A MULHER QUE ENGANOU
O DIABO
Certa
vez uma mulher encontrou uma garrafa de vidro. Era recipiente diferenciado.
Chamava atenção. Ela a tomou às mãos. Percebeu algo esquisito se mexendo dentro. ERA O DIABO!!!
Ele
disse:
-
A belíssima dama poderia me tirar daqui? É só destampar a garrafa.
A
mulher percebeu a argúcia da estranha figura, pois ela mesma se achava feia
demais. Mas como era velha e calejada pela vida, não se importava com piadas. Quis se divertir com a situação, e disse:
-
Pois bem, nobre cavaleiro, claro que posso. Eu tenho poderes para lhe soltar e
lhe prender.
No
mesmo instante retirou a tampa e o diabo saiu num jato, acomodando-se sobre uma
pedra. Muito aliviado, disse:
-
Ufa! Graças a Deus!
A
mulher redarguiu:
-
Estranho! Justo o senhor dar graças a Deus! Nunca imaginei ouvir o diabo dar graças a Deus?!!!
O
diabo atalhou:
-
Eu disse isso?!!!
-
Claro! Tu disseste um claro e notório “Ufa! Graças a Deus!”
-
Ave Maria! Cruz Credo três vezes, eu falei isso sem querer (disse isso batendo
num galho seco de árvore). Foi força de expressão!
-
Olha agora o que acabaste de falar!
-
Como assim?
-
Tu acabaste de dizer claro e em bom som “Ave Maria! Cruz Cedo três vezes!” Ainda bateste numa madeira três vezes!
-
Eu disse isso? Sostô!!! Que presepada bater em madeiras... coisas desses folclores velhos!!!
- Seja como for, tu disseste “Ave Maria! Cruz Cedo três vezes!”
- Meu Deus! Logo eu dizer isso!
-
Pois, sim. E agora acaba de dizer “Meu Deus! Logo eu dizer isso!”
-
A senhora está querendo me enlouquecer, pelo visto. Bem que me disseram que com
mulher não se brinca. São ladinas como as serpentes!
-
Se se brinca ou não se brinca, o senhor é que deve estar brincando! Mas
chamaste por Deus. Ouvi muito bem com essas oiças que Deus mo deu.
-
Certo. Eu até acredito, mas quis mesmo chamar pelas potestades do mal.
-
Cruz Credo!!! Vire essa boca para lá! Leve o teu mal para os mil e seiscentos
diabos!
-
Ora! Mas a senhora disse que tinha poder para me soltar e me prender novamente. Senti vontade de rir ao ouvir essa bestagem, mas como queria ajuda, me calei. Que invenção é essa? Respeite, a senhora
está falando com o diabo. Não sou qualquer coisa. Não é tão esperta? Toma-me nas mãos e me coloque de volta na garrafa!
Percebendo
o erro que acabara de cometer, a mulher pensou logo em reverter a situação, mas
preferiu lhe dar corda inicialmente.
-
Senhor diabo, eu só estava brincando. O senhor é que tem poder. Quem sou diante
de tamanha criatura. Mesmo se tivesse
poder para colocá-lo de volta não o faria, pois estou adorando a vossa
companhia. Se estivesses na garrafa não estaríamos em prosa tão agradável. Eu sempre quis conhecer o diabo!
-
Ah! é? Mas eu não posso ficar aqui perdendo tempo com vossa pessoa. Preciso
sair aí pelo mundo em busca de malfazejos. Tenho muito serviço... pois é, já me
vou indo!
- Não vá – insistiu a mulher - fique e
prove de fato que tens poder. Queria ver na prática o que dizem
sobre vossa nobre pessoa. Nunca vi nada demais que vossa persona tenha feito. Dão-te toda essa protuberância meléfica... mas, com perdão da palavra, estás parecendo um bobinho, aliás, bonzinho!
O diabo, inchado de raiva e vermelho
igual ao diabo, bravejou:
- Sois abusada mesmo! Diga o que queres?
- Se sois esse cara todo que falam, cheio
de malevolências, infernizador-mor do mundo, entre e saia novamente da garrafa.
Duvido! Tu lá tens poder para isso? Sois um mentiroso!
- Oras bolas, que ingênua. Esqueces que sou
o pai da mentira. Mas se achas que sou um ingênuo qualquer, estás benevolamente
enganada. Mostro que entro e saio disso sem problema algum. Não viste que saí como um
raio?!!!
- De fato! Mas deixes de blábláblá e te
enfia nessa garrafa que ganha muito mais. Tu tens lá maldade. Sois bonzinho
igual a um anjo da guarda!
O diabo, ainda mais inchado deu uma
guinchada e num rompante apareceu dentro da garrafa.
- Veja, disse ele – estou cá dentro –
percebe?
- E não é verdade, mesmo!!! Pois dê umas
piruetas...
Enquanto o diabo estava entretido com a
falácia, ela pegou imediatamente a tampa e meteu-a na boca da garrafa,
prendendo o bute.
- Pronto! Continue dançando! Danças bem,
aliás, mal...
- Maldita! Infeliz! Demônia dos mil e
setecentos diabos me enganaste! Sois ladina!
- Claro, meu jovem fedido. Estava só no banho-maria. Quando percebi que eras o diabo em pessoa, aliás, em espírito mal...
espírito de porco... vi a gravidade do que fiz. Coloquei o mundo em risco.
Desde que o libertei, me vi no dever de criar um contexto para levá-lo no
bico e engarrafá-lo novamente. E veja que caíste como um diabinho desajuizado! Pois bem. Fique aí bem
quietinho! Vá dormir com os anjos...
O diabo desmaiou de ódio ao ouvir tamanho
insulto.
Ela aproveitou e enterrou a garrafa bem no
fundo de um buraco. Pôs até uma pedra sobre ela. Esse episódio se deu na Barreira do
Inferno.
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Sempre ouvi alguém dizer que ‘a mulher enganou o diabo’. Nunca ouvi alguém
contando a história. Certo dia, sem que eu estivesse sequer imaginando algo
parecido, ouvi o esqueleto dessa história dentro de um VLT, em 2017, contada
por um bêbado. Ele adentrou no veículo dizendo pilhérias e abusos. Todos se
afastaram. Fedia a urina. Uma mulher disse-lhe algum desaforo. Ele mastigava
algumas palavras tronchas contra ela. Percebi quando ele disse: “mas também a
mulher enganou o diabo!”. Aproximei e engatei conversa. Fiquei curioso
com o que ouvi. Perguntei-lhe: que história é essa de a mulher ter enganado o
diabo? Ele disse: o senhor nunca ouviu? Não, respondi. Renunciei ao meu olfato
para não perder a oportunidade de tamanho tesouro. Peguei do lápis e agenda. Anotei os tópicos. Somente ontem organizei este texto, lembrando que hoje
seria o dia do Folclore. Foi assim em meio ao aroma de mijo que tenho a graça de oferecer-lhes a história...
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