O QUE MACHADO DE ASSIS ESCREVEU SOBRE NÍSIA FLORESTA
Machado de Assis escreveu um breve comentário sobre o livro “Trois ans en Italie, suivis d'un voyage en Grèce : v. 1” (Três Anos na Itália Seguidos de Uma Viagem à Grecia), no Diário do Rio de Janeiro do dia 10 de julho de 1864, obra escrita pela intelectual potiguar Nísia Floresta Brasileira Augusta, fato que desperta a curiosidade de muitos, afinal Machado é o nosso Camões. Saber da existência desse comentário é bastante instigante. Mas não se empolgue.
É um texto breve, uma opinião sobre um livro não lido, mas como informei na primeira publicação dessa temporada de abril, o objetivo dessa proposta é levar aos leitores publicações desconhecidas ou inéditas sobre pessoas famosas ou não que escreveram sobre Nísia Floresta, ou sobre alguma obra dela, independente de consistir num longo ensaio, num artigo ou mesmo uma breve citação ou menção.
Drª Constância Lima Duarte, professora na Universidade Federal de Minas Gerais, autora de amplo e aprofundado estudo sobre a intelectual Nísia Floresta, sua tese de doutorado (UFRN), em seu livro “Nísia Floresta, Vida e Obra”, 1995 - ao comentar sobre o livro "Opúsculo Humanitário" (1853), de autoria de Nísia Floresta - informa que "alguns estudiosos de Nísia" mencionam notas sobre ela, publicadas em periódicos, e que numa delas Machado de Assis e Alexandre Herculano "teriam" feito comentários sobre "Opúsculo Humanitário". O futuro do pretérito evidencia que tais comentários são suposições, mas a opinião de Constância mudaria no prefácio de “Trois ans en Italie, suivis d'un voyage en Grèce”, quando, de fato Machado comentou sobre a obra.
Nísia Floresta: vida e obra, 1995. |
Nísia Floresta: vida e obra, 1995. |
"Outro livro, e de viagens, não de outra imperatriz, mas de uma senhora patrícia nossa. Trois ans en Italie é o título; veio-nos da Europa onde se acha a autora, a Sra. Nysia Floresta Brasileira Augusta.
A “Fantasia” ou “A Itália” — é a mesma coisa; é, pelo menos, o que nos fazem crer os poetas e os romancistas, sussurrando aos nossos ouvidos o nome da Itália como o da terra querida das recordações e das fantasias, do céu azul e das noites misteriosas.
Três anos na Itália devem ser um verdadeiro sonho de poeta. Até que ponto a nossa patrícia satisfaz os desejos dos que a lerem? Não sei, porque ainda não li a obra. Mas, a julgar pela menção benévola da imprensa, devo acreditar que o seu livro merece a atenção de todos quantos prezam as letras e sonham com a Itália".
No prefácio da obra acima citada, Constância o apresenta assim:
“Trois ans en Italie, é o título, veio-nos da Europa onde se acha a autora, a Sra. Nísia Floresta Brasileira Augusta. A “fantasia” ou a “Itália” é a mesma coisa; é pelo menos o que nos fazem crer os poetas e os romancistas, sussurrando aos nossos ouvidos o nome da Itália como o da terra querida das recordações e das fantasias, do céu azul e das noites misteriosas. Três anos na Itália devem ser um verdadeiro sonho de poeta. Até que ponto a nossa patrícia satisfaz os desejos dos que a lerem? Não sei, porque ainda não li a obra. Mas, a julgar pela menção benévola da imprensa, devo acreditar que o seu livro merece a atenção de todos quantos prezam as letras e sonham com a Itália”.
Machado de Assis,
Diário do Rio de Janeiro, 10 de julho de 1864
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Supostamente, esta é última fotografia de Machado de Assis em vida |
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No referido Diário do Rio de Janeiro, no citado ano, encontro
uma referência anônima sobre o livro “Trois ans en Italie, suivis d'un voyage en
Grèce: v. 1”, mas numa
publicação do dia anterior, 9 de julho de 1864, na última nota da seção de
noticiários. Leiamos o que
certamente o editorial do referido jornal escreveu:
Recommendando-o, pois, á curiosidade publica, não o fazemos porque
encerre elle algum manancial de forte instrução para ninguém. Não foi esse o
intuito da autora, nem obras taes se recommendam senão pela amenidade do
estylo, pela variedade das noticias, pela belesa das descripções.
Não será, porém, perdido o tempo da sua leitura, como não foi perdido
para o credito da autora, o que ella consumio em um trabalho improbo nesse paiz
inglorio e sempre dispendioso. A circumstancia de ser o livro escripto em
francez, se não concorrer para a sua vulgarisação entre nós, serve ao menos
para dar aos leitores europêos uma idéa relativamente vantajosa da educação da
mulher brasileira.
Felicitamos, portanto, a autora”.
Pois bem, as impressões de quem escreveu falam por si.
Eis, abaixo, um recorte da publicação original que transcrevi acima.
Diário do RJ. |
BREVES COMENTÁRIOS SOBRE O TEXTO DE MACHADO DE ASSIS (17.5.2016)
Quando Machado pergunta: “Até que ponto a nossa patrícia satisfaz os desejos dos que a lerem? ele divaga a possibilidade de se tratar de uma obra fantasiosa como era mais comum aos diários de viagem daquele tempo, propensos a meras referências à História, mitologia – e que ele, na condição de um homem culto, não se dedicaria a ler algo que já conhecia, ou não perderia o tempo com leituras fúteis –, mas também divaga que os leitores menos exigentes poderiam gostar.
Imagine o que Machado de Assis teria escrito se houvesse lido “Trois Ans en Italie Suivis d’un Voyage en Gréce”? Que pena! Trata-se de uma obra extraordinária, em que Nísia se mostra plena intelectualmente. Obra riquíssima. Embora não seja um diário de viagem que parece Machado ter suposto, certamente ele relaciona “Trois Ans en Italie Suivis d’un Voyage en Gréce” ao tipo de literatura que escreviam os viajantes europeus sobre o Brasil, mostrando à Europa um Brasil alegórico, idealizado, fantasioso. Nísia passou anos-luz disso.
10 DE JULHO DE 1864.
O folhetim não aparece hoje lépido e vivo; aparece encapotado, encarapuçado e constipado.
Também constipado? Também. O folhetim é homem, e nada do que é humano lhe é desconhecido: Homo sum et nihil humanum a me alienum, etc.
Não há organização, nem mesmo a do folhetim, que resista às alternativas do termômetro e aos caprichos do inverno fluminense, podendo, aliás, resistir aos caprichos das damas e às alternativas da política.
Depois de cinco ou seis dias de chuva miúda e vento frio, raiaram dois dias quentes, ontem e anteontem, quentes a fazer supor as proximidades de dezembro.
É um inverno verdadeiramente gamenho, espartilhado e rejuvenescido, alma de rapaz em corpo de velho, um inverno pimpão.
Depois desta amostra de calor, voltará amanhã o tempo chuvoso ou anuviado, e aí nos temos outra vez vítimas dos caprichos da quadra.
Esta razão serve para explicar o tom de fadiga e aborrecimento com que o folhetim aparece hoje.
Dito isto, passo a por a limpo umas contas de domingo passado.
A um amigo, que me observava ontem ter eu sido demasiado severo com os meus semelhantes, quando tratei do cometa Newmager, — respondi:
— “Meu caro, é que eu reduzo a missão do folhetim a isto: — atirar semanalmente aos leitores um punhado de rosas.. . sem quebrar-lhes os espinhos. Tenho eu culpa que o Criador rodeasse de espinhos as rosas, e que elas surjam assim do seio da terra, formosas, mas pungentes?”
Os meus leitores hão de lembrar-se do que eu disse no domingo passado, quando falei do cometa Newmager; — hão de lembrar-se que eu lamentei de coração o desgosto que ao divino espectador produziam os comediantes humanos. Era tão sincera aquela lamentação, que eu não duvido acrescentar hoje uma observação anódina ao que disse então.
Deus me livre de negar a existência da virtude, — eu já tive ocasião de escrever esta frase:
— “De todas as mulheres a que eu mais admiro é a virtude”.
Existe, é impossível negá-lo; mas o que não se pode igualmente negar, é o que nos comunicam as estatísticas que vêm por apenso ao relatório da justiça, isto é, — que a virtude por simpatia ou pela força das coisas, existe principalmente na classe dos viúvos.
Com efeito, de 24.484 criminosos julgados pelo júri, no decênio de 1853 a 1862, 11.077 são solteiros, 11.843 casados e 1.634 viúvos.
Que achado para os intendentes de polícia que procuram a mulher no fundo de todos os delitos!
Os solteiros e os casados, isto é, aqueles que estão mais no caso de lutar pela mulher — ou no espírito de posse ou no espírito de conquista — esses constituem a grande soma dos criminosos; ao passo que os viúvos, isto é, os que se pressupõe ficaram fiéis aos túmulos, formam apenas uma insignificante minoria nos fastos policiais.
Será este o corolário imediato a tirar da estatística? será certo que a mulher entra sempre, direta ou indiretamente, nos ataques que os homens fazem à vida, à propriedade e à segurança dos seus semelhantes?
É preciso notar, para esclarecimento de quem quer entrar nesta indagação, que nos 24.484 réus se compreendem apenas 1.585 mulheres, minoria insuficiente que deixa margem à opinião dos intendentes de polícia.
Manifestando estas dúvidas a uma senhora de espírito, numa destas últimas noites, ouvi-lhe fazer o processo dos homens, com uma indignação e uma energia que eu admirei, e às quais apenas pude opor dois ou três sofismas débeis e inconsistentes - isto mesmo por honra da firma.
Fiz ainda outra observação folheando as estatísticas criminais do relatório, e foi — que, no mesmo decênio de 1853 a 1862, apenas 363 indivíduos foram executados em virtude da moralíssima lei da pena de morte.
Os leitores sabem que a questão da abolição da pena de morte voltou à tona d'água em diversos países, e que, agora mais que nunca, trabalha-se por suprimir o carrasco, isto é, acabar com a anomalia de manter-se uma lei de sangue em virtude da qual foi sacrificado o fundador do princípio religioso das sociedades modernas.
A este respeito não posso deixar de transmitir aos leitores as palavras de uma folha católica de Paris, “Le Monde”, digno irmão e modelo da “Cruz”, desta corte.
Este número do “Monde” chegou de fresco no último paquete. Aqui vai o pedacinho que vale ouro:
“Hão de acusar-nos, diz o “Monde”, de prezar a guilhotina; não, não prezamos a guilhotina, que é um dos benefícios da revolução, e não pedimos outra coisa que não seja substituí-la por “outro gênero de suplício”.
Não poucas vezes, a “Cruz”, referindo-se ao “Monde”, deixa resvalar um ou dois adjetivos fraternais. As duas folhas entendem-se; é de crer que este pedacinho do “Monde” seja transcrito na “Cruz”, piedosamente comentado e aumentado.
A “Cruz” de Paris não quer a guilhotina por ser invento revolucionário, quer outro suplício de invento católico. A fogueira, por exemplo?
Quando leio estas e outras coisas, no século em que estamos, o qual, segundo se diz, é o século magno — hesito em crer nos meus olhos e desconfio de mim mesmo.
A “Cruz” de Paris entende que é impiedade matar com a guilhotina; o que ela quer é que se mate mais catolicamente, mais piedosamente, com um instrumento das tradições clericais, e não com um instrumento das tradições revolucionárias. Para ela a questão é simplesmente de forma; o fundo deve ficar mantido e respeitado.
Se os meus leitores disserem que estas pretensões da folha parisiense são ímpias e ridículas, fiquem certos de que não escaparão das iras dos piedosos defensores, e que, com duas ou três penadas, serão riscados do grêmio católico.
Qualquer dia destes ei de fazer um elogio dos canibais, raça ignorante e rude, que não conhece as delícias da nossa cozinha civilizada e limita-se a satisfazer os seus instintos bárbaros.
Talvez que ao terminar este folhetim receba a “Cruz”, e então direi em post-scriptum se ela traz alguma piedosa lôa ao dito do “Monde”.
Não tenho apontamento algum sobre política amena a não ser um aparte do Sr. Lopes Netto, deputado por Sergipe, respondendo a um orador que o acusava de ter glorificado a invasão do México.
S. Excia. declarou que não fizera semelhante glorificação.
Ora, como eu, já antes do deputado argumentar, tinha feito a mesma censura (censura de folhetim) recorri ao número do “Jornal do Comércio” em que veio o discurso do Sr. Lopes Netto, para ver de novo o que S. Excia. havia dito.
Reconheci que S. Excia. havia dito aquilo mesmo que no parlamento lhe foi apontado, e que eu — muito antes — apontei, considerando até o fato como milagre.
Há, porém, na ordem política umas tais retortas e alambiques, onde se apuram as; palavras e as idéias, de modo tal que as tornam inteiramente diversas daquilo que significam na ordem comum.
É possível que, a favor deste meio, S. Excia. nos explique o sentido do seu discurso. Antes disso, continuo a pensar que S. Excia. fez uma glorificação da invasão napoleônica.'
A propósito do México mencionarei aqui, de passagem, um fato de que todos já têm conhecimento: — a publicação de um livro de Sua Majestade a Imperatriz Carlota, intitulado: “Recordações das minhas viagens à fantasia”.
O livro ainda não chegou às nossas plagas, creio eu. Ei de lê-lo apenas chegar. Há muitas razões para aguardar esta obra, com certa curiosidade. Primeiramente, o título já de si atraente, — depois a autora, que, além da consideração pessoal que tem, recebe agora toda a luz dos acontecimentos que — em mal! — vão cercar o seu nome e o de seu marido.
Outro livro, e de viagens, não de outra imperatriz, mas de uma senhora patrícia nossa. Trois ans en Italie é o título; veio-nos da Europa onde se acha a autora, a Sra. Nysia Floresta Brasileira Augusta.
A “Fantasia” ou “A Itália” — é a mesma coisa; é, pelo menos, o que nos fazem crer os poetas e os romancistas, sussurrando aos nossos ouvidos o nome da Itália como o da terra querida das recordações e das fantasias, do céu azul e das noites misteriosas.
Três anos na Itália devem ser um verdadeiro sonho de poeta. Até que ponto a nossa patrícia satisfaz os desejos dos que a lerem? Não sei, porque ainda não li a obra. Mas, a julgar pela menção benévola da imprensa, devo acreditar que o seu livro merece a atenção de todos quantos prezam as letras e sonham com a Itália.
Para os que sonham com os bailes tenho uma notícia na lista da semana: a instalação de uma nova sociedade destinada a dar partidas. Niterói carecia de uma sociedade deste gênero, verdadeiramente familiar, como não pode deixar de ser, e que dará à cidade fronteira um novo atrativo.
Creio não ser indiscreto anunciando que muito breve haverá novamente nos salões do Club Fluminense um grande serão literário-musical, com a presença de senhoras, a fim de terminar a noite com um baile.
Ocultarei, por ora, os nomes dos promotores da festa que, a julgar pelo entusiasmo que já vou presenciando, há de ser esplêndida e única no gênero, entre nós.
Mais de uma vez tenho manifestado a minha opinião acerca deste gênero de reuniões literárias — nem tão sérias que fatiguem o espírito do maior número — nem tão frívolas que afastem os espíritos sérios. Achar um meio termo desta ordem é já conseguir muito.
Por agora nada mais digo, pedindo apenas aos leitores que aguardem como coisa certa (o cometa é só lá para 1865) o anunciado serão, onde se achará a flor da sociedade fluminense.
Tenho limitado as proporções deste folhetim pelas causas já apontadas no começo, e por outra, que é a falta de espaço.
É preciso não atulhar a casa de mobília inútil.
Também não se perde nada, visto que a semana foi das mais indigentes e frias — Política à parte.
Não recebi a Cruz, mas recebi o primeiro número de um jornal de Cametá, verdadeira ressurreição do gênero de José Daniel.
Denomina-se A Palmatória, e traz como programa as seguintes linhas para as quais peço a atenção dos leitores:
“A Palmatória tem de defender a rapaziada de qualquer injusta acusação que se lhe faça; tem de entreter os jovens de ambos os sexos com a transcrição de algumas cartinha amorosas, que possam ser obtidas por meio (ainda que sagazes) honestos e dignos, não se compreendendo nas transcrições respectivas os nomes das pessoas a quem se dirigiram, nem os das que as dirigiram, ou qualquer frase que possa fazer conhecedor o público de quem são só correspondentes; tem de inserir algumas poesias, romances, anedotas, pilhérias e charadas, que possam deleitar, e finalmente de tratar, por meio de uma discussão apropriada entre os dois pretos escravos, o pai João Jacamim e o pai Henrique, de sancionar a necessária lei e regulamento sobre o tratamento e quantidade de palmatoadas com que devem ser premiados os poetas Arachias — o Palteira de cebo e escritor da variedade em inglês assinada — que apresentaram no “Liberal” suas respectivas e meritosas obras. Também aparecerá de vez em quando um espreitador noticiando as discussões ávidas entre as vendedeiras de frutas e doces, ora em casa de certo magistrado, ora na de um constante jogador, ora na de alguém que se torne indigno de exercer a magistratura. Tudo à semelhança do “Espreitador” por J. D. R. da Costa”.
Que lhes parece? Será isto imprensa? Temo estender-me demais; vou reler o que escrevi. Até domingo.
O que restou em homenagem ao local onde existiu a casa de Machado de Assis. |
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