CEDOC |
Após cumprir uma série de compromissos eclesiásticos seguidos de visitas aos órgãos públicos e às casas das pessoas mais ricas de Natal, Dom José empreendeu uma verdadeira odisséia pelas diversas cidades e vilas da província. Uma delas foi a então "Vila Imperial de Papari". Ele estava em Canguaretama, quando embarcou na "Maria-Fumaça" da Great Western.
Ao chegar à Estação "Papary" cheirando a nova, pois fora construída no ano anterior, o velho carrilhão marcava 17h00. Um formigueiro humano se comprimia. Como dizem os nordestinos "estava um moído"... não havia lugar para se colocar o pé de uma moça. Banda de Música, autoridades, paroquianos, tudo o que se tem direito e mais um pouco promovia a maior festividade. São José de Mipibu desceu feito avalanche de católicos e curiosos. Por incrível que pareça, as autoridades mandaram uma "cadeira de arruar" para que o ilustre visitante viajasse confortavelmente até o centro da Vila Imperial de Papary, carregado a muque, pela plebe católica. Se a vila era imperial, e as autoridades imperiosas, os “imperadores” de seu tempo entenderam providencial providenciar o carrinho semelhante ao do Santo Papa Leão XIII. O bispo recusou o carrinho sem pestanejar. Escolheu ir a pé, como fizera em Natal. Pudera! O polêmico bispo era abolicionista. Os “imperadores” locais ficaram perplexos com a atitude do bispo. Certamente acharam uma desfeita. E o cortejo desceu para o centro da vila, pisando em barro batido.
Modelo de uma "cadeirinha de arruar" da época (MAM-RJ) |
Chegando a entrada da vila o bispo se surpreendeu. A partir da cancela do Engenho Descanso, perfilava-se uma sequência de fogueiras dando no átrio de Nossa Senhora do Ó. A moldura de fogo resplandecia como dia fosse, guiando o povo à casa divina. Contam que a paisagem era surreal. O lume de velas e candeeiros carregados pelos fiéis, tangiam a escuridão, matizando luzes no véu da noite. Então o bispo celebrou a missa, depois informou as atividades que se seguiriam nos três dias que passaria na vila, debulhando um rosário de críticas contra a escravidão - chocando boa parte dos senhores ricos locais - que endossavam tal mazela. Só se viam narizes franzidos e caras dobradas, escondendo a desfeita. Enfim o bispo seguiu para um jantar nababesco na imponente casagrande do Engenho Descanso, onde hospedou-se. Nessa localidade, no ano seguinte, nasceria a beata Antonia Emília de Paiva, ou “Yayá Paiva”, como a chamariam os nativos, considerada santa por muitos.
Até então a vila nunca tinha visto um bispo. Ele passou três dias na localidade de nome monárquico, absorto numa sorte de compromissos eclesiásticos: casamentos, batizados, crismas, discursos, celebrações, confissões, visitas às famílias mais ricas da localidade, incluindo a do "Cavaleiro da Rosa", Coronel Alexandre de Oliveira (falecido seis anos após este fato, aos 59 anos de idade) e outros nobres locais. Contam que ele não deu um passo em Papari sem que uma multidão o acompanhasse, como que para levá-lo ao colo... um misto de curiosidade impactada pela novidade, a imagem de semideus e esses costumes pitorescos todos. Cada dia era uma festa. Não havia lugar para um mosquito no centro da vila em polvorosa. Uma parte dos senhores de engenho locais o viam com reservas, mas faziam corte ao bispo, pois de certo modo não deixavam de estar enodoados por esse clima pitoresco de estender tapetes pelpudos para quem era o poder em pessoa. Eles não podiam fazer cara feia para uma autoridade que também era conselheiro do Imperador Dom Pedro II. Teatro puro!
Modelo de "Maria Fumaça" usada à época da visita de Dom José (RRFESA - Ferrovias do Brasil império). |
O religioso cumpriu a sua missão e chegou o dia da despedida. As últimas horas foram comparadas a fechamento de ataúdes funerários. Parte da multidão chorava copiosamente. Dom José seguiu para a estação "Papary", sob forte comoção popular. O cortejo deslizou mansamente até a estação Papary. Foi outro vavavu com banda musical, cumprimentos às autoridades, novo diabo a quatro. No dia seguinte a vila acordou como se alguém morrera. A monotonia reivindicou o seu panteão de imediato. Em Natal, Dom José passou mais uns dias e embarcou para o Pernambuco.
Naquela época, a província do Rio Grande era subordinada à Diocese de Olinda. Dom José Pereira da Silva Barros foi o primeiro e único conde de Santo Agostinho. Era de São Paulo. Foi bispo de Olinda e do Rio de Janeiro. Foi o último bispo de S. Sebastião do Rio de Janeiro. Sua visita à Vila Imperial de Papary rendeu assunto para um mês inteiro. Pudera! Naquele tempo, padres e bispo - casados com o Estado - tinham foros de reis. E os fiéis, de plebe.
Estátua em bronze de Dom José, em Taubaté/SP. |
Texto de autoria de Luís Carlos Freire, baseado nas obras de Dom Rodovalho e Dom José de Felix e Francisco Fernandes Marinho; Jornal "O Caixeiro", documentos avulsos (Arquivo Estadual de Natal) e Documentos Governamentais da Província do Rio Grande do Norte.
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