O
TANQUE DE ‘LIMOEIRO’, BOTIJA PRECIOSA
Na cidade de Lagoa d’Anta, 100 km de Natal, área de caatinga, região
agreste potiguar, há um reservatório natural de águas da chuva, chamado pelos
nativos de “tanque”. Fica no povoado de “Limoeiro”, 3 km do centro.
O “tanque” me impressionou. As águas fluviais descansam sobre
um lajeiro da idade do Planeta Terra. Imenso. É uma gigante bacia de pedra
emoldurada por cactos diversificados, como cardeiro (ou mandacaru), xique-xique,
gogóia, umbu, facheiro. Vê-se muita algaroba, algumas quixabeiras, enfim as
espécies típicas dali. A parte seca do lajeiro se espraia entre a mata,
testemunha secular da história daquele município.
No
passado, segundo me contou um casal que mora próximo ao lajeiro, era a única
fonte de água da região, portanto era sagrado. Ninguém se banhava no tanque.
Tudo era cercado por faxina, impedindo o acesso do gado e animais domésticos,
os quais bebiam em local reservado para não sujar a água.
Os
moradores vinham de todas as localidades vizinhas e levavam água no lombo de
jumentos. Assim enchiam as cisternas que tinham em suas casas. O “tanque” era referência
para todos. O fato de as águas estarem sobre uma obra impermeabilizada pela
própria natureza, garantia água por uma longa jornada.
O
lugar é paradisíaco em sua condição semi-árida. Obviamente que o conheci numa
época que choveu, portanto havia água considerável. Mas o contexto era belo. A
mata rasteira, a terra de arisco, os sem-fim de pedras de todos os formatos e
tamanhos – espalhadas pelo mato - davam à paisagem uma visão espetacular. Contam
que no inverno, época de chuvas demoradas, ele transborda.
Olhando
o “tanque”, pensei como deve ter sido difícil a vida dos nativos de antigamente.
Naquele tempo não havia a Adutora Monsenhor Expedito, a qual abastece muitas
cidades do agreste ao sertão. Hoje a água sai da lagoa do Bonfim, em Nísia
Floresta, município da região metropolitana de Natal, percorre mais de cem kms e
escorre nas torneiras de Lagoa d’Anta. Fato impensável até o início da década
de 1990, quando os nativos armazenavam águas de chuva em cisternas, latas, baldes,
tanques, enfim, onde podiam.
Água
era coisa escassa e preciosa. Criança crescia aprendendo a economizá-la.
Reservava-se água para animais, para banho, para louça e plantas. As plantas
eram as que mais sofriam, portanto se viam tanta secura a partir dos quintais.
Verde, somente os pequenos jardins das casas e o jirau de coentro e cebolinha.
Verde apenas as plantinhas ribeirinhas dos regos de água. Verde também a
esperança eterna de um bom inverno.
O
futuro foi bondoso com Lagoa d’Anta, pois a história de águas carregadas nos
lombos de jumentos é passado. Soa pitoresca e folclórica. As crianças, com o
mundo nas mãos, talvez darão risada de ouvir um idoso abrindo seu livro da
vida. Não entenderão como era tão difícil a água, se hoje ela escorre abundante
nas pias e chuveiros. Mas quem conhece a história do “tanque”, e que ele era
mais precioso que botijas, com certeza terá um acervo infinito de memórias sofridas,
engraçadas, tristes e de muito suor e trabalho.
O “tanque”,
apesar de estar quase esquecido, foi um pai bondoso, que reservou vida para dar
vida a tudo o que o emoldurava.
Creio
que ali deveria estar afixada uma pedra de mármore com uma placa de bronze com
um resumo de sua história. Ou simplesmente escrito “aqui jaz uma botija mais
preciosa que ouro. Aqui está a vida”.
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