Nunca a história morreu tanto...
Diante da pandemia, penso muito nos idosos. Não tem preço o amor que sentimos por eles, sejam pais, mães, tios, avós, bisavós, tataravós... Há outro aspecto forte e preocupante no caudal dessa tragédia. Primeiramente refiro-me a perda deles como seres humanos adoráveis, nossos portos seguros. Quem não tem um idoso por perto? Mas chamo a atenção da morte da HISTÓRIA. Ou melhor, das HISTÓRIAS que estamos sepultando, levadas pelos velhos. Está havendo um rombo na histórias de cada bairro, cada aldeia indígena, cada condomínio, cada casa, cada família... Todo dia sepultamos incontáveis histórias. Diariamente sepultamos pessoas lindas...
Dissemos sempre que velhos são baús de sabedoria. Muito do que fazemos recorremos aos mais velhos. Dia desses fui preparar um arroz com pequi e recorri a minha mãe - que conta 89 anos de idade - para tirar uma dúvida. É a eles que perguntamos: como é a receita daquele pão caseiro que a senhora fazia? Como era a cidade quando eles eram jovens? O que existia naquele bairro antes de se transformar naquela urbanidade toda? como é mesmo aquela lenda tal? Qual erva é boa para dor de barriga? Quem é aquele homem que tem a foto pregada na parede? Quando foi que calçaram a primeira rua do município? É verdade que houve um padre que dormia na sacristia? Só eles sabem!
São tantas perguntas que fazemos aos velhos que nem nos damos conta. Não percebemos porque eles estão vivos ao nosso lado. Velhos são referências. São livros vivos e deliciosos, disponíveis sempre para esclarecer com a palavra. Não há como descrever o prazer de ouvir uma história contada pelos velhos.
Certo dia um jovem engenheiro recorreu a um idoso, antigo mestre de obras da cidade, queria saber se era verdade que a parede da velha Igreja não tinha viga de concreto. Ele mexia na obra e ficou em dúvida. O idoso explicou minuciosamente, descrevendo a técnica dos antigos construtores do século XVIII. Outro, perguntou à velhinha se era real que aquela rua foi construída sobre um rio aterrado... Velhos são baús de sabedoria incalculável.
Tenho pensado muito neles. Com a pandemia não temos ideia da morte em massa da HISTÓRIA. Estão indo embora bibliotecas inteiras... Bibliotecas feitas de gente que amamos, que nos conforta, que aconselha, que afaga, que ensina a serenidade, a resiliência, o amor, a justiça, a paciência, a bondade, a oração... Sei que antes de tudo sentimos suas mortes pelo lado humano, a presença física, a companhia protetora, a palavra certa na hora certa... mas não há como negar o prejuízo incalculável para a HISTÓRIA. Nunca a história morreu tanto. Com a morte deles, morremos um pouco.
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