ACTA
NOTURNA – BARRETA: A PRAIA DE “ZÉ DE TATÁ” – 21.8.2019
Distante 55 km de Natal, acessível pela RN 063, via Rota
do Sol, descortina-se a bela praia de Barreta. Um muro de dunas altas, areias
finas e alvas jaz imponente, servindo de morada para pescadores antigos que
dividem espaço com veranistas. Nos seus detrás um tapete vivo de
verdejantes arbustos esconde rios, olhos d’água e uma fauna e flora riquíssima:
tijuaçu, camaleão, preás, raposas, cobras, infinidade de pássaros e outros
animais. Sem contar as espécies quase invisíveis, moradoras submergidas em folhas
e troncos secos.
No passado ninguém dava valor à praia. Era diversão de
poucos. Não é à toa que nos primórdios da “civilidade brasileira”, os escravos
buscavam as praias para despejar tinas carregadas de dejetos humanos, levados dos
casarões dos seus ricos senhores. Os penicos eram despejados logo de manhã. Tudo ia para o mar. Praia era local de jogar lixo, restos, coisas
imprestáveis. Por muitos anos as praias nisiaflorestenses, e de toda a região,
eram inabitáveis.
O nome Barreta é oriundo de uma minúscula barra formada pelas
águas de rios e lagoas integrantes de um grande complexo de águas que se
avizinha acima e abaixo de todo o município de Nísia Floresta. A expressão
‘Barreta’ significa ‘barra pequena’. ‘Barra’ é a foz de um rio ou riacho. Já expliquei
com riquezas de detalhes o assunto numa Acta Noturna, neste mesmo blog: http://nisiaflorestaporluiscarlosfreire.blogspot.com/2019/07/actanoturna-4.html
Barreta é uma praia linear, cujas ondas
são quebradas nos arrecifes que formam amuradas em toda a sua extensão. Uma
característica interessante são as piscinas naturais formadas durante a
maré-baixa. Em outros pontos formam-se deliciosas cachoeiras quando a maré está enchendo. Muitos preferem o banho nesse local que, coincidentemente, fica
defronte ao restaurante do primeiro morador da Barreta, o respeitável e querido
senhor “Zé de Tatá”. Isso será explicado abaixo.
O fluxo de gente nessas piscinas vai de janeiro a
janeiro, mas durante os períodos de veraneio há uma explosão demográfica.
Turistas do mundo inteiro se misturam aos quase-turistas que vêm de todas as
cidades vizinhas. Só se vê crianças e adolescentes dando piruetas e se jogando
nas águas como a disputar o melhor pulo. Talvez esse tenha sido o som mais
ouvido na vida pelo velho pioneiro. Som de criança. Som de meninos zombeteiros.
Nessa praia reinou, imponente, um coqueiro
exótico que entortou a tal ponto que adquiriu forma de um gogó de ema. Os
nativos o denominavam “corcunda da Barreta”. Ainda alcancei o espécime, o qual arriou
em 2003, empurrado pelo vento soprado do Atlântico. Infelizmente o lindo
exemplar não existe mais.
A praia de Barreta foi habitat natural
dos povos indígenas tupis no século XVI. Eles viviam da pesca artesanal seja
nas lagoas próximas e no mar. Das matas tiravam mel e caça. Os tupis dessa
região, assim como boa parte dos índios brasileiros, também foram vítimas da
exploração dos exploradores europeus. Aqui, nesse caso, foram portugueses,
holandeses e franceses. Eles os colocavam em constantes confusões devido à
ganância por tudo o que viam por ali: búzios, penas de animais, madeira, âmbar,
mel enfim. Quem mais tirou proveito deles foram os portugueses, os quais se
irmanavam mesmo em voltas com confusões. Breves inimizades.
Como se sabe, há um povoado próximo
denominado Cururu. Lugar antiquíssimo. Primórdios da organização branca nesses
ermos. O lugarejo foi inundado várias vezes por ser muito baixo. Verdadeira
bacia entre dunas alvas como algodão pincelado pelo verde dos arbustos. Tem
caju como floresta. Tais enchentes motivaram os cururuenses a migrar para a
Barreta. Lugar seguro e com garantia de alimento na porta da casa. Originalmente
os “condomínios” eram todos de troncos de coqueiro cobertos com varas e palhas
da própria palmeira. Os mais “ricos” erguiam casinholas de taipa. O barro vinha
nos caçuás carregados pelo animalzinho que carregou Jesus. Hoje os pobrezinhos
vivem abandonados, atropelados, comendo lixo, morrendo à míngua. As motos
tomaram o seu lugar. Era para cada nordestino adotar um jumentinho. Muitos são
ricos pelo suor desses bichinhos. Era o automóvel da época. Vinham
devagarzinho, vencendo dunas sucessivas, carregando caçuás cheios de comida e
meninos buchudos, gritando, assustando calangos e passarinhos.
Em 1930, instalou-se na praia de Barreta
o senhor José Anísio da Silva (“Zé de Tatá”) e sua esposa Marinete Monteiro da
Silva. São os primeiros moradores. Deixaram um sítio denominado “Patos”, bem
próximo dali. Em seguida instalou-se Cícero José dos Santos e Letícia Felix dos
Santos, vindos de Cururu. Em 2010 ele contou-me uma grande decepção que teve com
o poço de água potável de sua propriedade. Suas águas se tornaram salgadas pela
ação de uma empresa vizinha que despeja águas salgadas sucessivamente nas
proximidades, gerando o fenômeno que acomete toda a vizinhança.
Até
1992 existia a antiga capelinha de Nossa Senhora da Conceição exatamente onde
hoje é o Barreta Praia Clube. Os moradores, como são muito dados a festas,
entenderam por bem fazer uma barganha, trocando o terreno da capela por um
terreno no cume da duna, com a vantagem de ser maior. A capela foi demolida. O
terreno da igreja foi doação do senhor Rinaldo Itamar da Silva e pelo Conselho
da Barreta Praia Clube, na pessoa do seu presidente, Ivanildo Ramos de
Oliveira. A informação está no Contrato Particular de Cessão de Posse e Venda e
Benfeitorias, datado de 3 de fevereiro de 1994. Em fevereiro de 1994 houve a
inauguração. Os fogos espocaram, ecoando nas águas do Atlântico aos cuidados do
padre João Batista Chaves da Rocha. A visão de mirante era privilegiada antes
de erguerem sucessivas casas de veranistas.
A agremiação “Barreta Praia Clube” já foi referência em
grandes eventos, atraindo a mocidade de todas as cidades vizinhas,
principalmente durante o Carnaval. Ali tocaram grandes bandas. O local se transforma em formigueiro humano.
Há gente que prefere o furdunço do lado de fora. Não entram no clube. Foi
exatamente no início da década de 1990 que o jovem Josimar Trindade,
popularmente conhecido como “Bóca”, juntamente com alguns jovens da localidade,
fundou a maior atração carnavalesca da região, o “Barreta Gay”.
O cortejo sai da Barreta e se encerra em Camurupim. A
característica original da festa é de homens heterossexuais vestidos de mulher.
Os brincantes levam água, farinhas, gomas e arremessam em carros e pessoas.
Verdadeiro “entrudo” do início do século passado. Atualmente há grandes carros
de som e minis-trios-elétricos. Tudo se iniciou de maneira acanhada e simples.
Hoje é a grande atração do carnaval de Nísia Floresta. E como Folclore é coisa
viva e mutante, todos se vestem de mulher, até mesmo mulheres. Uma curiosidade
desse evento é a ausência de violência. Talvez a tônica pitoresca e circence do
evento, protagonizado por famílias que se juntam em meio a jovens, crianças e
velhos, impõe-se com naturalidade o que podemos chamar de “carnaval
respeitável”. Uma das grandes curiosidades dessa festa, segundo um depoente,
foi a presença do ex-prefeito George Ney Ferreira vestido de mulher, o qual
lembrava uma mocinha gorda e barriguda. Contam que foi uma das maiores atrações
locais em tempo passado.
O cansaço dos brincantes é despejado sem dó nem piedade
na belíssima lagoa de Arituba, em Camurupim, praia divisória, lugar de águas
deliciosas e revigorantes. Ali tudo termina, menos a Barreta. A Barreta é para
sempre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário