Engenho Pavilhão atualmente - fotografia datada de 2003. Nada lembra o casarão, o qual foi quase todo demolido, dando origem a essa casa atual. |
Trajano Leocádio de Medeiros Murta, o "Velho Trajano do Engenho Pavilhão" (1993-1999)
“Engenho Pavilhão”, 17 de maio de 1862. O homem mais rico
de Papari, conhecido como o “velho Trajano do Pavilhão” amanheceu desolado. Luís,
único filho homem, morreu repentinamente aos três anos de idade. A fazenda
parou. Os empregados se deslocaram até o alpendre do casarão – o mais luxuoso e
esplêndido da localidade. Ali se abancaram para aguardar ordens que decorreriam
daquele episódio triste. Os chapéus amassados sob os braços denotavam a tristeza que tomara conta de todos.
As serviçais corriam pela casa, cobrindo os espelhos e
fotografias com tecidos escuros, conforme rezava a tradição. Precisavam se
desdobrar para amenizar a situação dos patrões, os quais perderam as forças.
Não tinham raciocínio pelo menos naquelas primeiras horas. Não se ouviam outro
som na casa-grande, exceto o choro incontido da família. A vila parou com a
notícia. O velho Trajano era querido e respeitado por todos.
O pequeno Luís Leocádio de Medeiros Murta era filho
único, dentre seis filhas. Uma, do primeiro casamento, Maria Emiliana de
Medeiros e, tendo enviuvado o velho Trajano, casou-se com Francisca Xavier arrumando mais
quatro filhas, Emília Maria, Maria Emília, Maria Madalena e Joana Maria. Luiz
se destacava, talvez, por ser “o homem da casa”, como diziam e dizem até hoje
em caso semelhante. O velho Trajano trazia o sofrimento ainda recente pela
morte da primeira esposa, e de repente a cena se repetia com o seu primogênito.
Em pouco tempo a casa-grande encheu-se de amigos e conhecidos.
Todos queriam ver o defunto e cumprimentar os familiares. Naquele tempo a morte
era um acontecimento na velha Vila Imperial de Papari sem atrativos, exceto vaquejadas, eventos
eclesiásticos e raros bailes de engenho. Mortes quebravam rotinas e tinham um quê de “evento”. Todos
faziam questão de se solidarizar, ou prestigiar. Principalmente se ela visitasse gente muito rica.
Era o caso dessa morte!
Contam que até hoje há pessoas atraídas por coisas de morte. Gostam de velórios e exercem uma espécie de jornalismo fúnebre, enfronhando-se em mortes alheias para assistir os mínimos detalhes e depois contar para quem não prestigiou. Imagine naquela época!
Contam que até hoje há pessoas atraídas por coisas de morte. Gostam de velórios e exercem uma espécie de jornalismo fúnebre, enfronhando-se em mortes alheias para assistir os mínimos detalhes e depois contar para quem não prestigiou. Imagine naquela época!
Pois bem. O velho Trajano do Pavilhão, ou melhor, Trajano
Leocádio de Medeiros Murta mandou vir a melhor costureira de São José de
Mipibu, para a qual encomendou uma mortalha igualzinha ao hábito de São
Francisco de Assis. Em Papari mandou confeccionar uma imponente charola, cujo
carpinteiro dobrou a noite para dar conta dos detalhes. Tudo para que o
sepultamento se desse com pompa e destaque. Talvez o velho Trajano fosse desses
que não aceitam a morte, e insistem em vivenciar os últimos momentos como se pudesse
eternizá-lo. E conseguiu.
Foi o maior e mais luxuoso funeral ocorrido na vila. O defuntinho foi exposto de pé sobre o andor ora carregado por parentes,
ora carregado pelo povo. Assim percorreu as ruelas da Vila Imperial de Papari até
chegar à Matriz de Nossa Senhora do Ó. O pequeno Luís trazia nas mãos um
tercinho de prata. Aos seus pés se distribuíam centenas de flores brancas.
O povo ficou perplexo com o episódio nunca visto. Carregar um morto em pé durante um enterro era no mínimo esqusito. O velho Trajano permaneceu devastado durante as exéquias. Após o corpo ter sido encomendado, foi depositado numa caixãozinho pintado de branco, e finalmente sepultado no cemitério local. Cândido Freire, famoso cirurgião-barbeiro, cujo seu nome seria dado muitos anos depois ao posto de saúde, prestigiou esse episódio e o contou por muitos anos. Cândido é descendente de Joan Lustaw Navarro (aquela história do Massacre de Tabatinga, mas é outra história!).
O povo ficou perplexo com o episódio nunca visto. Carregar um morto em pé durante um enterro era no mínimo esqusito. O velho Trajano permaneceu devastado durante as exéquias. Após o corpo ter sido encomendado, foi depositado numa caixãozinho pintado de branco, e finalmente sepultado no cemitério local. Cândido Freire, famoso cirurgião-barbeiro, cujo seu nome seria dado muitos anos depois ao posto de saúde, prestigiou esse episódio e o contou por muitos anos. Cândido é descendente de Joan Lustaw Navarro (aquela história do Massacre de Tabatinga, mas é outra história!).
Trajano Leocádio de Medeiros Murta era chefe do Partido
Conservador em Papari. Na realidade o Engenho Pavilhão era o “Sítio Capió”. Assim
que o adquiriu, mandou erguer o casarão e batizou a propriedade com o nome de “Pavilhão”. Inspirou-se numa tradição medieval, cujos apelidos das pessoas eram dados
às suas propriedades. Nesses conformes nasceu o apodo de “velho Trajano do
Pavilhão”.
Apesar de muito rico e ser considerado um “senhor de
engenho”, sua humildade causava admiração nos paparienses acostumados a
tratamentos debaixo dos pés, cujos sobrenomes dos tais senhores precisam ser
omitidos para não causar desconforto. Era um homem muito culto. Depois do pai de Nísia
Floresta, Dionísio Gonçalves Pinto, nenhuma casa teve mais livros. Sua biblioteca
impressionava, e foi escola de muitos cérebros notáveis que alçaram voos para
outros rincões do Brasil. Importante lembrar que Trajano Leocádio era paraibano de nascença, e
escolheu Papari depois de conhecer bela moça nascida em engenho das bandas do
Porto.
Contam que ele ainda se envolveu, embora modestamente, na
revolução de 1824. Deu confusão e ele saltou para a nossa irmã Mipibu, onde se
escondeu por bom tempo. Também era muito querido na terra do Barão. Trazia a
boa política na alma. Contam. Acalmada a turbulência, tornou-se escrivão de
notas no período de 1828 a 1830 em São José de Mipibu. Possuia um estilo conciliador.
Era muito influente. Sua filha, Maria Emiliana de Medeiros, casou-se com o Dr.
Francisco de Souza Ribeiro Dantas, gente antiga de Mipibu, moradores do Engenho
Olho d Água.
Marcos Freire e Fídias Freire - Engenho Pavilhão, 2003 |
Em Papari, o Velho Trajano do Pavilhão presidia o Partido
Saquarema. Depois tornou-se Presidente da Câmara Municipal de São José de
Mipibu em sete de janeiro de 1845 a sete de janeiro de 1849. Em 1845, quando
Mipibu foi elevada à categoria de cidade, ficou responsável pela organização
cultural da festa. Era muito amigo do famoso maestro Bettelein, mais conhecido
como “Belém”.
Foi Deputado Provincial durante sete gestões, de 1838 a
1851, perfazendo treze anos de atuação. O sucesso na Assembleia Legislativa
Provincial levou-o a Vice-Presidência do Rio Grande do Norte em 1863.
Teve parentes famosos. Tarquínio Bráulio de Souza
Amaranto (cuja história você encontra nesse mesmo blog), Braz Florentino de
Souza e José Soriano de Souza, sobrinhos dele, certamente se tornaram notáveis
graças ao espírito bondoso do tio, o qual pagou os estudos de todos até onde eles
almejaram. Todos foram professores da Faculdade de Direito de Recife. Naquela
época se tornar mestre nessa instituição era um feito notável devido ao nível
de excelência dessa que era a segunda melhor universidade de Direito do Brasil.
Tarquínio ainda foi duas vezes deputado geral pelo Rio Grande do Norte. Esses
sobrinhos visitavam eventualmente o Engenho Pavilhão, pois nutriam verdadeira
devoção ao tio.
É válido expor que o Engenho Pavilhão era a melhor e
maior casa de Papari, onde se espraiavam as mais belas casas e palacetes feitos
com materiais importados, buscados no Porto da Ribeira por via de carros-de-bois.
A casa-grande media sessenta palmos de largura, trazia um baldrame alto tal
qual o Engenho Descanso. O soalho era todo em madeira de lei. Seis janelas e
três portas amplas. Todos os cômodos eram forrados. À ocasião de seu inventário
a casa grande do pavilhão foi avaliada em vinte contos, valor extraordinário
para a moeda daqueles tempos. Era uma casa incomum a uma localidade permeada
por construções toscas de taipa. As paredes eram forradas com retratos de gente
antiga, espelhos e algumas obras de arte. Naquela época se valorizavam muito as
baixelas, cujo Pavilhão possuía coleções em prata pura.
O velho Trajano do Pavilhão era conhecido por sua
animação e modos corteses. Estava sempre pensando na próxima festa. Muitas delas
duravam dias, atraindo senhores e senhoras de engenho de Papari e Mipibu. O
vale do Capió vivia aceso desses eventos. Os homens desfilavam com as mesmas
roupas que vestiam nas famosas festas do palácio do Governo. O fraque ditava o
estilo masculino. Eram festas familiares cuja mocidade não faltava.
As senhoras ilustres farfalhavam suas saias de tafetá,
rodadas, distribuídas sobre anquinhas, conforme os ditos da moda daqueles
tempos áureos do turbulento Vale do Capió. Cada uma que trouxesse pescoço e
pulsos cravejados com belas joias para melhor desfilar. Eventos assim serviam
para mostrar roupas, ouro e pedras preciosas. Forma de externar poder. Até
chapéu. Esses também se viam como se veem nas terras de London. As filhas,
finamente educadas, dedilhavam ao piano os clássicos célebres, maravilhando os
ouvidos mais exigentes.
A Vila Imperial de Papari, conforme o nome alardeava,
trazia muito de imperial nesses tempos. Tanto é que as festas eram regadas às
“quadrilhas imperais”, sob a batuta do Mestre Bettelein” regente de orquestra
impecável. Assim, as danças obedeciam os traçados aristocráticos, com mesuras e
deferências que rememoravam as festas palacianas europeias. Quem dera! O Vale do
Capió, hoje permeado de mato e restos de alicerces, totalmente abandonado, era tão imperial quanto os
impérios da Europa.
Velhos alfarrábios dão como dono do Engenho Pavilhão, em 1920, o senhor Joaquim Januário de Carvalho. Não posso informar ao leitor desde quando a propriedade veio às mãos deste. Os donos atuais, infelizmente, não sabem nada sobre o engenho.
Velhos alfarrábios dão como dono do Engenho Pavilhão, em 1920, o senhor Joaquim Januário de Carvalho. Não posso informar ao leitor desde quando a propriedade veio às mãos deste. Os donos atuais, infelizmente, não sabem nada sobre o engenho.
Mas, conforme vinha dizendo, somos passantes. Estamos por aqui zelando do que
pensamos ser nosso, o velho Trajano do Pavilhão teve o seu período de zelador.
E passou. E foi esquecido... Faleceu no dia 23 de maio de 1867. Há 151 anos. Foi
sepultado no cemitério local, onde jaz o túmulo sem qualquer placa. Nada lembra
tanta riqueza e imponência do antigo Engenho Pavilhão. Seu dono foi um Fidalgo. Hospitaleiro como
ninguém...
Será se é meu parente!
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