PADRE
JACQUES THEISEN – UMA MANHÃ DE SABEDORIA COM O BOM PASTOR (EM 2015)
Ontem, 1 de outubro/15, estive na casa paroquial onde vive há quase
cinquenta anos o sacerdote belga Jacques Theisen, cujos católicos
natalenses o rebatizaram “padre Tiago”. Vivi esse momento singular com a
minha confreira Rita De Almeida Almeida, também membro da Comissão
Norte-Rio-Grandense de Folclore e biógrafa do referido sacerdote.
O motivo dessa viagem decorre do curso de Folclore que estamos
ministrando, cujos participantes deverão organizar um artigo científico
com temas diversos como a culminância do projeto. No meu caso escolhi
coordenar o assunto “Medicina Caseira” por ser uma área que também me
agrada muito.
Ele havia marcado às 9 horas. Fui o primeiro a chegar e o
encontrei tomando o café matutino numa imensa sala que se divisava com a
cozinha, revestida de belo azulejo hidráulico. A casa, quase
centenária, é assobradada e permeada de cômodos anchos. O piso da
varanda, corredores e quarto são de tijolinhos brancos.
Débora,
sua secretária pessoal me recebeu com muita delicadeza. O sacerdote não
foi diferente. Levantou-se, veio me acolher à porta, pedindo que eu me
sentasse numa mesa ampla, repleta de livros, recortes de jornais,
revistas e fotografias ao lado da mesa em que ele tomaria o seu café da
manhã. Eu não sabia, mas todo o material ali disposto era uma aula que
ele havia se preparado para nós.
Logo ele me disse que se recuperava de um câncer na região da garganta e
precisava demorar mais do que o normal para começar o dia. Desse modo
tomava lentamente o seu café composto por papa de leite, café, banana,
vitaminas e outros alimentos degustados vagarosamente.
Percebendo
que ele estava se esforçando muito para falar, perguntei se podia
sentar ao seu lado para ouvi-lo melhor. Ele não se opôs. E assim
conversamos a sós, em sua mesa do café, durante quarenta minutos até que Rita chegasse. Como
eu disse que tinha raízes no Mato Grosso do Sul, ele foi buscar um álbum
de postais do Pantanal, trazido numa viagem feita há certo tempo.
Conversamos muito sobre a sua chegada ao Brasil (1968, aos 38 anos) e seus primeiros passos como sacerdote em nosso país. Ele já foi piloto de avião com brevê. O diálogo tomou rumo diferente do objetivo, mas foi muito bom, pois pude saber muito sobre esse gigante. Logo Rita chegou, ele foi para a mesa e começou a dar sua aula. Confesso que nunca vi tanta sabedoria e bondade juntas. Ele detém uma profundidade em diversas temáticas e explanou-as uma a uma até chegar ao assunto “Medicina Caseira”.
Foi
uma aula brilhante, inclusive ele é precursor no Rio Grande do Norte
sobre o tema. Explicou-nos que a natureza oferece uma infinidade de
medicamentos que nem nos damos conta. E sua inspiração para o
aprofundamento das plantas medicinais do Rio Grande do Norte foi
justamente para construir com as populações pobres o uso consciente e
eficaz das plantas que existem em abundância em todo o Estado, e nem
sempre são usadas.
Encerrada a aula ele mostrou o seu acervo de livros, documentos e até mesmo um mini-museu pessoal disponibilizado na sala. Há um armário organizado com perfeição, no qual ele guarda palestras de infindáveis temas, sejam religiosos, familiares, de neurociências, enfim é muito vasto. Sua biblioteca é gigantesca e contém livros e revistas em diversos idiomas, pois ele fala várias línguas. Possui centenas de banners com dezenas de temas, os quais usa para dar aulas
Um
detalhe muito curioso é que em plenos 85 anos, além de lúcido, é
atualizado com tudo o que está sendo editado no mundo nessas e em outras
áreas. Além de poliglota, continua estudando e escrevendo. É autor de
livros e possui um acervo fotográfico que registra a sua história. Em
Natal ele coordenou a construção de mais de 40 igrejas e já esteve
adiante de eventos de natureza religioso/social com público superior a
10 mil pessoas num só evento.
Também
mostrou-nos uma despensa com alimentos que ele distribui em
jardins-escolas, além de kits muito portentosos que ele presenteia
funcionárias desses estabelecimentos. É um homem extremamente culto e
que exala bondade. Mas uma característica muito clara é a humildade e o
jeito acolhedor. Ele tem prazer em transmitir o que sabe. É uma lição de
vida. Interessante foi que ele não queria que fôssemos embora. Quando
percebemos eram 12h30. Nem sentimos os passar das horas. O padre Jacques
Theisen, ou o “padre Tiago”, com certeza é um sacerdote em extinção.
Por
coincidência, seu lema de ordenação foi "Eu sou o Bom Pastor". Como se
previsse que a maior parte de sua vida seria vivida no bairro Bom
Pastor, aqui em Natal, onde mora. Ele, que via como desperdício um
padre belga cuidar de apenas 500 pessoas, como era comum na Bélgica,
quis vir para um lugar onde o seu trabalho atendesse o maior número de
pessoas.
Um detalhe: embora já havia escrito outra faceta de sua história no
meu blogue, lembro que foi ele que idealizou o uso de fibras de
coqueiros para a confecção de artesanato no Timbó, distrito de Nísia Floresta. E quase ninguém sabe disso. Na década de 60, estando ali em temporária atividade evangelística, vendo a pobreza da localidade e a falta de um meios de subsistência dos nativos, ele pensou, pensou
e teve essa luz.
Essa tradição segue até os dias de hoje. O que esse
homem fez em nosso país não tem preço e é impossível medir e retribuir
como queríamos. Conhecê-lo foi o maior presente que recebi nos últimos
tempos. Sem dúvida, é um padre raro. Difícil ver sacerdotes visionários. Theisen foi um visionário e abnegado em prol dos pobres. Sua meta era transformar pessoas e ensinar-lhes caminhos.
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