 2000,
pelo Papa
João Paulo II. Foi o primeiro Papa da história a ser fotografado.
Giovanni
Mastai-Ferretti nasceu em Senigália (Itália) e estudou no Colégio Piarista em Volterra, e
em Roma. De origem nobre, por sofrer de epilepsia não conseguiu
seguir uma carreira militar, tendo seguido teologia e sendo ordenado sacerdote em 1819. Trabalhou nos
primeiros anos do sacerdócio no Chile, regressando ao seu
país em 1825. Nomeado arcebispo de Spoleto
em 1827 e cinco anos
depois para a diocese de Imola. Elevado a Cardeal em 1840.
A
sua eleição para Papa sucessor de Gregório XVI foi o resultado
de uma divisão no conclave entre conservadores e reformadores.
Mastai-Ferretti era tido por candidato liberal, e, ao quarto escrutínio, foi
eleito. Tomou o nome de Pio IX como homenagem ao Papa Pio VIII, seu antigo benfeitor.
Foi coroado em 21 de Junho de 1846.
Apesar de
ser considerado no início como um liberal, o seu pontificado passou a ser
considerado como uma mudança no sentido do conservadorismo por seus críticos.
Pio IX iniciou uma campanha contra o que chamou de falso liberalismo.
Na encíclica Quanta Cura de 8 de dezembro de 1864, condenou dezesseis proposições que contrariavam a
visão católica na época. Esta encíclica foi acompanhada pelo famoso Syllabus errorum, que condenava as ideologias do panteísmo, naturalismo, racionalismo, indiferentismo, socialismo, comunismo, franco-maçonaria, judaísmo, Igrejas dadas como Cristãs a tentar explicar a Bíblia e vários outras formas de
liberalismo religioso tidos por incompatíveis com a religião católica. Antes,
em 8 de janeiro de 1857, já havia feito a condenação dos
escritos filosófico-teológicos de Günther e em muitas ocasiões insistiu em que
se deveria seguir a filosofia e a teologia de São Tomás de Aquino.
Durante
toda sua vida foi muito devoto da Virgem Maria . Em 1849, quando se encontrava no exílio,
em Gaeta, consultou o ponto de vista dos
bispos da Igreja a respeito da Imaculada Conceiçãoenviando-lhes cartas, e em 8 de dezembro de 1854, na presença de mais de duzentos bispos proclamou
o dogma da Imaculada
Conceição da Virgem Maria como sendo um dogma de fé da Igreja através
da encíclica Ineffabilis Deus.
Promoveu
a devoção ao Sagrado Coração e em 23 de setembro de 1856 estendeu esta festividade a todo o mundo
católico, em 16 de junho de 1875 consagrou o mundo ao Sagrado Coração de Jesus. Promoveu a vida interna da
Igreja por meio de muitas normas litúrgicas e reformas monásticas e um elevado número de beatificações e canonizações, sem
precedentes para a época.
Em 29 de junho de 1869 publicou a Bula Aeterni Patris com a qual convocou o Concílio Vaticano I, cuja cerimônia de abertura
contou com a presença de setecentos bispos no dia 8 de dezembro de 1869. Na quarta sessão solene do concílio, em 18 de julho de 1870, a infalibilidade papal foi declarada um dogma de fé. Criou os cardeais Wiseman e Manning da Inglaterra; Cullen da Irlanda; McCloskey dos Estados Unidos; Diepenbrock, Geissel, Reisach e Ledochowski da Alemanha; Rauscher e Franzelin da Áustria; Mathieu, Donet, Gousset e Pita da França.
Em 29 de setembro de 1850 restabeleceu a hierarquia católica na Inglaterra erigindo
a Arquidiocese de Westminster com as sedes sufragâneas de Beverley, Birmingham, Clifton, Hexham, Liverpool, Newport e Menevia, Northampton, Nottingham, Plymouth, Salford, Shrewsbury e Southwark. Este ato provocou uma ampla comoção por parte de ingleses
intolerantes, fomentada pelo Premier Russel e pelo London Times que quase resultou em perseguição aberta
contra os católicos na Inglaterra. Em 4 de março de 1853restabeleceu a hierarquia
católica na Holanda,
erigindo a Arquidiocese de Utrecht e
as sedes sufragâneas de Haarlem, Bois-le-Duc, Roermond e Breda.
Foi em seu pontificado em que houve o cisma ente o Papado e o Império do Brasil. Pio IX estabeleceu uma série de documentos condenando as novas ideias, entre elas a Maçonaria. No Brasil havia, instituição herdada da monarquia portuguesa, chamado padroado. Ele determinava que qualquer determinação da Santa Sé, no Brasil, somente seria válida com a autorização do Imperador. Uma delas foi a proibição de casamento entre católicos e maçons. D. Pedro II não assinou e gerou problemas na atuação dos padres brasileiros. Os bispos D. Vital e Macedo Costa seguiram as determinações do Papa e gerou uma crise do País com o Vaticano. Os bispos foram presos e condenados a prisão. O caso somente foi resolvido quando o império mandou um diplomata a Roma.
Pio
IX aboliu leis que forçavam os judeus a viver em áreas específicas, os impediam de
praticar certas profissões, e os obrigavam a ouvir sermões quatro vezes por ano
em tentativas de conversão. O Judaísmo e o Catolicismo eram as únicas religiões permitidas por
lei (o Protestantismo era permitido aos estrangeiros mas
não autorizado a italianos). Mesmo assim, o testemunho de um judeu em tribunal
contra um cristão era inadmissível aos olhos da lei.
Em 1858, num caso altamente
divulgado na época, uma criança judia de seis anos, Edgardo Mortara, foi levado de sua
casa pela polícia para os Estados Papais. Foi referido que havia sido batizado por uma empregada
cristã da família quando estava doente, por temer que não fosse para o Céu.
Naquele tempo os cristãos não podiam ser criados por judeus, mesmo se fossem
seus pais. Pio recusou os apelos de numerosos chefes de estado, incluindo o
Imperador Francisco José I da
Áustria e
o Imperador Napoleão III de
França para
o retorno da criança a seus pais.
O ano
de 1848 foi muito agitado na Europa, tendo-se iniciado com revoltas na Sicília. Em 14 de Março, a desordem pública forçou Pio IX a conceder uma constituição e um parlamento. O Rei Carlos Alberto da Sardenha declara guerra à Áustria
nove dias depois. O levantamento popular continuou e um dos ministros que
tinham sido nomeados pelo Papa para tentar agradar aos revolucionários foi
assassinado em 15 de Novembro.
O Papa
foi cercado por uma multidão no Quirinal mas escapou com um disfarce em 24 de Novembro para o Reino de Nápoles, ficando a cidade de Roma nas
mãos dos revoltosos. Só em 12 de Abril de 1850 retornaria a Roma, após
intervenção diplomática da França e
da Áustria. Crê-se
que Pio IX tenha regressado afetado por esta violência e convertido para o lado
conservador. Os revolucionários ainda estavam no terreno e a manutenção
dos Estados Papais, sujeita à pressão de
nacionalistas como Victor Emanuel II de Itália só se conseguiu com a ajuda de
tropas francesas e austríacas.
Unificação
italiana
Em 1858 Napoleão III e o Conde de Cavour declaram em
conjunto guerra à Áustria. Na sequência da Batalha de Magenta (4 de Julho de 1859) as forças da Áustria
retiram-se dos Estados Papais, precipitando assim a sua queda. Em Fevereiro
de 1860, Victor Emanuel
reclama a Umbria e a região das Marches; ao serem recusadas, toma-as pela
força. Ao derrotar o exército papal em 18 de Setembro, em Castelfidardo, e em 30 de Setembro em Ancona, Victor
Emanuel toma todos os territórios papais excepto Roma.
Em
Setembro de 1870 cerca Roma,
tornando-a capital da nova Itália unificada. Concede a Pio a "Lei das
Garantias" (15 de Maio de 1871) que dá ao Papa direitos de soberania, uma
quantia anual fixa e a extraterritorialidade dos palácios papais de Roma. Pio
IX nunca aceitou a oferta oficialmente, mantendo a pretensão sobre os
territórios conquistados. Embora não tenha sido preso ou impedido de viajar à
sua vontade, declarava-se prisioneiro no Vaticano. Além disso,
proibiu os católicos italianos de votar nas eleições do novo reino italiano. Essa
incômoda questão de disputas entre o Estado e a Igreja fica conhecida com o
nome de Questão Romana e só termina em 1929, quando Benito Mussoliniassinou com o Papa Pio XI a Concordata de São
João Latrão.
Pio IX
escreveu algumas encíclicas a condenar determinadas teorias recém-surgidas como o comunismo e as ações anticristãs. Em 8 de Dezembro de 1864, Pio IX escreve a encíclica Quanta Cura cujo Syllabus lista
80 dos "principais erros do nosso tempo". O 80º erro era que o
Pontífice Romano tem de se reconciliar e acordar com o liberalismo e
civilização moderna. Esta encíclica criticava abertamente aquilo que na altura
era conhecido como americanismo.
Praça de
São Pedro durante a benção papal no dia 25 de Abril de 1870.
Num
balanço do pontificado, pode ser considerado um conservador. Como curiosidade o
seu nome (Pio Nono) - era referido pelos italianos antipapistas
como Pio No No.
O seu túmulo está na igreja de San Lorenzo fuori le
mura. A sua controversa beatificação iniciou-se
em 11 de Fevereiro de 1907 e
foi relançada por três vezes antes de Pio IX ser declarado Venerável (6 de Julho de 1985). Ele
foi finalmente beatificado em 3 de Setembro de 2000,
juntamente com João XXIII,
por João Paulo II. Sua
festa litúrgica é comemorada no dia 7 de fevereiro, data
de seu falecimento. Sobre ele afirmou o Papa João Paulo II:
Ao ouvir
as palavras da aclamação ao Evangelho: "Senhor, guia-nos pela recta
via", o pensamento dirige-se espontaneamente para as vicissitudes humana e
religiosa do Papa Pio IX, João Maria Mastai Ferretti. Perante os acontecimentos
turbulentos do seu tempo, ele foi exemplo de incondicionada adesão ao depósito
imutável das verdades reveladas. Fiel em qualquer circunstância aos empenhos do
seu ministério, soube dar sempre a primazia absoluta a Deus e aos valores
espirituais. O seu longuíssimo pontificado não foi deveras fácil e teve que
sofrer muito no cumprimento da sua missão ao serviço do Evangelho. Foi muito
amado, mas também muito odiado e caluniado.[1]
Mas
precisamente no meio destes contrastes brilhou mais resplandecente a luz das
suas virtudes: as prolongadas tribulações mitigaram a sua confiança na divina
Providência, de cujo soberano domínio sobre as vicissitudes humanas ele jamais
duvidou. Nascia aqui a profunda serenidade de Pio IX, mesmo no meio das
incompreensões e dos ataques de tantas pessoas hostis. Gostava de dizer a quem
lhe estava próximo: "nas coisas humanas é necessário contentar-se em fazer
o melhor que se pode e no resto abandonar-se à Providência, que curará os defeitos
e as insuficiências do homem".[1]
É
conhecida a profunda veneração que o Papa João tinha pelo Papa Pio IX, do
qual desejava a beatificação. Durante um retiro espiritual, em 1959, escrevia
no seu Diário: "Penso sempre em Pio IX de santa e gloriosa memória, e
imitando-o nos seus sacrifícios, desejaria ser digno de celebrar a sua canonização"
(Jornal da Alma, Ed. S. Paulo, 2000, p. 560).[1]
Descrição: Escudo eclesiástico esquartelado: o 1º e o 4º
de blau com um leão coroado,
apoiado sobre uma arruela, tudo de jalde –
Armas dos Mastai; o 2º
e o 3º de argente com duas bandas de goles – Armas dos Ferretti. O
escudo está assente em tarja branca. O conjunto pousado sobre duas chaves
decussadas, a primeira de jalde e a segunda de argente,
atadas por um cordão de goles, com seus pingentes. Timbre: a tiara papal de
argente com três coroas de jalde. Quando são postos suportes, estes são dois
anjos de carnação, sustentando cada um, na mão livre, uma cruz trevolada
tripla, de jalde.
Interpretação:
O escudo obedece às regras heráldicas para os eclesiásticos. Nele estão
representadas as armas familiares do pontífice, os Mastai, de Crema, e os Ferretti, condes em Ancona. No 1º e
no 4º, o campo de blau (azul) representa o firmamento celeste e ainda o manto
de Nossa Senhora, sendo que este esmalte significa: justiça, serenidade,
fortaleza, boa fama e nobreza. O leão, símbolo de soberania, força e poder,
sendo de jalde (ouro), simboliza: nobreza, autoridade, premência, generosidade,
ardor e descortino. No 2º e no 3º, o campo de argente (prata) simboliza:
inocência, castidade, pureza e eloquência e as bandas de goles (vermelho)
simboliza: o fogo da caridade inflamada no coração do Soberano Pontífice pelo Divino Espírito Santo,
que o inspira diretamente do governo supremo da Igreja, bem como valor e o socorro aos necessitados, que
o Vigário de Cristo deve dispensar a todos os homens. Os elementos externos do brasão
expressam a jurisdição suprema do papa. As duas chaves
"decussadas", uma de jalde (ouro) e a outra de argente (prata) são
símbolos do poder espiritual e do poder temporal. E são uma referência do poder
máximo do Sucessor
de Pedro ,
relatado no Evangelho de São Mateus, que narra que Nosso Senhor Jesus Cristo disse a Pedro:
"Dar-te-ei as chaves do reino dos céus, e tudo o que ligares na terra
será ligado no céu, e tudo o que desligares na terra, será desligado no
céu" (Mt 16, 19). Por conseguinte, as chaves são
o símbolo típico do poder dado por Cristo a São Pedro e aos seus sucessores.
A tiara papal usada como timbre, recorda, por sua simbologia, os três poderes
papais: de Ordem, Jurisdição e Magistério, e sua unidade na mesma pessoa.
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