CRUCIFICAR O PADRE MURILO?
Ontem eu digitava um
texto, quando uma chamada No RN TV 2ª Edição, da Globo, arrastou-me para a tela
da TV, coisa que normalmente me é invisível. O telejornal exibiu um vídeo,
feito em aparelho celular, no qual o PADRE MURILO, administrador da IGREJA
MATRIZ DE NOSSA SENHORA DE FÁTIMA, em Parnamirim, estoura uma champanhe defronte
ao altar, durante uma celebração, como quem comemora. A propósito, a missa
tinha aspecto festivo.
Após abrir a garrafa,
ele faz como fazem os noivos e motoristas de carros de Fórmula 1, quando sobem
ao pódio. Espargiu a bebida. A diferença é que o espargimento não foi em seu
próprio corpo e nas pessoas que o circundavam, como manda a tradição, mas
adiante de si, no chão.
A apresentadora
informava que os fiéis estavam perplexos, alegando que o gesto do sacerdote não
integrava o ritual inviolável de uma missa.
Alguns pingos da
bebida atingiram a estátua de uma santa, a qual suponho ser Nossa Senhora de
Fátima (perdoem se não a identifiquei).
Para os reclamantes a
atitude do sacerdote consistiu numa blasfêmia, pelo fato de o champanhe conter
álcool.
Não quero adentrar no
mérito da possível blasfêmia, mas refletir sobre uma curiosidade percebida no
vídeo exibido. Confesso que se eu fosse um padre, não permitiria uma igreja
inteira me enchendo de flashes de incontáveis celulares. Eram tantos fiéis
espargindo luz incomodativa sobre o padre, que forma-se um sol dentro da
igreja. Creio que aquilo desconcentra qualquer homilia. Era para as igrejas
fazerem como as emissoras de rádio que se filmam ao vivo. Quem tiver interesse
em guardar a imagem, é só solicitar. Acredito que celular dentro de igreja (e
em outros ambientes sérios) é coisa que ainda não foi discutida como se deve.
Entendo que o aparelho dessantifica a missa. No máximo, quando em caso de
grande necessidade deveria ficar em modo avião. Já vi cenas espetaculosas protagonizadas
por gente com celular que, às vezes me sinto no século XII, pensando “será que
isso é normal e eu que estou ficando velho?”.
Tenho impressão de
que quem se entretém a pegar um celular, programá-lo para filmar e colocá-lo em
riste adiante de uma pessoa, não está verdadeiramente assistindo a uma missa.
Eu sou de um tempo em que uma missa ou um culto, pede pessoas sentadas, atenciosas,
ouvindo o padre/pastor ou cantando em conformidade com o ritual. Fora isso,
tudo dilui o sentido da contrição. Desconcentra. Perde a essência.
Se os fiéis que se
revoltaram se enquadram nesse público contrito e realmente santificado, até
teriam autoridade para estranhar a atitude do sacerdote, acaso, de fato, tenha
consistido numa blasfêmia. Mas a cena revela mais gente preocupada em filmar do
que em conceber no Mistério, salvas as devidas exceções.
Mas,
confesso, o que mais despertou a minha necessidade de refletir, foi outro
detalhe.
PADRE
MURILO é um padre-intelectual (embora, diga-se de passagem, não quero dizer que
isso seja parâmetro para ser padre, afinal boa parte dos sacerdotes o são).
Padre Murilo é autor de uma infinidade de livros. Suas obras são recheadas de
imagens que registram um trabalho admirável. Não é uma coisa de marqueteiros,
ficciosa, para impressionar. É uma obra com cheiro de amor ao ser humano.
PADRE
MURILO é dos padres que, no seu tempo de seminarista, não foi adotado por
madames da “alta society” banhando-se com perfumes do Boticário, usando celulares
“top de linha”, camisas brooksfield etc. Desconheceu clausuras. Foi seminarista
que percorreu as favelas e arrabaldes de Natal, pisando em coco de gente, suando
de fio a pavio, saltando os regos de água podre, assistindo ao filme real da
fome e evangelizando ainda com mais ênfase.
PADRE MURILO é
fundador da ONG ILEAÔ, instituição vinculada à PJMP que fornece cursos
profissionalizantes e cultura ara jovens humildes. ILEAÔ é uma palavra ioruba. (Significa
CASA DA PLENITUDE, lugar de acolhida de qualquer pessoa, lugar onde se entra
chorando e sai sorrindo). Veja só: ao escolher o nome ILEAÔ, constata-se o seu
olhar respeitoso para com uma etnia apedrejada há séculos. Por mais que façamos
aos povos pretos, ainda será pouco perante o crime da escravidão inclusive
endossada por alguns vigários do passado, em meio a outros que os defenderam
com a própria vida. Isso fala por si.
PADRE MURILO é fundador
da CASA ABRIGO, instituição que acolhe uma multidão de pessoas em situação de
risco. Crianças abandonadas ou vítimas de violência pelos próprios pais,
vítimas de pedofilia ou abandonadas por terem alguma deficiência física e
psicológica.
PADRE MURILO é
presidente do CEDESC (Centro de Desenvolvimento e Cultural), instituição que
acolhe...
PADRE MURILO foi
presidente do COMDICA durante muito anos.
PADRE MURILO oferece dois
reais aos moradores de rua que “moram” ao lado da Matriz de Nossa Senhora de
Fátima, após a missa, para que eles comprem sopa. Alguns podem dar destino
diferente ao dinheiro, mas isso não impede o sacerdote (ou qualquer pessoa) de
permanecer firme no propósito de dar sem olhar a quem. As pessoas são livres para
o bem e para o mau. Elas responderão por essa liberdade que é inviolável. Isso
não tem preço.
Enquanto muitos
condenam o referido padre por acolher pessoas entendidas pela “alta sociedade”
como “marginais”, padre Murilo os acolhe (e deve acolhê-los, sempre),
oferecendo-lhes a mínima dignidade, que é a atenção e o respeito. Ninguém olha
para pobre! Onde estão os holofotes dos celulares que não se voltam para eles?
Onde estão os que os acolhem no lugar necessário?
Mas, para finalizar,
deixo as perguntas abaixo:
Quem filmou a Casa
Abrigo e mostrou o trabalho social do Padre Murilo?
Quem filmou o padre
Murilo doando dinheiro para os ditos “marginais” comparem sopa?
Quem filmou o padre
Murilo atuante, pleno em suas ações sociais no COMDICA?
Quem leu os inúmeros
livros do Padre Murilo?
Quem filmou os
inúmeros mendigos e pedintes que fazem fila na Casa Paroquial da Cohabinal?
Quem filmou as
atividades de arrecadação de recursos, feitas na casa Paroquial, cujo dinheiro
é aplicado em ações em prol dos pobres?
Quem filmou os
trabalhos feitos na Casa Ileaô e os divulgou pelo menos nas redes sociais ou na
própria TV Cabugi?
Aos meus olhos a
sociedade está meio louca. Muitos buscam conflitos onde eles não existem. Não
seria melhor juntarem as forças e gritarem por um Brasil verdadeiramente melhor?
Onde estão os “arrastões”? Onde estão os “bate panelas”? Onde estão...
O vinho original é
alcoolico, pois a química da fermentação assim o torna. Nem por isso Jesus
ficou bêbado. Seu grau de álcool é delicado, pois tanto Jesus quanto os
sacerdotes da antiguidade sorviam menos de que uma colher de sopa. Portanto
ninguém se alcoolizava para celebrar missa. A tecnologia atual, por via de
produtos químicos, torna o vinho sem álcool. Mas sua química não seria nociva?
Até um recém-nascido
sabe que abrir um champanhe e sacudi-lo, espargindo-o sobre si e outras pessoas
simboliza comemoração, alegria, festa (exatamente o que a igreja praticava
naquele momento que filmaram). Creio que o sacerdote, ao praticar o gesto tão
condenado, o fez pela alegria do momento, pela significação de o que é abrir um
champanhe.
Ninguém sabe se a
bebida continha álcool, mas mesmo que contivesse, não é motivo para tal
espetaculização.
Mesmo que ele o tenha
feito por ingenuidade ou não, ele celebrava a alegria daquela comemoração. Se isso
foi um erro, que os fiéis o tivessem questionado com diplomacia, na sacristia,
depois, ao invés de o exporem, alargando os fatos, demonizando-o.
Eu não conheço o
Padre Murilo pessoalmente, de conversa. Apenas li seus livros. Vi-o apenas uma
vez, numa missa alusiva a um dos aniversários de Parnamirim. Contemplei uma
homilia das mais belas que já assisti. Vi no altar o PADRE VIEIRA, tanto pela
palavra poética e carregada de amor, quanto pela profundidade intelectual e
clerical.
Confesso que
estranhei o fato de atirarem o Padre Murilo ao Coliseu para ser degustado por
feras, ao invés de jogarem os potenciais blasfemadores que ignoram os pobres e
tratam as crianças desprotegidas como invisíveis. Essa deveria ser a oração
verdadeira.
Esse episódio lembrou-me
a história cristã, quando, diante de Jesus, gritaram: “crucifica-o...
crucifica-o... crucifica-o...”.
Minha mãe costumava
dizer que muitas vezes o capeta visita a igreja e leva colegas. Creio que esse
foi um dia. A comunidade católica de Parnamirim, que tem culpa no cartório, com
suas devidas exceções deve um pedido de desculpa ao Padre Murilo.
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