LENDA DA LAGOA DO BONFIM
Essa é uma estória velha, dos tempos da Papari emoldurada de indígenas e roças de milho e macaxeira. Antes de contá-la, é bom lembrar que o nome original dessa lagoa era Puxi, de “ipu-xim”, que significa: a
fonte, o manadouro brilhante, faiscante, pelo aspecto das águas transparentes;
ou ipo-xi: água-má, imprestável por não ser piscosa. Era a sua denominação
oficial até 1762, quando a Vila de São José foi fundada. Frei Serafim da
Catânia não gostou do nome e o mudou para Bonfim - ou Bom-Fim, em 1863. Os padres proibiram que os nativos usassem o nome "Puxi", dizendo que era indecente. Assim os nativos foram obrigados a usar a denominação cristã, pois é uma alusão ao Nosso Senhor do Bonfim..
Os moradores antigos contam que, ao despontar os primeiros raios de sol, uma moradora abalou-se até
um “olho d’água” existente próximo de sua choupana de palhas de coqueiro. Era hábito dos nativos apanharem a primeira aguada matinal para a serventia da casa. Diziam ser mais pura. Eles enchiam vários potes de barro, cabaças, e levavam para casa. Como era de costume, a nativa foi com os filhos pequenos, abasteceu as vasilhas e aproveitou para lavar roupas numa pedra grande, deixada ali com essa finalidade.
“Olho
d’água” é uma expressão muito usada na região para se referir
a nascente natural de água (fonte). E nela os nativos recolhiam água
para abastecimento humano, dos animais, roças e lavagem de roupas. A
região onde aflora “olho d’água” estende umidade nas
proximidades, onde correm fiapos de água à flor da terra. Esse “olho d'água” ebulia vistosamente,
cuja água, de tão transparente, deixava visível as pedrinhas fazendo malabarismos, como se flutuassem. Contam que quando uma pessoa pulava em
pé no “olho d’água” e permanecia com todo o corpo ereto, flutuava. As golfadas de água empurravam a pessoa para cima. Nada afundava ali.
Pois bem, enquanto a mãe lavava roupas, a meninada se divertia, pois a água mais afastada dava no tornozelo, sem perigo de se afogarem. Eis que logo as crianças começaram a brincar com umas cabaças de “coité”, deixadas ali por outras lavadeiras. Elas enchiam as vasilhas e jogavam água umas nas outras, e a mãe ali, atenta de ouvido...
Eis que elas sentaram na água e começaram a bater o fundo da cabaça na lâmina de água... pá...pá...pá...pá...pá...pá...pá...pá... Conforme batiam, a água espirava longe. Assim eles brincavam e gritavam muito, como fazem as crianças nesses paraísos deliciosos de infância. Não perceberam nada até então. Porém teve início um fenômeno estranho: as águas começaram a se avolumar muito. Os jorros borbulhavam com força em vários pontos assustando as crianças. Assustada, a mãe correu desesperada, gritando para que todos saíssem dali. Era tarde.
Eles correram, desesperados, mas parece que o destino lhes
reservava o encantamento. Seja qual fosse a direção que tomassem, eram surpreendidos por redemoinhos
rebentando, engolindo o que tivesse próximo. Eles ainda conseguiram
correr em sete direções, mas as águas eram implacáveis. Logo não sentiam mais o chão. Em poucos
minutos a lagoa se espraiou assustadoramente, num formato de sete pontas diferentes, sepultando árvores e terras incontinenti.
Infelizmente, como um tangolomango, a mãe e as crianças se transformaram numa imensa serpente multicolorida que desapareceu no leito da lagoa. Foi a partir do surgimento da lagoa que os antigos deram-lhe o nome de lagoa “Puxi”. Contam que em noites de lua a serpente costuma emergir e vagar nas águas. Já houve pescador que saiu dali desesperado, assustado com o tamanho bizarro da serpente. Raramente ela é vista, pois a luz da lua, refletida nas águas em constante movimento, emite milhões de pontos de luz. Assim o ente fantástico vagueia despreocupado, camuflado nas águas faiscantes.
Em 1997, mandei fazer essa imensa serpente para retratar a lenda, na tentativa de que a ideia fosse continuada no município... (nela se vê o artista Marcelo Ventura, eu e a Professora Vera Carvalho)
Durante muitos anos todos buscavam explicações sobre o surgimento misterioso de tanta água. Mas um velho cacique, muito sábio, contou que as crianças realizaram o mistério
que acordou o mar submerso naquelas areias brancas. Ao baterem na água as crianças despertaram um
encanto do início da criação da Terra, gerando o fenômeno que criou
a lagoa. O mistério estava exatamente nas batidas sucessivas das cabaças na água. Por esse motivo as profundezas da terra se sentiram
despertadas a explodir-se em lagoa. Sem querer, as crianças desencantaram um manancial. E fazia parte do encanto que quem despertasse a lagoa se transformasse em serpente.
Assim surgiu a lagoa “Puxi”, nome dado pelos indígenas, depois mudado pelos padres Jesuítas que ali chegaram para evangelizar. Batizaram-na “Lagoa do Bonfim”.
**********************************************************
OBS. Ouvi essa versão do meu tio Júlio Amaro Freire, em junho de 1992. Ele faleceu aos 98 anos, em 2018. Existem outras versões, inclusive registradas aqui mesmo neste blog, pois sempre respeito forma como os nativos me contam, mas é importante ressaltar que todas têm a mesma arquitetura. O que muda é o conjunto de elementos que essa arquitetura recebe. É isso que torna bela a oralidade. A senhora Natália Gomes do Nascimento, 90 anos contou-me em 1992 que "(...) na
época que Nosso Senhor Jesus Cristo andava na terra, a cabeça da cobra
ficava na altura de onde é hoje a igreja de Mipibu, e a cauda findava
nas proximidades da lagoa Papari, e sua grossura (diâmetro) era de
quatro troncos de coqueiro”. Aqui você encontrará também uma releitura minha sobre a lenda, é só buscar na lupinha, acima, lado esquerdo... Boa leitura!
Nenhum comentário:
Postar um comentário