O Golpe Militar de 1964
Era uma tarde aparentemente comum de 1964. Sessenta e um anos se passaram desde então, mas a lembrança daquele dia permanece viva, tatuada na memória de Alysgardênia como um eco distante e doloroso de um tempo sombrio (Essa história foi vivida por minha esposa e sempre há contextos em que ela aparece. Até hoje ela sente desconforto ao contá-la, mas entendo que é necessário jogar holofotes sobre a mesma, para que os jovens, principalmente, conheçam e saibam quão aterrorizante foi a Ditadura Militar no Brasil, essa página deplorável e - absurdamente - reivindicada por algumas pessoas insanas nesse último governo em que vimos o ex-presidente elogiar o maior torturador do Brasil e seu filho reivindicar o AI-5, alegando que com um cabo e um soldado é possível fechar o Congresso acional)... Vamos à História...
Dona Maria J. Albuquerque. M. seguia sua rotina habitual: dirigia-se ao Colégio Lins de Vasconcelos, na Praça dos Três Poderes, no coração de João Pessoa, para buscar suas filhas, Alysgardênia e Geuma, de cinco e quatro anos respectivamente. A praça, imponente e serena, abrigava o Palácio do Governo, o Tribunal de Justiça e a Assembleia Legislativa. O centro nervoso da capital.
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Palácio da Redenção (Palácio do Governo), João Pessoa, PB, onde elas se protegeram. |
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Dona Maria J. com as filhas Geuma (à esquerda) e Alysgardênia no fatídico dia que em João Pessoa estourou a Ditadura Militar, no mês de abril de 1964. |
O terror se instalou nos olhos de Alysgardênia e
Geuma. As pequenas começaram a chorar, agarrando-se à mãe, que, por sua vez,
sentia o coração pulsar descompassado. Para ela, tudo aquilo era um pesadelo
acordado. Foi nesse instante que, como um anjo surgido do céu, apareceu um homem.
Ele vestia o uniforme que ela percebeu se tratar de funcionário do Palácio do
Governo. Percebendo o pavor da jovem mãe e das crianças, ele se aproximou
rapidamente. Identificou-se, orientando-a a correr com as filhas para dentro do
Palácio, que logo foi fechado às pressas.
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Dona Maria J. com as filhas Geuma (à esquerda) e Alysgardênia no fatídico dia que em João Pessoa estourou a Ditadura Militar, no mês de abril de 1964. |
Ao deixarem para trás a Praça dos Três Poderes,
viram um cenário irreconhecível. O comércio fechava suas portas às pressas,
pessoas corriam desnorteadas, policiais militares e soldados do Exército
patrulhavam cada canto. Quando finalmente chegaram em casa, encontraram o Sr. Gustavo
M., marido de d. Maria J., angustiado. Ouvindo tudo pelo rádio,
ele acabara de chegar do trabalho e já se preparava para ir ao centro,
desesperado para encontrar a família. O alívio tomou conta dele ao vê-las sãs e
salvas.
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Alysgardênia no dia do seus 15 anos, tempos de chumbo... tempos em que ouvia horrores narrados por seus pais, como a vizinha que sumiu, levada pelos agentes da Ditadura Militar |
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Local onde se deu o episódio. |
O episódio deixou marcas profundas em Alysgardênia. Mesmo tendo apenas cinco anos, o trauma a acompanharia para sempre. Até hoje, ao contar a história, ela se emociona. E, em meio às memórias dolorosas, persiste a lembrança daquele homem - um desconhecido que, como um anjo anônimo, carregou duas crianças no colo e as levou para um lugar seguro, enquanto o Brasil mergulhava nas trevas. Vem a imagem da vizinha e a história do olheiro dos militares... tempos de medo...
O tempo passou, já adulta, Alysgardênia foi cursar Teologia em São Paulo. Certo dia entrou na sala um dos professores de uma das disciplinas... Esse homem era o Cardeal D. Paulo Evaristo Arns, autor do Livro "Brasil Nunca Mais". Alysgardênia conta que suas aulas não eram aulas. Eram lições de sabedoria em todos os aspectos. No mesmo curso Alysgardênia ainda teve o privilégio de ter o padre Zezinho como professor.
Ainda em São Paulo, Alysgardênia participou do movimento DIRETAS JÁ, que surgiu em Alagoas e foi tomando conta do Brasil. Diretas Já foi um movimento político de cunho popular que teve como objetivo a retomada das eleições diretas ao cargo de presidente da República no Brasil, durante a ditadura militar brasileira. A possibilidade de eleições diretas para a Presidência da República no Brasil durante o regime ditatorial, se concretizou com a votação da proposta de Emenda Constitucional Dante de Oliveira pelo Congresso. No entanto, a proposta foi rejeitada, frustrando a sociedade brasileira. Ainda assim, os adeptos do movimento conquistaram uma vitória parcial em janeiro do ano seguinte quando Tancredo Neves foi eleito presidente pelo Colégio Eleitoral
O movimento ganhou massa crítica e reuniu condições para se mobilizar abertamente. E foi em São Paulo que a investida democrata ganhou força com um evento realizado no Vale do Anhangabaú, no Centro da Capital, em pleno aniversário da cidade de São Paulo – dia 25 de janeiro. Mais de 1,5 milhão de pessoas se reuniram para declarar apoio ao Movimento das Diretas Já e no meio dessa massa humana, lá estava Alysgardência com alguns amigos. O ato foi liderado por Tancredo Neves, Franco Montoro, Orestes Quércia, Fernando Henrique Cardoso, Mário Covas, Luiz Inácio Lula da Silva e Pedro Simon, além de artistas e intelectuais engajados pela causa. A essa altura, a perda de prestígio do regime militar junto à população era grande.
Tempos bons. Tempos diferentes do que foi a terrível ditadura militar...
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Evento ocorrido em João Pessoa durante a Ditadura Militar. |
Nasci no Mato Grosso do Sul, numa cidade cortada
por uma rodovia. Minha mãe costumava contar que, exatamente na época do
episódio narrado acima, os caminhões militares cruzavam a BR em longas
fileiras, carregando soldados e tanques. O golpe era o único assunto nas
rádios, anunciado de forma solene pelo Repórter Esso, na Hora do Brasil,
na voz grave que marcava os dias de medo.
O tempo passou, mas as cicatrizes da ditadura ainda
estão abertas. E, como a história insiste em se repetir, é preciso lembrar: o
golpe foi um golpe. A liberdade foi sufocada. O medo se tornou cotidiano. E a
democracia, por longos anos, foi apenas uma lembrança distante. Foram tempos de chumbo, de mortes, torturas e muita corrupção encubada...
PARA QUEM
DESCONHECE – NO CASO, OS JOVENS – EIS UMA SÍNTESE BREVE DO QUE FOI O GOLPE
MILITAR DE 1964...
Na noite de 31 de março de 1964, as forças
militares deflagraram um golpe que resultou na deposição do presidente João
Goulart. O governo democraticamente eleito foi derrubado sob a justificativa de
uma suposta ameaça comunista—uma narrativa fabricada e amplamente apoiada por
empresários, latifundiários, grandes veículos de comunicação e setores da
Igreja Católica.
Desde a renúncia de Jânio Quadros, em 1961, os
setores conservadores já se moviam contra Goulart. Somente em 1963 ele
conseguiu retomar o regime presidencialista, mas sua postura progressista e
suas propostas de reformas estruturais alarmaram as elites. O comício na
Central do Brasil, em 13 de março de 1964, foi a fagulha final: diante de 150
mil pessoas, Jango anunciou medidas de reforma agrária e o controle das
refinarias privadas. A resposta foi rápida e organizada. No dia seguinte, a
oposição reuniu-se na “Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, prenunciando
o golpe.
Na madrugada de 31 de março, os tanques tomaram as
ruas. João Goulart ainda tentou articular resistência, mas ao perceber que
aliados estavam sendo presos e que os Estados Unidos apoiavam os militares,
desistiu. Seguiu para Porto Alegre e, posteriormente, exilou-se no Uruguai.
Antes mesmo de sua saída do país, o presidente do Senado, Auro de Moura
Andrade, declarou vaga a presidência, passando o cargo interinamente para
Ranieri Mazzilli. Mas o poder real estava nas mãos dos militares, que
assumiriam o controle total do país.
O regime instaurado em 1964 perduraria por duas
décadas. Durante esse período, opositores foram perseguidos, presos, torturados
e mortos. A censura calou artistas, jornalistas e intelectuais. E os militares,
como sempre, tentaram reescrever a história, disfarçando o golpe como uma
necessidade patriótica. Alegavam estar salvando o país do comunismo, mas não
havia comunismo algum—apenas o desejo de manter o poder sob suas botas.
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