ESTUPRADA AOS 10 ANOS DE IDADE POR NÓS
O caso de uma criança de dez anos de idade, estuprada por um tio, e engravidado, provoca discussões em todo o Brasil. O assunto é complexo e cai na seara da justiça, da medicina e religião. É também assunto de Moral, afinal a simbologia de um tio difere muito pouco da simbologia de um pai. E da mesma forma de uma tia. Tios e tias são quase pais e mães dos sobrinhos, portanto é uma espécie de incesto. Esse tio merece prisão perpétua.
Ontem a Justiça autorizou o aborto, mas quando o médico chegou ao hospital para o procedimento, um grupo de católicos cercou a porta de entrada do hospital, impedindo que o profissional entrasse. Houve muita hostilidade. Xingavam o médico de assassino e comunista (os vídeos estão na Internet). Hoje em dia as palavras “comunista” e “pessoas de esquerda” sãos usada pelos ignorantes para traduzir o que eles consideram nocivo à moral, aos bons costumes e à religião e família. É xingamento genérico. Funciona em qualquer confusão. Esbarrou sem querer, Usou máscara, é esquerdista e comunista... assim rotularam o médico e a própria criança: "assassina!" Enquanto isso Jesus está a lá dentro do hospital com a criança.
Ontem, vi a postagem dessa mulher da fotografia, a qual se proclama católica e apoiadora do Governo Federal. Até aí tudo bem. Somos livres, mas as palavras dela são preconceituosas, deturpadas e carregadas de maldade, que não dá para entender como ela se diz “cristã”. Ela culpa a criança pelo estupro. A menina, então com seis anos de idade, pediu que o tio a extuprasse por certo! Questiona por que a criança ficou calada desde quando começou a ser estuprada pelo tio. Sugere que a criança gostava de ser estuprada. Diz que “as mulheres de hoje estão iguais a cachorras no cio”, e “na minha comunidade têm crianças de dez anos que já estão com dois, três filhos nos braços” e outras coisas. Não dá para acreditar que uma mulher seja capaz dessa opinião.
Uma criança de seis anos entende o contato físico como carinho, portanto o tio teve a permissão da criança para fazer o que para ela era carinho. Uma criança não sabe o que é erotismo, sexualidade, excitação e coisas do gênero. Ao longo dos anos o tio estimulou a sexualidade da criança sem que ele entendesse o que acontecia. Só depois ela começou a compreender que algo estava errado.Mas entrou a ameaça. Houve um contexto de terror dentro desse lar, embora disfarçado de amor e carinho, e só veio à tona com a gravidez. A partir dos seis anos essa menina aquiesceu aos “carinhos” do tio sem a mínima noção de sexualidade, e menos ainda, de sexo.
Como sabemos, as meninas se desenvolvem mais rápido que os meninos, e o estímulo provocado pelo tio ampliou ainda mais esse desenvolvimento. Os anais da Medicina registram o caso de uma menina que engravidou aos cinco anos porque tinha uma patologia que a fez menstruar aos três anos e seu corpo se desenvolveu de forma incomum desde então. Essa patologia ocorre ainda hoje. Não é tão comum, mas é fato. Para agravar, o tio estimulou a sexualidade na criança, e tudo o que é estimulado, evolui. No caso dessa menina de dez anos, ela foi estimulada a se tornar mulher sem saber nem o que era pré-adolescência.
A Igreja Católica, como outras, proíbe o aborto, considerando-o crime. É entendido como assassinato. Já a Justiça entende o aborto – em criança -, como violação à infância, risco de morte e traumatização, portanto o favorece. São visões que se chocam. A Medicina explica que o aborto, seja numa criança ou numa mulher adulta, causa danos físicos, traumas e pode levá-la à morte, além de, dependendo o procedimento, tornar a mulher estéril etc. Percebe-se que a Medicina fica entre a cruz e a espada, pois existem médicos que se valem unicamente da ciência, e outros que pesam o aborto na balança da religião.
Em alguns países o aborto é permitido – independente de ser motivado por anencefalia e outras deficiências do cérebro. É entendido como direito de a mulher ter domínio sobre o próprio corpo, portanto uma moça que engravidou do namorado pode abortar, acaso não queira ser mãe naquele momento. Tudo perpassa por atendimento social-clínico para se ter a certeza da opção pelo aborto, pois a pessoa pode mudar de ideia e optar pela maternidade.
Mas a igreja católica - nesse caso - é contra o aborto, independente de qualquer fato, se bem que ela não funciona como Tribunal fora da Igreja. Ser contrária ao aborto é uma orientação que perpassa por considerações da ética cristã etc. É algo que está de católico para católico. Diante disso, os católicos que estavam defronte ao hospital, hostilizando o médico, não representam a igreja, mesmo que fossem católicos. Eles representam seus pontos de vistas religiosos, e por isso não tinham o direito de estarem ali, se a Justiça autorizou o aborto naquela criança. São visões e opiniões diferentes. Causam conflitos. Mas há fatos e fatos.
É complexo dizer sim ou não ao aborto. Pesam muitos outros fatores sérios. O tio cometeu um crime ao violar uma criança dos seis aos dez anos de idade. A Medicina cometerá um crime ao proceder o aborto na vítima do estupro (aos olhos da igreja, pois o considera pecado mortal). Tão mortal quanto o tio ter matado a infância da menina aos seis anis. A Justiça aprova nesse caso específico. Cada lado tem uma alegação que considera legítima. É um imbróglio no qual poucos pensam no futuro da menina.
Creio que o leitor se lembra do caso de um grupo de freiras estupradas na Bósnia por soldados em guerra. O Papa da época não autorizou o aborto, e todas se tornaram mães. Pela lógica, esse fato nem precisaria da opinião do Papa, pois se o entendimento dos católicos é de não abortar em hipótese alguma, seria óbvio que as freiras se tornariam mães, mesmo não sendo aquilo que escolheram para si. A favor das mesmas está o fato de não serem crianças estupradas, mas adultas estupradas. Horroroso, mas real. Esse detalhe também é muito complexo, pois há registros de católicos, evangélicos e pessoas de todas as religiões que apregoam o “não” ao aborto, mas quando engravidam do namorado, esquecem a Bíblia e correm para a clínica. Então, nesse caso, não seria crime?
Crime é uma menina de dez anos ser mãe sem saber sequer o que é ser filha, e muito menos sem ter vivido a infância. Isso parece poético, mas o estupro é algo tão grave que deveria ser alçado à categoria de prisão perpétua. Todos sabem que a maior parte das mulheres (não crianças) estupradas ao longo da História possui síndromes pós-traumáticas, incluindo os pesadelos, tendências de suicídio, anestesia emocional etc.
Uma criança nessas condições terá fortes indícios de desenvolver problemas iguais quando entender o que aconteceu. Talvez o choque seja maior ao pensar sobre o que lhe foi roubado, principalmente a fase preciosa da infância. Creio que uma pessoa adulta só é verdadeiramente completa e normal se viveu intensamente todas as fases de sua vida. Imagine uma menina estuprada dos seis aos dez anos, que não teve infância, e não terá pré-adolescência e adolescência porque foi forçada a se tornar mulher e mãe. Penso que isso seja um crime hediondo, merecedor de eterna prisão ao algoz.
Não tenho filhas, mas confesso que se essa menina fosse minha filha, faria o aborto, sim. Esse assunto é muito amplo, está na alçada de vários outros profissionais. E sobre a mulher da postagem, que culpa a criança, não sou contra o posicionamento dela meramente por ela ser contra o aborto. É direito dela, já que é católica “praticante”. Sou contra o seu alto grau de preconceito, e por sua visão deturpada de infância e dos fatos sociais . Sou contra ela culpar a criança e os pais. Sou contra ela dizer que as meninas de dez anos “parecem cachorras no cio”. Ela desqualifica o gênero dela, generalizando os fatos.
Tudo isso – embora seja outro assunto – entra na alçada de Educação, de problemas familiares e problemas sociais diversos, ausência de políticas públicas concretas diversas e fluentes. O índice de miserabilidade é um grande contribuinte disso tudo, pois gera abandono, descuido. As mães, normalmente sem maridos, precisam ser faxineiras para trazer o pão e o leite de noite. Enquanto isso parentes e até mesmo autoridades estão ali, de olho nas crianças - meninas e meninos - à espera de uma pequena brecha para estuprá-los. Quais políticos - a partir da sua cidade - lutam ferrenhamente contra isso? A menina de dez anos foi estuprada por uma sociedade hipócrita, e há muitas sendo estupradas neste exato momento. De repente até dentro do seu lar. Isso num país no qual o presidente da república estimula o estupro em cadeia nacional, tendo sido gravado dizendo que “não estupraria uma parlamentar pelo fato de ela ser feia”. Não bastasse uma sociedade machista, que conserva vivo o ranço do patriarcado do século XVIII, cuja violência aumenta assustadoramente, somos obrigados a constatar os casos de estupro aumentando, chegando à infância por força desse indesejável filme de terror.
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