PÁGINAS DESCONHECIDAS DE PARANÁ-MIRIM - 1942
QUANDO SOLDADOS PRETOS FORAM IMPEDIDOS DE VIREM PARA A BASE AÉREA
Você já viu um soldado preto em fotografias feitas durante a Segunda Guerra Mundial em Natal? Os flagrantes de militares norte-americanos enchem álbuns. Sejam fazendo o policiamento, em despachos no Porto de Natal, construindo estrada, trabalhando aqui e lá, ou em folgas deliciosas no Grande Hotel do Major Teodorico Bezerra… até em diversões no “Maria Boa”... Mas não se veem soldados pretos. Isso tem uma explicação. Toda história tem seus bastidores. Alguns são maravilhosos, excepcionais, outros, terríveis (como esse).
Durante a Segunda Guerra Mundial os norte-americanos se instalaram aos poucos nas plagas de Manoel Machado, dando a origem à Base Leste, encostada à Base Oeste (dos brasileiros). Essa história é mais mastigada que gengiva de idoso. A Base Aérea montada pelos americanos é usada até hoje. A instalação da maior Base militar norte-americana fora dos EUA ocorreu em Natal, mais precisamente entre 7 de julho de 1942 (data oficial do início das atividades) e 1946, ano ao longo do qual os norte-americanos foram deixando gradativamente a base então administrada só por brasileiros. Durante o vavavu chegaram a pernoitar na base 22.000 homens, cujo movimento diário de aviões era em torno de 500 a 700. Eles deixaram mais de 700 galpões, grande quantidade de Jipes, armas e munições.
A História muitas vezes se prende aos fatos maiores, preocupando-se com começo, meio e fim, sem destaque para um ente isolado, chamado bastidores que, se analisados com a devida decência, dão outra história, tão necessária quanto a que foi proclamada nos jornais e livros da época. Esse é um caso cujas minúcias, aos olhos atuais, ferem a ética e a lei, mas à época, não era tão vigiado e recriminado devido a fatores culturais, embora anômalos. É exatamente sobre isso que comentarei abaixo. Já li sobre isso em outro lugar diferente de Clyde Smith, mas aqui me pauto nele. Trata-se de uma página esquecida da História dos norte-americanos durante a Segunda Guerra Mundial, e que aconteceu nessas plagas.
Durante os preparativos para o referido projeto, apareceu um imbróglio complicado. Houve a necessidade de que o pessoal da 194th Quarter-Master Truck Company fosse enviado ao Brasil para demandas que essa companhia era tecnicamente mais preparada. Com o fim da Guerra, vários despachos e demandas aconteceram paulatinamente. Surgiu o Projeto Verde (Geen Project), um programa de transporte que levava o pessoal norte-americano de volta aos Estados Unidos. Ocorre que todos os membros da companhia 194th Quarter-Master Truck Company (soldados, oficiais, funcionários comuns, corpo técnico etc) eram pretos. Por aqui não existiam militares brasileiros pretos. A Marinha americana disponibilizou marinheiros negros no Brasil, mas nem o ATC nem o Quartel-General importou-se em servir-se de seus trabalhos.
A partir dessa observação, suspeitaram que o general Walsh tinha feito acordo com as autoridades brasileiras para não trazer soldados pretos para o Brasil. Teria sido um pedido de Vargas? Não se sabe. O que se sabe é que não vieram pretos para cá. Lembrando que o Rio Grande do Norte, apesar de ter vivido o período da escravidão negra tão estupidamente quanto qualquer lugar do Brasil - pois não existe escravidão boa, e longe de engolir a tese estúpida defendida por alguns historiadores “inocentes” de que os potiguares foram bondosos com os seus escravisados - o que de fato ocorreu foi que aqui teve poucos escravos, portanto Natal era predominantemente branca.
Até então, a população norte-rio-grandense se resumia aos portugueses que se multiplicaram, misturados aos holandeses, franceses e indígenas. O Seridó é um pedaço da Europa no Brasil, em termos de cor de pele e olhos. Em diversos pontos do estado se veem pontos geográficos que predominam gente com fortes traços europeus, como por exemplo, a área de Boa Água até o início da década de 1990. Enfim, Natal era predominantemente branca, outra parte era miscigenada aos índios, outra, mínima, preta.
Mas vamos retomar o fio da meada. Diante desse nó górdio, o chefe da Divisão de Pessoal enviou um documento ao Quartel-General do ATC ordenando que enviassem unicamente os equipamentos necessários, mas que não viesse nenhum membro do pessoal da Divisão. Essa objeção velada significava dizer que não viessem profissionais pretos. Certamente, para que não ficasse feio e muito notório, criaram uma série de justificativas com relação a tal proibição. Enfim, proibiram a vinda de soldados pretos para Natal, cujos argumentos foram, aparentemente, considerados favoráveis. Logo em seguida chegou os documentos informando que todos os equipamentos seriam enviados, mas sem militares pretos… Eis uma página de bastidor nada apetecível, mas é fato. E contra fatos, não há argumentos.
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