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Terezinha Trindade (tia da escritora Socorro Trindade) |
Papari. Julho de 1954. Era mais ou menos oito horas da manhã. Duas moças muito apegadas uma a outra tomaram café e foram passear na Igreja Matriz de Nossa senhora do Ó. Na realidade foram contemplar o vuco-vuco que se inaugurara no templo naqueles dias. Era um bate-bate sem fim. Suficiente para chamar a atenção da cidade pacata e sem atrativo algum, não fossem os acontecimentos eclesiásticos.
Os despojos de Nísia Floresta chegariam à cidade nos próximos meses. O
sacerdote Rui Miranda, ordenado em 1953, aparentava não apreciar muito a ideia, mas se alegrara com verbas
estaduais destinadas à reforma. Admitindo ou não, era a contribuição da filha ilustre daquele rincão. Mortinha, mas rendeu dinheiro para os trabalhos.
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Terezinha Trindade (2018) em nova entrevista, contando outros episódios antigos para o autor deste blog. |
Estavam os trabalhadores naquele vavavu, como dizia o doutor Antonio de Souza, quando uma grande
surpresa se apresentou entre as pedras. Era uma santa. Aliás, a imagem de uma
santa. “Ela não quebrou nas marretadas porque estava num vão entre uma pedra e
outra”, narrou-me dona Lenira Trindade, que à época tinha 26 anos. A história
me foi contada em 1995. “A santinha tinha mais ou menos quarenta centímetros,
toda de madeira... dava gosto... muito bonita, não sabe”, reforçou sua irmã
Terezinha Trindade na mesma data da entrevista.
Ao se deparar com a bela imagem os pedreiros alardearam
o feito, chamando a atenção de quantos passavam por ali. “Num instante
juntou gente... um ia dizendo para o outro e foi aquele movimento dentro da
igreja”, explicou D. Lenira. Na mesma hora foram chamar o cônego. Este não
demonstrou surpresa alguma. Apenas pegou a imagem e brincou, dizendo: “Essa
santinha é Lenira. Parece com você! Disse isso apontado para mim. Fiquei toda
sem jeito e o jeito foi rir”. E todos caíram na gargalhada. As duas irmãs, que
sempre foram muito apegadas, acharam extraordinária aquela descoberta, “mas o
padre não deu a mesma importância; só fez guardar a imagem e pronto”, finalizou
D. Lenira.
O povo insistiu em comentar o assunto com foros de coisa de
outro mundo, mas o padre colocou rédeas na conversa logo na primeira
homilia pós-fato.
Perguntei sobre o paradeiro da imagem, as irmãs disseram
que ela ficou exposta como os demais santos que ficavam na sacristia. Com o
passar do tempo nunca mais a viram. Isso reacende em nós (e deve servir de exemplo
e vigília) o quanto a Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó, que ainda é
tão rica, foi saqueada. Eu, que já entrevistei incontáveis nativos desde 1992,
sobre toda sorte de assunto, ouvi histórias semelhantes sobre peças de valor
incalculável que ornamentavam a Matriz e a Casa das Freiras, mas que sumiram ao
longo de décadas. Obviamente que não se sabe o fim dado à imagem da santa,
mas restou a curiosa história e a reflexão que nunca deve se calar.
Outro detalhe curioso: elas não souberam explicar a denominação da santa.
As senhoritas Lenira (in memorian) e Terezinha são filhas de Paulo Bezerra da Trindade (in memorian), funcionário por muitos anos do Cinema Polyteama, em Natal. Este, casou-se com Gulhermina Emília de
Carvalho (in memorian), em 1924. Tiveram nove filhos.
Eram católicos. Tanto é que as irmãs Lenira e Terezinha eram freqüentadoras assíduas das celebrações e eventos ocorridos na Matriz. Ambas não se casaram. Uma de suas irmãs, a professora Conceição Bezerra da Trindade, nascida em 1924, é mãe da escritora Socorro Trindade. Um episódio provocou desencanto em D. Terezinha, a qual optou por uma vida mais reclusa, sem a tradicional frequência à matriz.
Com relação ao aparecimento da imagem da santa, resta-nos várias indagações inquietantes: quem a colocou ali? Quando? Por quê? Terá sido durante a construção da Matriz ou depois? Qual era a santa? São perguntas que jamais serão respondidas, pois essa história, que praticamente estava sepultada e só agora veio a público, é assunto de conhecimento de meia dúzia de sobreviventes, imagine saber quem e por quê santa foi guardada na parede. Mas restou a história!
Eram católicos. Tanto é que as irmãs Lenira e Terezinha eram freqüentadoras assíduas das celebrações e eventos ocorridos na Matriz. Ambas não se casaram. Uma de suas irmãs, a professora Conceição Bezerra da Trindade, nascida em 1924, é mãe da escritora Socorro Trindade. Um episódio provocou desencanto em D. Terezinha, a qual optou por uma vida mais reclusa, sem a tradicional frequência à matriz.
Com relação ao aparecimento da imagem da santa, resta-nos várias indagações inquietantes: quem a colocou ali? Quando? Por quê? Terá sido durante a construção da Matriz ou depois? Qual era a santa? São perguntas que jamais serão respondidas, pois essa história, que praticamente estava sepultada e só agora veio a público, é assunto de conhecimento de meia dúzia de sobreviventes, imagine saber quem e por quê santa foi guardada na parede. Mas restou a história!
O cônego Rui Miranda exerceu suas atividades clericais na
Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ó no período de 1953 a 1956. Nesse tempo ele
encampou várias reformas nesse templo. À época o IPHAN era veiculado ao
Ministério da Educação e Saúde. Mal completara vinte anos e seus serviços não
chegavam aos estados como previa o seu estatuto.
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Imagem do Sagrado Coração de Jesus, a qual pertencia aos pais de Lenira e Terezinha. |
Diferente de hoje, as leis pertinentes à preservação
do Patrimônio Histórico não eram tão conhecidas em Papari e em outros
recônditos, desse modo os prédios públicos eram reformados ao bel prazer de
quem o administrava. Assim muito foi destruído e muito foi descaracterizado.
Com relação ao referido cônego, infelizmente ele fez algumas mudanças,
descaracterizando parte da arquitetura original interna da Matriz do Ó. É
possível ver marcas até hoje dessa reforma, olhando atentamente o seu interior
(para quem está no soalho de entrada da escadaria de acesso ao sino).
Cônego Rui Miranda, 77 anos (2006), ocasião em que o entrevistei. |
O cônego Rui Miranda faleceu em Ceará-Mirim, aos 84 anos, em 2011. |
Luís Carlos Freire diante do cônego, entrevistando-o numa manhã de domingo de 2006. |
Como era mais ou menos Nísia Floresta em 1954. |
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Primeira página do registro escrito que fiz à ocasião da entrevista com o a cônego Rui Miranda, em 2006 e Ceará-Mirim/RN. Se o leitor quiser ler todo o registro, clique aqui: |
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