Quando um homem sábio como Cascudo com vasta experiência, chega até um prefeito, sem experiência, e lhe transmite informações que farão a diferença no futuro, está-se precavendo de problemas, ou seja, evitando que lacunas futuras permeiem a História, porém, mesmo tendo tido orientação desse sábio, não houve a sábia obediência. Não houve um trabalho de História Oral àquela época. Não existiu uma política de registro da história dos primeiros habitantes, da cultura popular, da própria história do próprio prefeito, enfim, não se construiu esse raciocínio. Não se plantou a semente ofertada por Cascudo.
Obviamente que Parnamirim tem a sua história. Uma história genérica como tem todos os municípios do Brasil com suas peculiaridades. Mas Cascudo quis que Parnamirim fizesse a diferença, e tivesse incontáveis histórias dentro da história. E que o surgimento de Parnamirim significasse também o surgimento do amor à história.
Não ter existido essa preocupação não desmerece o povo parnamirinense, povo altivo, trabalhador, idôneo, e que não teve culpa. Mas deixa uma grande lacuna. Lacuna que torna a história incompleta.
Se não tivesse existido Cascudo, o Brasil seria menor, pois ele doou a sua vida ao registro de tudo o que pôde. O inimaginável foi pensado por ele. História não é apenas a história política de uma cidade, mas a história do povo e de suas peculiaridades, e isso não foi feito. Houve, anos depois, tentativas de se escrever histórias e memórias com idosos que "sobraram", mas muitos já haviam partido e levado com eles verdadeiros baús repletos de ouro histórico.
Conselho bom não faltou. Conselho que teria colocado Dioclécio Duarte no panteão dos homens mais notáveis do Rio Grande do Norte pelo gesto nobre de ter plantado a semente da preservação irrestrita da história. Ele pode ter sido um homem e um profissional de bem, obviamente, mas no aspecto de ter feito a diferença que Cascudo aconselhou, infelizmente não aconteceu. Dioclécio não ficou para a história.
Esse apelo feito por Cascudo, segue atual. É atemporal e serve como exemplo para muitos. L.C.F. Sócio efetivo do IHGRN.
Vamos à carta de Cascudo...
APELO AO PRIMEIRO PREFEITO DE PARNAMIRIM
Por Luís da Câmara Cascudo
Muito me alegrei com o nascimento do município de Parnamirim e a nomeação do tenente Dioclécio Marques de Lucena para seu primeiro prefeito.
Todos os municípios criados, ou recriados, têm história velha mas Parnamirim é de ontem, o filho mais moço da Província, com testemunhas vivas de sua festa natalícia.
Em 1927 era uma campina deserta. E, 1958 é uma cidade.
Centenas e centenas de pessoas sabem a história de Parnamirim como se estivessem lendo um compêndio.
É justamente o ponto que me sugere este apelo ao prefeito de Parnamirim, tenente Dioclécio Marques de Lucena.
Faço um apelo para que ele possa incluir, patriótica e inteligentemente (porque há patriotas que nada têm de inteligentes e inteligentes que não são patriotas) no seu programa de colheita de informações seguras para a história de Parnamirim.
Esta colheita não implica despesa alguma e terá como colaboradores quantos sabem, real e positivamente, como a povoação começou, como a vila cresceu e como a cidade vive.
Essencial é que o prefeito não deixe perder-se a oportunidade única e valiosa de registrar e guardar no arquivo da prefeitura os documentos que amanhã serão preciosos e insubstituíveis para a história indiscutível do município.
Hoje há centenas de pessoas que sabem. Amanhã todos ignoram.
O que se deve fazer agora?
Escolher algumas pessoas mais antigas, dignas de crédito, residente no local, participantes da existência funcional de Parnamirim, e tomar a cada um o depoimento, assinado, firma reconhecida, e recolher estes documentos ao arquivo municipal.
Estes depoimentos trarão informações pessoais de como Parnamirim começou a constituir-se povoação, primeiras casas, onde foram construídas, os primeiros comerciantes fixos, as primeiras ruas, as primeiras autoridades, as famílias mais antigas residentes, os homens que lutaram sinceramente pela vida de Parnamirim, tudo quanto possa, de futuro, documentar o passado que agora é presente mas, como verificarão, já estará sujeito a debates e controvérsias quando começarem a recolher os dados históricos.
Faço este apelo porque o prefeito prestará um serviço assinalado e de alto valor, libertando Parnamirim das mentiras e das falsidades históricas, dos patriotas e “fundadores” que, possivelmente, nada tiveram com a história material do novo município.
Repito. Hoje centenas e centenas de pessoas sabem a verdade sobre Parnamirim. Amanhã, verdade e mentira estarão misturadas, confusas e sem possibilidade de identificação.
Agora é o tempo exato e legítimo do prefeito fazer guardar no arquivo municipal os primeiros documentos para a história de Parnamirim.
Depois, a história estará à mercê de reminiscências sem verificação e talvez sem autoridade idônea.
Este apelo é dirigido a todos os municípios novos.
Não se trata de um obséquio solicitado por um historiador, mas um apelo em favor da História do Rio Grande do Norte.
(JORNAL “A REPÚBLICA”, 13 DE JANEIRO DE 1959)
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