ESCREVEU SOBRE NÍSIA FLORESTA (L.C.F.7.7.2000)
Entramos em abril, mês em que Nísia Floresta Brasileira Augusta faleceu em Rouen, França, aos 24 dias do ano 1885. Não se comemora data de morte, mas lembra-se para enaltecer feitos. Como estudioso da vida e obra dessa notável norte-rio-grandense, há 30 anos, tenho essa data sempre em minhas lembranças, assim como a do seu natalício, e sempre a evoco através de breves homenagens neste mês.
Exatamente com esse olhar estarei apresentando ao leitor – durante este mês – alguns textos relacionados a Nísia Floresta. Alguns até inéditos – para a maioria das pessoas – de autoria de intelectuais conhecidos e mesmo pessoas comuns, algumas desconhecidas, admiradoras da insigne intelectual. Outros, conhecidos mais por quem tem um aprofundamento no estudo sobre essa intelectual. Uns são mais diluídos, outros mais condensados, O legal é apreciarmos a visão da pessoa que escreveu. O que ela pensava sobre Nísia, como ela está mostrando Nísia, e no bojo de tudo, curiosidades e algumas informações que sempre os autores nos trazem. O material será postado aqui, aleatoriamente, nessa temporada de abril.
Muitos intelectuais e admiradores escreveram sobre Nísia Floresta ao longo de décadas, começando logo após a sua morte. Alguns desses escritos jazem
esparsos, sem nunca terem sido mencionados em bibliografias por pesquisadores.
Esse é um texto em que o grande lapso de tempo devolveu-lhe o ineditismo.
O texto de hoje, escrito em 1933, é uma contribuição de Luís Gastão
d’Escragnolle Dória, um dentre tantos textos sobre Nísia Floresta e quase
totalmente desconhecido no presente. O autor, que inclusive é um renomado
intelectual e escritor, o escreveu assim que leu o conhecido ensaio escrito por
Roberto Seidl, intitulado “Nísia Floresta - 1810-1885 – vida e obra de uma
grande educadora, precursora do abolicionismo, da República e da emancipação da
mulher no Brasil”, publicado em 1933, no Rio de Janeiro.
Escrito há 89 anos, pode aparentar ultrapassado e sem novidades aos
olhos do século XXI. Mas não é bem assim. Ele é tão importante - principalmente
para quem estuda a ilustre potiguar - que a poeira do tempo ora é
sacudida para encantar a todos com mais uma contribuição à memória da nossa
Nísia Floresta.
A longevidade não envelheceu a interessante visão de Escragnolle Doria
sobre Nísia Floresta, tornando-o um material precioso para todos os leitores. O
detalhe de consistir num texto quase nonagenário não dissolve a impressão
digital do autor. Na realidade, o texto é a grande novidade, e traz algumas
novidades também, como veremos.
Muitos pesquisadores ou admiradores que acompanham as produções sobre Nísia Floresta ainda desconhecem algumas publicações e se surpreendem, como nesse caso, justificando a importância de lançarmos os holofotes sobre os materiais “desconhecidos”. Mas quem é o autor?
Atriz Núbia Santana, ensaiando para as gravações do documentário "Nísia Floresta, uma mulher a frente de seu tempo" (Projeto Memória/Fundação Banco do Brasil/Correio Braziliense - 2006 |
Em 1890 Escragnolle concluiu o curso de Direito na Universidade de São
Paulo - USP, mas certamente o fez pelo modismo da época, período em que cursar
Direito era entendido como status pelas famílias patriarcais. Ele nunca exerceu
a profissão, dedicando-se às mais variadas funções ao longo de sua vida,
fazendo jus ao conceito hoje tão falado das múltiplas inteligências, e foi
brilhante em tudo o que fez.
Seu primeiro emprego se deu no Senado Federal do Brasil - que à época
tinha o seu endereço no Rio de Janeiro, capital Federal. Ali ele exerceu o
cargo de editor do Diário dos Debates do Senado e tinha uma vida
social/cultural ativa. A partir de 1906 assumiu a função de professor de
História Universal e de História do Brasil no Colégio Pedro II no Rio de
Janeiro. Foi um educador reverenciado em sua época devido à sua especial
ilustração.
No período de 1910 a 1912 viajou pela Europa como bolseiro do Ministério
da Justiça e dos Negócios Interiores, com o objetivo de recolher documentação
histórica relativa ao Brasil, função que provavelmente o colocou diante de
obras e escritos jornalísticos de Nísia Floresta na Europa. É possível que algumas obras de Nísia Floresta, trazidas da Europa, em em outros idiomas, e que hoje estão em algumas instituições brasileiras, fizeram parte dessa busca de Escragnolle Doria. Importante também tomarmos conhecimento de que algumas obras de Nísia Floresta foram roubadas desses espaços, e creio que que isso tenha se dado pelas mãos de pesquisadores.
Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, 1910. |
No período de 1917 a 1922 ele foi diretor do Arquivo Nacional do Brasil
e editor do respectivo periódico. Era membro de doze sociedades científicas e
literárias e deixou uma vasta obra publicada, incluindo dispersos por vários
periódicos brasileiros e de outras nacionalidades, com destaque para o Jornal
do Comércio do Rio de Janeiro.
Como poliglota, traduzia diversos textos de autores europeus. Desse
modo, segundo informações de Júlio Castañon Guimarães, especialista na obra do
famoso poeta francês Mallarmé, Escranolle Dória foi o primeiro tradutor
brasileiro a traduzir uma obra de Stephane Mallarmé para a língua portuguesa.
Essa tradução foi publicada na Revista do Ouvidor, no Rio de Janeiro, em 1901.
Mallarmè (Biblioteca Nacional) |
Escragnolle era casado com a pedagoga Lavínia de Oliveira d’Escragnolle
Doria que também exercia o magistério. Escreveu seis livros: Dor (1904); Cousas
do passado (1909); Da conveniência de um acordo
luso-brasileiro (1910); A significação da obra de Anchieta no
Brasil (1910); Un coup d'oeil sur l'histoire du Brésil (1910); Romão
de Mattos Duarte o benfeitor dos expostos (1916).
Quando Escragnolle Doria nasceu, em 1869, Joaquim Pinto Brasil, irmão de
Nísia Floresta, que também morava no Rio de Janeiro, tinha 50 anos de idade.
Augusto Américo de Faria Rocha, filho de Nísia Floresta, também residia na
corte, contava 36 anos de idade, e sua mãe, 59 anos de idade, mas essa residia
na Europa junto com a filha Lívia Augusta de Faria Rocha, então com 39 anos de
idade. Nesse período, Nísia Floresta estava no auge de suas publicações e era
reconhecida na França, Itália e Portugal.
Augusto Américo de Faria Rocha, filho de Nísia Floresta, final do século XIX. |
Por ser um intelectual muito ativo e residir numa província em que todos os intelectuais se conheciam, é bastante provável que Escragnolle, apesar de muito jovem, tenha conhecido Augusto Américo, um respeitado educador no Rio de Janeiro. Ele dirigiu o colégio que pertencia à sua mãe, e outro educandário particular. Augusto Américo morreu muito novo, em 1889, aos 60 anos de idade, quando Escragnolle tinha 22 anos, e faleceria aos 79 anos, aos 14 de janeiro de 1948, no Rio de Janeiro, quinze anos após ter escrito o texto que o leitor apreciará abaixo.
DEDICATÓRIA
Este estudo é dedicado a minha mãe, Maria Freire, que me apresentou Nísia Floresta desde a minha infância, despertando-me o interesse em lê-la e estudá-la.
Maria Freire |
Agora que conhecemos um pouco de Escragnolle Doria, vamos conhecer o seu
olhar sobre Nísia Floresta, cujo texto está conforme o vocabulário da época. Em
seguida se seguirão os meus rápidos comentários sobre o texto:
“NÍSIA FLORESTA – POR ESCRAGOLLE DORIA
Roberto Seidl, professor, dado as pesquisas históricas, acaba de
publicar ensaio sobre a escritora Nísia Floresta, a educadora. Trabalho
meritório e desinteressado, homenagem de mestre a mestre. Ressurreição de
memória esquecida, lembrados outros na pedagogia nacional. Tudo digno de
applauso sobre louvor. Cumpre amar bastante esse Brasil depreciado por muitos
de seus filhos. Parricídio e matricídio não figuram apenas no Código Penal. O
espírito tem seus crimes.
Nísia Floresta nasceu a 12 de outubro de 1810. Tinha o seculo XIX dez
annos, para dizer á Victor Hugo falando a Napoleão. Na data do descobrimento da
América vinha a mundo a menina Nísia fadada a ser a mulher mais americana das
americas.
Recebia berço em pequena povoação perdida no Rio Grande do Norte ainda assim maior que Hollanda e Suissa. A recem-nascida de Floresta, hoje Papari era filha de portuguez casado com brasileira. Lusitano, Dionísio Gonçalves Pinto perseguido foi com tal nas revoluções de 1817 a 1824, ambas ardendo em jacobinismo aos brados de “mata marinheiro”.
Gonçalves Pinto cahiu assassinado em Pernambuco, por volta de 1828. A
viúva e a filha, esta Nísia Floresta Brasileira Augusta, desejariam sahir do
Recife mais que depressa. Mas a pobreza não se move quando deve ou quér, sim
quando póde.
Angariados alguns recursos, viúva e orphã dirigem a outro Rio Grande, ao
do Sul, da’hi, tangidas pela guerra dos Farrapos. Aportam no Rio de Janeiro.
Nísia Floresta retoma a profissão já exercida em Porto Alegre, o magisterio.
Em 1848, na Rua D. Manoel, 20, mantém Nisia Floresta o Collegio Augusto.
Possuia então a capital do Império numerosos collegios para ambos os sexos,
dirigidos por nacionaes e estrangeiros. Muito fallados entre os institutos de
instrucção para meninas era na epoca os pertencentes a Madame Mallet, Madame
Luiza Haubolt, mãe do professor do Imperial Collegio Pedro II, Madame Tanière,
e a Baronesa de Geslim.
Viuva desde 1834, Nísia Floresta foi sempre a mulher do lar, apreciando
os seus nos extremos da dedicação. Á mãe, á filha, Lívia, ao filho Augusto
Américo de Faria Rocha, ao irmão Joaquim Pinto Brasil, consagrou-se Nísia
Floresta de corpo e alma.
Partiu ella para a Europa, em 1849, a bem da saude da filha. Casaria
esta na Allemanha, para enviuvar d’ahi a quatro mezes. A viuvez era sorte das
mulheres era sorte da familia de Gonçalves Pinto.
Mais de tres lustros viveu Nisia Floresta na Europa. Veio ao Brasil
depois da guerra do Paraguay, à europa tornando em 1875. Dez annos mais tarde
recebia sepultura em Ruão, a cidade franceza onde Flaubert tanto martelou
estylos para as paginas de Madame Bovary, insuflando antiguidades ás de
Salambô, gigante que era, no physico e na arte de escrever.
Resumimos a vida social de Nisia Floresta, a Rio Grandense do Norte.
Á par d´aquella vida,outra houve, intensa: a espiritual, n´ella a
considerar varios aspectos, o da feminista,o da educadora, o da viajante amiga
das lettras sobre observadora incessante.
Nada ha talvez mais curioso ou arguto no mundo do que se conservar
sereno entre o pró e o contra de tudo quanto habita este universo ou por elle
passou. Quanto sim para quanto não!
Depois de ter lido, por exemplo Por Que Sou Feminista, de Mauricio
Donay, convem ler o Por Que Não Sou Feminista, de Rachilde. Esta, em salão
parisiense, por feminista norte americana, ignorante da lingua franceza, foi
chamada de libertina em vez de libertária, o que de certo não é a mesma cousa,
oh! não!
Disposto a lêr Razões de Ser Feminista, recorramos aos livros de Nisia
Floresta, muito e todos inflammados pelo enthusiasmo da emancipação da mulher
em geral, e da brasileira em parcticular. Não nos faltará pabulo intellectual.
A lembrança das tristes scenas de sua mocidade, a mais pungente a do
assassínio paterno não extinguio em Nisia Floresta o amor á humanidade.
Explicavel seria o sentimento opposto em quem tanto soffrera pela maldade dos
homens, na carencia da justiça diante de mandatario poderoso qual o que mandara
sacrificar Dionisio Gonçalves Pinto.
Feminista, quando o ser era singularidade, Nisia Floresta tambem
republicana e abolicionista, rendeu homenagem a D. Pedro II. Brasileira, vio
nelle o brasileiro. De acampamento opposto não se fica privado de saudar
adversario digno.
Pugnando por suas idéas, como feminista e educadora, Nisia Floresta
publica, valendo-se para defender o pensamento da imprensa e do livro. O
Opusculo Humanitario da escriptora recebeu saudação de Alexandre Herculano,
caracter adamantino, columna vertebral das mais duras que o universo tem
conhecido. Mãe, Nisia Floresta escreveu Conselhos A’ minha Filha. D’elles nos
diz Seidl: “Quando vemos, nos nossos ginasios e liceus, o Cuore De D’Amicis
traduzido, lembram-nos o “Consigli a Mia Figlia”, tornando-se assim a obra
prima do famoso escritor uma replica do famoso escritor italiano uma replica do
trabalho da nossa eminente patricia”.
Aproximaremos os Conselhos de Nísia Floresta as Cartas a Cora, de José
Lino Coutinho o médico ministro.
Nisia Floresta conhecia bem linguas vivas: exprimia-se correctamente em
francez e italiano, já na conversa, já no papel. Ella propria verteu os
Conselhos parao italiano, tendo o gosto de ver a obra recommendada para uso das
escolas diocesanas pelo bispo de Mondovi, a cidade piemontesa consagrada por
victoria de Bonaparte jovem, quando aos sorrisos da Fortuna.
Na Europa buscou Nisia Floresta o convivio de eminentes, entre elles,
Augusto Comte, conhecido pela nossa patricia ao declinar de existencia. A approximação
do fundador do Positivismo, mostra a largueza de pensamento da approximante.
Adianta Roberto Seidl que a Nisia Floresta “cabe, sem favor algum,o
titulo de precursora do feminismo no Brasil e quiçá na America do Sul”
Aos 22 annos, Nisia Floresta, em 1832, imprimira no Recife opúsculo da
senhora Godwin “Direito das Mulheres e Injustiça dos Homens”. Traduzido
livremente do francez a traductora offerecera o trabalho ás brasileiras e aos
academicos de nossa patria.
Abolicionista da America do Sul, póde Nisia Floresta ficar a par de
Beecher Stowe, a abolicionista da America do Norte, cuja Cabana do Pae Thomaz
ainda hoje o cinema reproduz fixando historia.
Não se contentou Nisia Floresta de reprovar a escravidão no Brasil e nos
Estados Unidos, onde o negro tanto deu vermelho de sangue á Secessão. A nossa
abolicionista buscou mostrar quão reprovavel em qualquer epoca era a nefanda
instituição de tantos culpados mundo afóra.
Nisia Floresta viajante não se contentou em vêr. Deixou-nos prova de
saber vêr, evocando historia e patria. Na casa alheia, por mais bella que
fosse, não esquecia a casa natal, por menos que aos outros merecesse.
Correu Nisia Floresta, durante longa estadia européa, a Allemanha, a
Italia, a Sicilia, a Grecia, não viajava só para ver vivos. Os grandes mortos
inspiravam-lhe preitos. Nisia e a filha deixam no tumulo de Rafael ramo de
rosas frescas “por emblema da suavidade que inspiram as figuras de suas
madonas”.
Em Roma, Nisia Floresta avistou o arcebispo monsenhor Bedini, que
conhecera internuncio no Rio de Janeiro da Maioridade.
A presença do prelado aviva-lhe recordações. Presidira, no Collegio
Augusto, da rua D. Manoel, os exames annuos de litteratura e linguas
estrangeiras. Ouvira, recitados por alumnas de 1848, trechos de poesia e prosa
italiana. Pasmara quando certa menina recitara mais de centena de verso de
Eneida, e outros das Odes de Horacio.
Nisia Floresta conheceu também da Igreja o mais alto representante, o
tão combatido Pio IX, beijou-lhe a mão a emancipada, talvez agnostica no fundo
d’alma. A polidez sabe inclinar-se diante da tradição. Ao lado da filha e da
nora, Nisia Floresta observou o olhar brando e calmo de Pio IX, que lhe dirigio
primeiras palavras em portuguez. Ouvindo a fala do Vigario de Christo, dizia
Nisia Floresta haver “esquecido o fausto da Côrte Pontifícia que impressiona
mal todos os espíritos versados nas santas maximas do evangelho”.
Em Napoles teve Nisia Floresta o ensejo de recordar ainda mais Brasil na
pessoa de princêza e patricia, D. Januária, irmã de D. Pedro II, mulher do
conde d’Aquila.
Lobrigou-a na cathedral da cidade do Vesúvio no dia napolitanissimo do
milagre da liquefação do sangue coagulado de São Januario. Reparou tambem Nisia
Floresta em Fernando II, o rei de Napoles tão taxado de tyranno sem nenhuma
apparencia despotica antes com a de pae de familia. Na História nem tudo o que
luz é ouro.
Podiam ficar espírito e temperamento como o de Nisia Floresta
insensiveis em Florença. Ahi a viajante olvidou, comtudo, em dia de visita ao
Palazzo Vecchio, tudo quanto o museu podia encerrar: Nisia Floresta na
propria praça do Palazzo, poz-se a lêr cartas e cartas vindas do Brasil,
percorrendo-as avidamente, “passeiando entre o Davi de Buenarotti e o Perseu de
Celinni”.
Tres annos levou Nisia Floresta a visitar Italia, experimentando as mais
variadas sensações. Teve a de serenata popular no Canal Grande d’essa Veneza da
qual Zien nos deu tantas côres em tantas telas. Commoveu-se com os rugidos de
Othelo no palco de Ecnice ouvindo na propria Veneza os lamentos do grande mouro
shakesperiano.
Em Verona como esqueceria Nisia Floresta Romeu e Julieta pela idealista
evocados por noite de luar? Para compensar a crueldade da sórte dos amantes de
Verona, teve Nisia Floresta o duplo prazer de visitar Manzoni em Milão e de
admirar a Ristori, n’um palco de Genova tragediando na Myrra.
Na Sicilia emprehendeu Nisia Floresta a ascenção do Etna, obrigada a
vestir-se á excurcionista como em pleno inverno dos paizes do Norte, tão de
rigor o frio nos cimos do vulcão, de sombra gigantesca sobre a Sicilia.
Eis Nisia Floresta em Athenas quando atravessára a vida e a Europa para
chegar alli, ella e a filha no Rio Grande do Norte! Antes passára pela ilha de
Cythera, para a qual Watteau pintou tão celebre Embarque Cupidineo.
Em 12 de maio de 1859 entrava Nisia Floresta em Athenas, “onde viera
entreter-se com as grandes sombras”. Não admira que, a 15 de maio, a viajante
exclamasse: “será verdade estar eu em Athenas, realizando um dos sonhos de
minha verde mocidade?
Enlevaram-se as ruinas do Parthenão, o murmurio de Ilisso e do Cephiso:
percorreu Nisia Floresta a planicie de Marathona da qual nunca deixou de
elevar-se através dos seculos o ruido de armas dos gregos de Milciades
prostrando no pó da derrota os persas de Dario; o grande rei diminuido.
A sonhar no passado, a sonhar sempre com o Brasil, Nisia Floresta
perdia-se pelo jardim de Athenas, obra e cuidado da Rainha da Grecia, delicioso
oasis onde a passeiadora cismarenta caminhava entre as muralhas de rosas, de
jasmins, de clematites, eden no qual aos bosques de laranjeiras e de
arbustos do Japão susccediam alamedas á jardim inglez, massiços de
verdura impenetraveis a qualquer restea de sol, caramanchoes para repouso
da qual mais aprisionado por plantas trepadeiras retorcidamente caprichosas.
Afastando-se de Athenas, descendo a estrada de Daphne para Eleusis,
Nisia Floresta embebeu olhar em maravilhosa perspectiva: de um lado a bahia, o
estreito, a ilha de Salamina, de outro as plagas atticas e as collinas
onde Xerxes poz throno para contemplar a derrota dos gregos de 480. Mas, Nisia
Floresta, que significação tinha e tem tudo isto para o grosso do exercito
humano? A despeito de teu sexo out’róra pertenceste ao grande estado maior do
Espírito.
Escragnolle Doria "
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Breves comentários sobre o texto de Escragnolle Doria (L.C.F.)
Logo no início do texto, ao elogiar a iniciativa de Seidel, Escragnolle
escreveu “...Trabalho meritório e desinteressado, homenagem de mestre a
mestre. Ressurreição de memória esquecida, lembrados outros na pedagogia
nacional”. Ele dá a memória de Nísia Floresta como esquecida, mas com
certeza desconhecia muitas iniciativas que haviam ocorrido até aí, evocando
Nísia Floresta desde a sua morte, principalmente no Rio Grande do Norte. Um
exemplo foi a saga empreendida por Henrique Castriciano e Adauto da
Câmara, em especial, dentre outros intelectuais e autoridades, muito embora antes deles, outros potiguares o fizeram.
O que difere, nesse caso é a garimpagem feita por esses dois intelectuais, que foi fundamental para muito do que sabemos hoje sobre Nísia Floresta. Verdadeira arqueologia, com a vantagem de estarem mais próximos da morte dessa intelectual naquele tempo, e o próprio contato que Castriciano teve com Lívia, tendo bebido em rara fonte. Mesmo com lacunas que ainda permanecem, essa experiência foi louvável. Além de diversas ações ocorridas em outros estados e no exterior com essa finalidade. Cada um num contexto.
O
nome de Nísia Floresta corria os sete cantos do Brasil e de outros estados e
cidades, mediante correspondências que Adauto da Câmara trocava com outros
intelectuais e instituições, tratando de assuntos como publicação de sua
memória e traslado de seus despojos. Fora do Brasil, ao longo das décadas,
Nísia Floresta também foi objeto de várias iniciativas (trataremos sobre esse
assunto em texto futuro).
Adauto da Câmara |
Um
trecho chama a atenção pela frase célebre “... Na data do descobrimento
da América vinha a mundo a menina Nísia fadada a ser a mulher mais americana
das americas”. Essa é mais uma, dentre algumas citações marcantes sobre
Nísia Floresta, celebrizadas por alguns intelectuais. É uma pérola para a
coleção.
Vejamos um ponto interessante do ensaio quando Escraganolle escreve “... Gonçalves Pinto cahiu assassinado em Pernambuco, por volta de 1828. A viúva e a filha, esta Nísia Floresta Brasileira Augusta, desejariam sahir do Recife mais que depressa. Mas a pobreza não se move quando deve ou quér, sim quando póde”. Toda vez que falo sobre Nísia Floresta a uma plateia, há sempre a indagação sobre a suposta vida de fausto que ela desfrutava.
Naquele tempo, viajar de navio não era para todos, portanto esses
questionamentos afloram quando se sabe que Nísia Floresta viajava muito,
principalmente depois que foi para a corte. Seus itinerários eram mais intensos
no exterior. Estava sempre lançando ou reeditando livros, o que prediz
gastos.
Engenho Benfica, Goianinha (Ormuz Barbalho Simonetti) |
Como sabemos, Nísia Floresta nasceu no seio numa família de
posses razoáveis, mas não eram donos da riqueza que alguns propagam. Seu pai,
Dionísio, português, vivia da profissão de advogado. Sua mãe, Antonia
Freire, vinha de uma família de proprietários de terras férteis, mas terra
naquela época só dava dinheiro para quem mantinha engenho em intenso
funcionamento – o que não era o caso deles – ou para quem as vendia – que
também não foi o caso até então.
Com a morte do marido, dona Antonia Freire, como todas as mulheres de sua época, era “do lar”, desse modo ela passou a contar financeiramente com a filha, Nísia, que era professora de francês. Isso explica a dificuldade com que deixaram o Pernambuco, instigado pelos ares tristes da morte do pai.
Aspecto de um engenho à época de Nísia Floresta - Não é padrão, mas quase todos tinha praticamente essa compleição arquitetônica. |
A possibilidade de retornarem ao Rio Grande do Norte talvez agradasse a
sua mãe, pois ali estavam os irmãos, tios e primos dela. Mas com certeza
desagradava Nísia Floresta, tendo em vista os seus sonhos visionários e o
possível reencontro com o primeiro marido. Retornar significava enclausurar a
ilustração que cada vez mais se ampliava nela. Nísia já estava unida ao segundo
marido Manuel Augusto, grande amor de sua vida, e trazia a filha Lívia ainda
bebê. Como bacharel em direito, as oportunidades na província potiguar seriam
parcas. Voltar ao berço norte-rio-grandense também ofuscava o próprio marido.
Charles F. Hartt, com a cidade do Recife ao fundo, durante levantamento
da Comissão Geológica do Império - Marc Ferrez - 1875
Quando Escragnolle diz que Nísia Floresta desejava sair do Recife rapidamente
com toda a sua família, mas a pobreza não permitia, deixa evidente que a mudança
repentina de ares decorria da dor sofrida pela morte do chefe da família, e o
momento delicado das finanças. Não havia mais o patriarca que arcava com as despesas da família. Após
a morte de Dionísio eles permaneceram mais três anos em Recife, obviamente
juntando recursos para a longa viagem que fariam para as terras pampas.
A ida para o Rio Grande do Sul significava “mudança de ares”, que também era uma terapia muito recomendada pela medicida daquele tempo e válida até hoje. Creio que Nísia Floresta almejava fazer vida no Sul, trabalhando com o magistério. Ali ela foi bem acolhida, mas a morte repentina do marido, somada ao clima hostil da guerra dos Farrapos frustrou os seus planos. Visionária, enxergou logo a capital do império como o local oportuno para alçar voos maiores.
Rua Duque de Caxias, Porto Alegre, Rio Grande do Sul - Final do século XIX. |
Eram oito pessoas.
As despesas não eram poucas. Os recursos certamente vinham das aulas
particulares que Nísia Floresta, com apenas 17 anos de idade, oferecia em sua
casa, somadas aos ganhos do marido, Augusto, e supostamente alguma ajuda
financeira dos familiares de d. Antonia Freire, que residiam no Rio Grande do
Norte.
A “riqueza” de
Nísia Floresta, vista por alguns como majestosa, não é mais importante do que a
sua história e as suas obras. De certo modo é normal atentar para o detalhe de que era
necessário ter considerável recursos para o padrão de vida que ela passou a ter
a partir de uma fase da vida. As idas e vindas entre o Brasil e Europa, as idas e vindas a
países europeus – essas últimas tão bem destrinçadas em seu diário – e as
constantes publicações predizem muitos gastos. Sobre isso somos levados apenas
a supor dentro de uma lógica, já que nunca Nísia Floresta escreveu sobre isso.
Sobre a sua filha,
Lívia Augusta, que havia casado com um alemão em enviuvado em seguida, sabemos
quase nada. Somos levados a supor que ela, que também era tradutora, ajudava a
mãe financeiramente, já que – igual à mãe – depois da viuvês, nunca mais se
casou. Lívia poderia ter herdado razoável recursos do marido.
Largo da Carioca, 1895 - Nesse cenário esteve Nísia Floresta e sua família (Brasiliana) |
Não se sabe se Colégio Augusto era um imóvel alugado ou que ela o tenha comprado, mas desfazer-se desse patrimônio prediz somar recursos, e certamente ela possuia reservas que, tempos depois, se juntaram à venda da grande propriedade onde ele nasceu, situada numa extensa área denominada Sítio Floresta. Nísia, que aos 17 anos já trabalhava como professora de línguas em sua própria casa, não ficaria na Europa esperando as coisas caírem do céu. Provavelmente ela cobrava por suas conferências.
O Brasil era objeto de interesse de muitos. Ela comercializava os
seus livros, enfim tinha meios de vida. O seu próprio vai e vem em alguns
países europeus não era algo extraordinário, continente onde
tudo é perto, e ela não distava muito entre os países. Essa ideia de uma espécie de
vida nababesca que muitos questionam, é exagero.
Aspectos da vida escolar feminina no final do século XIX - Observe que as meninas estavam praticando atividades físicas (Calestenia) |
Aspectos da vida escolar feminina no final do século XIX - Observe que as meninas estavam numa aula em que aprendiam algo com tecido, linha e agulha. |
Uma informação preciosa é dada quando Escragnolle Doria escreve que “...
Em 1848, na Rua D. Manoel, 20, mantém Nisia Floresta o Collegio Augusto.
Possuia então a capital do Império numerosos collegios para ambos os sexos,
dirigidos por nacionaes e estrangeiros. Muito fallados entre os institutos de
instrucção para meninas era na epoca os pertencentes a Madame Mallet, Madame
Luiza Haubolt, mãe do professor do Imperial Collegio Pedro II, Madame Tanière,
e a Baronesa de Geslim”.
Esses dados são muito importantes porque nomeiam algumas diretoras de
colégios que já existiam ali, permitindo pesquisas e estudos, além de revelar
as mestras gringas que se debatiam na capital do império, ávidas por alunas, e
que supostamente deram várias rabissacas ao verem uma concorrente tão
ilustrada e - pasmem! - brasileira.
Largo da Carioca - 1895 - Marc Ferrez, ILM. |
Nísia Floresta criticava a banalização dos educandários da época, percebendo a falta de competência e ética de muitas diretoras. Lembrando que tanto a pessoa de Nísia Floresta quanto o Colégio Augusto foram alvos de detratações terríveis, anonimamente, e deboches publicados em alguns jornais. Embora não justificassem, motivos não faltavam: era mulher, viúva, nordestina, sem diplomas para ostentar na parede, e a notícia escandalosa de que antes de todos esses fatos, havia abandonado o marido “no norte”.
A
“alternativa” que concorrência adotou para desviar o olhar da sociedade carioca
para o colégio que prometia muito, era desmerecer a ilustração da proprietária
com ataques injustos. Pesava ainda ao velho adágio: “santo de casa não faz
milagres”.
O Colégio Augusto oferecia um ensino de excelente qualidade para as
meninas, inclusive passou a contar com disciplinas que só existiam nos colégios
masculinos. As detratações que Nísia Floresta e sua pedagogia recebiam eram
armas sujas dos demais diretores. Quem sabe se não eram de autoria de uma
dessas gringas citadas por Escragnolle? Outro detalhe que se soma a esse
inferno contra Nísia Floresta é um texto anônimo – publicado em jornal naquela
época –, divagando assuntos que a sociedade patriarcal recriminava. Por
exemplo, que abandorana o marido no “Norte”. Conversas e fofocas à parte, Nísia Floresta sobreviveu a tudo isso, resilientemente.
Aspecto da fachada do Colégio Augusto, 1837 - Rio de Janeiro (H. Castriciano/A. Câmara) |
Retomando o ensaio de Escragnole: “... Viuva desde 1834, Nísia
Floresta foi sempre a mulher do lar, apreciando os seus nos extremos da
dedicação. Á mãe, á filha, Lívia, ao filho Augusto Américo de Faria Rocha, ao
irmão Joaquim Pinto Brasil, consagrou-se Nísia Floresta de corpo e alma”.
Sobre esse trecho, ressalvo que Nísia Floresta ficou viúva em 1833, diferente
do que Escragnolle informou. Como já foi dito, as informações sobre Nísia
Floresta eram escassas, recolhidas aqui e ali, mediante correspondências e
depoimentos orais de quem a conheceu ou teve contatos com os seus filhos.
No tocante à referência de que ela era “mulher do lar”, com certeza Nísia Floresta exercia
essa nobre missão com primor. Os escritos dela falam por si. Era zelosa no
cuidado com os seus familiares. E mesmo tão jovem e com tantos afazeres,
programava o tempo de maneira que pudesse ler muito e passar para o papel as
suas ideias.
Sua vida era de muito trabalho, e isso não foi empecilho para publicar
um livro aos 22 anos de idade, totalmente apoiada pelo marido. Com certeza, se
tivesse permanecido casada com o primeiro marido no Rio Grande do Norte, homem
tosco e patriarcal, que a queria submissa, seu talseria sufocado. O rompimento do casamento
significou o rompimento de correntes que a tornariam enclausurada como se numa
ermida vivesse.
Aspecto de Paris à época de Nísia Floresta - Margens do Sena: cabanas e redes de pescadores - 1859 (Marville) |
“... Partiu ella para a Europa, em 1849, a bem da saude da filha.
Casaria esta na Allemanha, para enviuvar d’ahi a quatro mezes. A viuvez era
sorte das mulheres era sorte da familia de Gonçalves Pinto”. Aqui,
Escragnolle informa que Lívia Augusta Augusta de Faria Rocha Gade se casou na
Alemanha e ficou viúva em seguida, lembrando uma espécie de sina da família, considerando
a viuvez de Nísia Floresta e de sua mãe, d. Antonia Freire. A propósito disso,
nada se sabe sobre o casamento de Lívia Augusta, o nome do marido, a causa
mortis, nem o local do casamento. O assunto faz parte das tantas lacunas
que haverão de ser decifradas, necessitando para isso de muitos recursos para esquadrinhar velhos documentos na Alemanha e em outros
países.
“... Mais de tres lustros viveu Nisia Floresta na Europa. Veio ao
Brasil depois da guerra do Paraguay, à europa tornando em 1875. Dez annos mais
tarde recebia sepultura em Ruão, a cidade franceza onde Flaubert tanto martelou
estylos para as paginas de Madame Bovary, insuflando antiguidades ás de
Salambô, gigante que era, no physico e na arte de escrever”. Sobre essa
colocação de Escragnolle, por coincidência sou apaixonado pela obra de Gustave
Flaubert e já pensei sobre a possibilidade de ele e Nísia Floresta terem se
conhecido. Ele nasceu em 1821 e morreu em 1880. Morava em Rouen, muito próximo
do endereço de Nísia Floresta.
Rouen |
Flaubert era um renomado e polêmico escritor. Há episódios de sua
história em que ele foi notícia em toda a França e parte da Europa, como, por
exemplo, o seu julgamento na justiça. É possível que ambos se conheceram. Nísia
Floresta nunca mencionou o nome dele. Diferente de outros notáveis intelectuais europeus
que ela manteve laços de amizade e escreveu sobre os mesmos. Quem sabe se não
existem alguns materiais inéditos – guardados em algum baú – que
pertenceram a Nísia Floresta em que ela cite Flaubert?
“... Depois de ter lido, por exemplo Por Que Sou Feminista, de
Mauricio Donay, convem ler o Por Que Não Sou Feminista, de Rachilde. Esta, em
salão parisiense, por feminista norte americana, ignorante da lingua franceza,
foi chamada de libertina em vez de libertária, o que de certo não é a mesma
cousa, oh!. Aqui Escragnolle se refere a Rachilde, autora de
romances e crítica literária. Ao final do século XIX, fez parte do
Mercure de France, revista simbolista francesa. Publicou diferentes obras. Era
muito polêmica, inclusive escreveu Monsieur Vénus, romance publicado em 1884 e
que causou pescândalo em seu tempo. (Sua bibliografia completa está no final deste estudo).
Com relação a Donay, encontrei um amplo material sobre ele, mas está em
inglês, então pedi para Fídias traduzi-lo e posto aqui em outro momento.
“... Disposto a lêr Razões de Ser Feminista, recorramos aos livros de Nisia Floresta, muito e todos inflammados pelo enthusiasmo da emancipação da mulher em geral, e da brasileira em parcticular. Não nos faltará pabulo intellectual”. Esse trecho ele chama a atenção para a Nísia Floresta feminista e seu entusiasmo sobre a emancipação da mulher.
Um detalhe chama a
atenção quando ele escreve “recorramos aos livros de Nísia Floresta”.
Certamente ele
leu Nísia Floresta, inclusive era poliglota e teve obras escritas em francês,
igualmente a ela. Escragnolle também trabalhou na Biblioteca Nacional. Quem
sabe algumas obras de Nísia Floresta espalhadas em algumas instituições do
Brasil pertenceram a ele, ou foram trazidas da Europa por ele. CITAR AQUI O ASSUNTO DO SOBRINHO DE ASSIS CHATEUBRIAND
“... Feminista, quando o ser era singularidade, Nisia Floresta tambem
republicana e abolicionista, rendeu homenagem a D. Pedro II. Brasileira, vio
nelle o brasileiro. De acampamento opposto não se fica privado de saudar
adversario digno”. Nesse trecho ele usa a expressão "feminista", então bastante moderna e ressalta que o ser era uma novidade. Essas palavras de Escragnolle Doria também reforçam a
personalidade aparentemente contraditória de Nísia Floresta, ao elogiar e ao
mesmo tempo criticar o imperador, mas isso precisa ser passado a limpo.
É o mesmo caso do catolicismo em Nísia Floresta. Sem sombra de dúvida,
embora não praticante, ela era católica. Já escrevi sobre isso algumas vezes neste blog.
Mas não poupava críticas a diversas faces do catolicismo. Críticas ácidas,
diga-se de passagem. D Pedro II era um gentleman, um intelectual, um diplomata
e fez muito pelo Brasil. Mas também deu diversos testemunhos autoritários e
dúbios que receberam críticas dela, mas o assunto não vêm ao caso neste estudo. Nísia Floresta era antenadíssima.
Há, sim, falas dela elogiando o imperador e outras figuras que estão nos livros
de História do Brasil, mas na hora de criticar ela não se fazia de rogada.
Inclusive acredito que ela sofreu censura direta em alguns de seus escritos.
Ainda sobre o catolicismo nela, esse trecho de Escragnolle fala por si:
“Nisia Floresta conhecia bem linguas vivas: exprimia-se correctamente em
francez e italiano, já na conversa, já no papel. Ella propria verteu os
Conselhos para o italiano, tendo o gosto de ver a obra recommendada para uso das
escolas diocesanas pelo bispo de Mondovi, a cidade piemontesa consagrada por
victoria de Bonaparte jovem, quando aos sorrisos da Fortuna”.
“... Na Europa buscou Nisia Floresta o convivio de eminentes, entre elles, Augusto Comte, conhecido pela nossa patricia ao declinar de existencia. A approximação do fundador do Positivismo, mostra a largueza de pensamento da approximante”. Essa fala de Escragnolle reforça o que sabemos sobre a breve relação de amizade entre Comte e Nísia Floresta, embora essa amizade é muito deturpada até mesmo por pessoas esclarecidas, que alimentam a ideia errônea de que houve um relacionamento amoroso entre ambos.
Em 1997, tendo sido convidado
a falar sobre Nísia Floresta a uma sala de alunos de História, na UFRN, ouvi,
perplexo, o professor titular dessa disciplina, falando com ênfase sobre o que
chamou de “caso amoroso entre Nísia Floresta e Comte, e que o próprio sobrenome dela
“Augusta”, era uma homenagem a ele. Outra inverdade. Era uma homenagem ao segundo marido, que se chamava Augusto.
Obviamente que não seria proibido nem errado um relacionamento amoroso entre Nísia e Comte. Mas isso não existiu, e as cartas trocadas entre ambos, descobertas muito tempo depois, comprovam. Ademais, Escragnolle explica que Comte se tornou “... conhecido pela nossa patricia ao declinar de existencia”.
Na realidade, Nísia o conheceu apenas de longe, assistindo suas conferências quando foi pela primeira vez a Paris. Em outra viagem ela o conheceu pessoalmente, quando ele se encontrava com a saúde mais abalada. Comte faleceu pouco depois, considerando que
seus problemas de saúde caminhavam há anos. Foi uma bela amizade que durou
apenas alguns meses. Não há razão nem necessidade para negar o suposto
relacionamento.
“... Abolicionista da America do Sul, pode Nisia Floresta ficar a par
de Beecher Stowe, a abolicionista da America do Norte, cuja Cabana do Pae
Thomaz ainda hoje o cinema reproduz fixando historia”. Aqui, Escragnolle sugere
que o abolicionismo em Nísia Floresta recebeu - também - influência de Beecher
Stowe, autora do clássico “A Cabana do Pai Tomás”. A suposição é muito
lógica tendo em vista que Nísia Floresta era uma devoradora de livros, e é
válido destacar que o abolicionismo em Nísia Floresta tem várias etapas. Como
todos nós, ela se lapidou em suas ideias. “... Não se contentou Nisia
Floresta de reprovar a escravidão no Brasil e nos Estados Unidos, onde o negro
tanto deu vermelho de sangue á Secessão. A nossa abolicionista buscou mostrar
quão reprovavel em qualquer epoca era a nefanda instituição de tantos culpados
mundo afóra”.
“... Nisia Floresta viajante não se contentou em vêr. Deixou-nos
prova de saber vêr, evocando historia e patria. Na casa alheia, por mais bella
que fosse, não esquecia a casa natal, por menos que aos outros merecesse”.
Nísia Floresta foi uma divulgadora do Brasil lá fora, e essa ênfase, além do
gosto em divulgar o seu país não apenas por ufanismo e romantismo, cumpria a
missão de desmentir diversos autores europeus que escreviam obras que falavam
sobre um Brasil idealizado. Uma alegoria. Não era o Brasil que ela bem
conhecia.
“... Em Roma, Nisia Floresta avistou o arcebispo monsenhor Bedini,
que conhecera internuncio no Rio de Janeiro da Maioridade. A presença do
prelado aviva-lhe recordações. Presidira, no Collegio Augusto, da rua D.
Manoel, os exames annuos de litteratura e linguas estrangeiras. Ouvira,
recitados por alumnas de 1848, trechos de poesia e prosa italiana. Pasmara
quando certa menina recitara mais de centena de verso de Eneida, e outros das
Odes de Horacio”. Aqui, Escragnolle dá uma palhinha do nível do Colégio
Augusto, confirmando a ilustração de sua proprietária.
"... Nisia Floresta conheceu também da Igreja o mais alto
representante, o tão combatido Pio IX, beijou-lhe a mão a emancipada, talvez
agnostica no fundo d’alma. A polidez sabe inclinar-se diante da tradição. Ao
lado da filha e da nora, Nisia Floresta observou o olhar brando e calmo de Pio
IX, que lhe dirigio primeiras palavras em portuguez. Ouvindo a fala do Vigario
de Christo, dizia Nisia Floresta haver “esquecido o fausto da Côrte Pontifícia
que impressiona mal todos os espíritos versados nas santas maximas do evangelho”.
Embora, diferente de mim, Escragnolle enxergou uma Nísia Floresta agnóstica,
mas não é esse o detalhe mais curioso. Ademais, todos que escreveram sobre
Nísia Floresta, tem opiniões pessoais no bojo dos fatos sobre ela. É só lê-los.
Opinião é opinião. Mas é importante que a suposição se dê dentro de uma lógica, que é
obtida por quem a estuda com profundidade.
Sobre o trecho acima nos reencontramos com a Nísia Floresta católica. O
que ela teria ido fazer no Vaticano? Por que visitou o papa? Ora, porque era
católica. Isso é um assunto muito amplo. (Já escrevi sobre isso e está no meu
blogue). Chamo a atenção aqui para a aparente contradição de Nísia Floresta,
quando Escragnolle cita as palavras dela “esquecido o fausto da Côrte
Pontifícia que impressiona mal todos os espíritos versados nas santas maximas
do evangelho”.
Na realidade não é uma contradição. Quando ela chegou em algum silenciso
jardim, ou em casa, que pegou da pena, que pegou da tinta e pôs-se a falar com
o seu diário, a ficha caiu. É uma auto-crítica. Como se ela se punisse naquele
instante por ter experimentado a oportunidade rara de estar diante do papa, ter
a chance de dizer “ei, papa, o senhor é o chefe, contenha os seus clérigos,
eles vivem no fausto, tem uma vida nababesca, enquanto muitos sequer têm o pão;
voltem-se mais para os pobres”. Mas se calou. Estava extasiada diante de um
monumento. Assim ficam todos, até hoje.
Escragnolle traz interessantes informações sobre Nísia Floresta, e nem todas
estavam no ensaio de Seidl, além de externar suas próprias reflexões. Isso nos convence de que ele havia lido Nísia
Floresta antes. Ele descreve muitas experiências que Nísia viveu na Europa,
evidenciando o quanto ela era culta, além de lembrar da visita que ela fez
a Alessandro Francesco Tommaso Manzoni, um dos maiores romancistas
italianos de todos os tempos. Nísia Floresta bebeu em fontes preciosas, e sua
ilustração se amplifica quando sabemos que ela conheceu pessoalmente várias
figuras geniais.
“... Em 12 de maio de 1859 entrava Nisia Floresta em Athenas, “onde viera entreter-se com as grandes sombras”. Não admira que, a 15 de maio, a viajante exclamasse: “será verdade estar eu em Athenas, realizando um dos sonhos de minha verde mocidade?” Aqui reforçamos o entendimento de o quanto a genialidade de Nísia Floresta teria sido vilipendiada se tivesse ficado em Papary ou mesmo na corte.
Leitora voraz, ela conhecia
minuciosamente as histórias dos lugares que um dia conheceria pessoalmente. Ela
que, conforme escreveu, sonhava viagens internacionais desde a adolescência,
num tempo incomparável ao presente. Quando o Brasil não tinha estradas, cujas
viagens rápidas e confortáveis eram exclusividade dos navios – mesmo as
nacionais – e quando não, sofridamente, em lombos de cavalos que cortavam
veredas, interligando as províncias ao longo de meses. Nesse tempo Nísia
Floresta conhecia tudo dos Clássicos, tudo de História Universal e se via na
Grécia. Como já foi dito, suas asas não cabiam no ninho em que nasceu.
“... A sonhar no passado, a sonhar sempre com o Brasil, Nisia
Floresta perdia-se pelo jardim de Athenas, obra e cuidado da Rainha da Grecia,
delicioso oasis onde a passeiadora cismarenta caminhava entre as muralhas de
rosas, de jasmins, de clematites, eden no qual aos bosques de laranjeiras
e de arbustos...”
Sobre o trecho acima, diferente do que alguns divulgam ou questionam,
Nísia Floresta nunca abandonou o Brasil. O Brasil foi dentro dela. Suas obras
que o digam. Ocorre que àquele tempo não era tão fácil estar entre o Brasil e a
Europa na frequência como ela desejava. Era caro. E mesmo assim ela ainda fez
essa ponte de maneira incomum. Muitos iam e nunca mais retornavam.
Exatamente sobre as ruínas da casa onde nasceu a nossa Nísia, ergueu-se o monumento em sua homenagem (1909). Observe que ainda é possível ver os restos do piso ou baldrame. |
Nísia Floresta nunca esqueceu Papary. Sempre mencionou o seu berço,
assim como Porto Alegre, Rio de Janeiro e Pernambuco, inclusive escreveu que
sentia-se pernambucana. Talvez isso explique a razão de alguns intelectuais
desse estado a reivindicar para eles as origens de Nísia Floresta. E assim
encerro esse estudo, não para comemorar a morte da nossa ilustre potiguar,
afinal ela está mais viva do que se pensa. Escrevo como escreveu Escragnolle e
outros; escrevo para lembrar, para proclamar uma das intelectuais mais
importantes do Brasil, tão grandiosa que é lembrada até hoje em várias partes
do mundo. E sempre será, pois visionários são eternos. 25.12.2018
……………………………………
Segue, abaixo, uma dissertação sobre Rachilde, de autoria de Camila
Soares López.
RACHILDE: CRÍTICA LITERÁRIA E ROMANCE NO
FIN-DE-SIÈCLE FRANCÊS
Camila Soares López
(ILEEL-UFU) Graduada em Letras (UNESP), Mestre em Literatura Brasileira
(UNESP), Doutora em Literatura Francesa (UNESP). Docente de Língua e
Literatura Francesa do Instituto de Letras e Linguística (ILEEL)
da Universidade Federal de Uberlândia (UFU).
Resumo: Rachilde escreveu
romances e dedicou-se à crítica literária. Ao final do século XIX,
fez parte do Mercure de France, revista simbolista francesa, e publicou
diferentes obras. Neste texto, apresentamos elementos da escrita e da vida
de Rachilde. Concentramo-nos na análise de Monsieur Vénus, romance publicado
em 1884 e que causou polêmica em seu tempo, e discorremos sobre a rubrica
“Romans”, na qual Rachilde apresentou resenhas de livros.
Palavras-chave: Rachilde;
Romance; Crítica Literária; Mercure de France.
Nascida em 1860,
Marguerite Eymery adotou o pseudônimo Rachilde e lançou-se no mundo
literário parisiense. Proveniente de família abastada, iniciou-se na
atividade escrita muito jovem e obteve reconhecimento entre os
agrupamentos decadentistas e simbolistas do final do século XIX
francês. Rachilde criou para si uma existência tão fantasiosa quanto
aquela que permeou sua narrativa. Dizia-se descendente de lobos, nascida
em condições místicas e agraciada pelo espírito de um desencarnado soldado
sueco, de quem recebera a alcunha que a fez famosa. Já na capital francesa,
precisou vestir-se como homem para transitar nos espaços então proibidos
às mulheres. Vale ressaltar que, na época, para além das amarras sociais,
alguns homens da ciência acreditavam que o cérebro feminino era menor do
que o masculino, por exemplo. Assim, a atividade escrita de mulheres
limitava-se ao “domínio privado, à correspondência familiar ou à
contabilidade da pequena empresa” (PERROT, 2007, p.97). Nomes como
Michelet, Zola, Baudelaire, Barbey d’Aurevilly e os irmãos Goncourt, entre
outros, não “apreciavam” mulheres que escreviam. No Livre de
Masques, lançado em 1896 para traçar o perfil dos simbolistas da época,
Remy de Gourmont afirmou que a incapacidade feminina para a escrita não
era “pessoal”, mas “genérica e absoluta” (GOURMONT, 1896, p. 190). Na
contramão de tais julgamentos, figuras como Sévérine, Gyp, Dick May e
Marcelle de Tinayre conquistaram, ao lado de Rachilde, ainda que a duras
penas, seu espaço no campo literário do período. Rachilde dedicou-se aos
romances e à crítica literária. Fez parte do Mercure de France, revista
simbolista que rivalizava com as grandes folhas da época, a exemplo
da Revue des Deux Mondes, e que propôs a apresentação de novas
perspectivas nas artes e da literatura. O Mercure foi responsável, também,
pela edição de diversas obras francesas e estrangeiras, traduzindo para o
francês, por exemplo, os escritos de Friedrich Nietzsche. Nas próximas
linhas, discorreremos sobre a escrita da autora, analisando
suas particularidades.
Rachilde: romance
Rachilde começou a
publicar na década de 1870. Entretanto, alcançou polêmica e sucesso quando
do lançamento de Monsieur Vénus, em 1884. Por conta dessa
publicação, sofreu julgamento na Bélgica. Prefaciado por Maurice Barrès,2
que afirmou que a obra se tratava de um “prolongamento” da vida da própria
Rachilde, Monsieur Vénus trouxe ao público, em narrativa em terceira
pessoa, a história de Raoule de Vénérande e Jacques Silvert. O título do
livro e nome da protagonista, Raoule, indicam a temática que perpassa essas
páginas: a união entre o masculino e o feminino, em alusão à deusa
Afrodite, inspiradora do amor e da beleza. A androginia, tema caro aos
decadentes, aparece ao longo de toda a obra. Nessa trama, espaços
frequentados por indivíduos socialmente privilegiados são descritos.
Raoule de Vénérande é filha de uma família de posses, de quem herdou
um luxuoso hotel. Nele, vive em companhia de sua casta tia, Madame
Élisabeth de Vénérande, e nutre sua amizade com o Barão de Raittolbe.
Longe de tal atmosfera, também marcada por aspectos decadentes, Raoule
conhece Jacques, irmão de sua florista, Marie Silvert. Se Raoule de
Vénérande é descrita como “la nerveuse” e aparece vestida, na maioria das
vezes, em trajes “quase masculinos”, Jacques Silvert é construído de maneira oposta.
De personalidade forte, Raoule é a “leoa”, a “amazona” e a “Diana” da
narrativa de Rachilde. Seu comportamento, questionador desde a infância, é
tido como resultado das desventuras de seus pais, mortos quando ela ainda
era uma menina – isto é, suas atitudes seriam uma predisposição genética.
Já os aspectos então vistos como “femininos” de Jacques são constantemente
ressaltados: tratava-se de um homem florista de 24 anos, habituado a
pintar paisagens bucólicas e que se mostrava “fresco e rosa como uma Romancista,
ensaísta e crítico francês (1862-1923) jovem”. Também foi político e
jornalista. Prefaciou a segunda edição de Monsieur Vénus, de 1889. Pudico,
vivia ao lado de uma irmã que se prostituía; ambos eram oriundos de um lar
precário, marcado pela miséria dos pais e pelo alcoolismo. No primeiro
encontro entre Raoule e Jacques Silvert, aparece o indício inicial
do infortúnio dessa relação: o ambiente, sugestivamente alcunhado “Éden”,
apresenta odor de maçã, fruta associada ao pecado primordial da
humanidade, cometido por Eva, mulher responsável por findar a existência
de um aprazível paraíso ao ceder as tentações de uma ardilosa serpente. Ao
longo da história, Raoule consegue transformar Jacques em sua amante, em
situações caracterizadas pelo uso do haxixe e por práticas
sadomasoquistas. O ápice ocorre quando Jacques e Raoule decidem se casar.
Na cerimônia, são julgados por convidados e convidadas, cujos nomes são
revelados e vemos tratarem-se de figuras importantes para o círculo social
construído no livro, denunciando o olhar desses indivíduos diante do feito
do novo casal: Por volta de meia-noite, os convidados do casamento de
Jacques Silvert se deram conta de um fato interessante: a jovem noiva
ainda estava entre eles, mas o jovem noivo havia desaparecido. Indisposição
súbita, vexação de apaixonado, incidente grave, todas as conjecturas
possíveis foram feitas entre os familiares, a quem essa união
preocupava intensamente. O marquês de Sauvères presumiu que o bilhete de
um rival rejeitado havia sido encontrado, sob sua toalha, no início
da maravilhosa refeição que lhe fora servida. René afirmava que
tia Élisabeth seguiria para a clausura naquela noite e entregaria
seus poderes ao esposo (RACHILDE, 1899, p. 207, tradução nossa). Para
Raoule de Vénérande, Jacques, já transformado em “Jaja” – que,
segundo Claudine Lecrivain (1988, p. 107) remete à cortesã Nana, de Émile
Zola, – seria a “mulher querida”, a “amante adorada” (RACHILDE, 1899, p.
190). Na ocasião do enlace, Madame de Vénérande amaldiçoa a sobrinha,
renegando-a e, mais uma vez, reforçando os prenúncios da desgraça que
acometeria os recém-casados. Apesar da objeção, a sobrinha mantém-se firme
em suas escolhas, mostrando-se contrária aos preceitos de
seu tempo: Raoule, com a ponta de seu indicador, acariciava seus
traços regulares e seguia o arco harmonioso de suas sobrancelhas. -
Sim, nós seremos felizes aqui e não é preciso deixar este templo
[quarto de Raoule]
por muito tempo, para que nosso amor penetre cada objeto, cada tecido,
cada ornamento de carícias loucas, como esse incenso penetra com seu
perfume todas as cortinas que nos envolvem. Nós havíamos decidido viajar,
não o faremos mais; não quero fugir da impiedosa sociedade, da qual sinto
aumentar o ódio por nós. É preciso lhes mostrar que somos os mais fortes,
porque nos amamos...” (RACHILDE, 1889, p. 218, tradução nossa). Nas
linhas de seus “Romans”, Rachilde trouxe aos leitores e leitoras do Mercure
de France não apenas considerações acerca daquilo que se publicava na
virada do século
XIX, mas, também, elementos
que, ainda hoje, permitem-nos melhor compreender as relações que marcaram
o campo literário e, por fim, a atuação de uma mulher nos movimentos do
fin-de-siècle.
Considerações
finais
Ao transitar nos
meios decadentistas e simbolistas – que incluíam cafés, salões,
redações de
revistas, entre outros espaços – Rachilde não apenas divulgou a sua
produção, mais foi parte de eventos de sociabilidades que marcaram o
momento em que viveu. Em seus romances, mostrou-se avessa às regras que
ditavam o comportamento feminino. Em sua crítica literária, Rachilde levou
ao público de sua época uma análise particular dos livros que recebia,
muitas vezes mostrando-se combativa e defendendo, também, a escrita de si
mesma.
Referências
Periódico Mercure
de France (Paris. 1890). 1890-1965.
BOURDIEU, Pierre.
Le champ littéraire. In: Actes de la recherche en sciences sociales. Vol.
89, septembre 1991. Le champ littéraire.
GOURMONT, Remy de.
Le livre des masques: portraits symbolistes, gloses et
documents sur les
écrivains d'hier et d'aujourd'hui. 3 ed. Paris, Société du Mercure
de France, 1896.
LECRIVAIN,
Claudine. Rachilde: Monsieur Vénus. ESTUDIOS de lengua y
literatura francesas. Cádiz, 1988, pp. 101-110. Disponível em: http://
rodin.uca.es/ xmlui/ handle/10498/9531. Acesso em: 15/07/2018.
PERROT, Michelle.
Minha história das mulheres. Tradução de Ângela M. S. Côrrea. São Paulo:
Contexto, 2007.
RACHILDE. Monsieur
Vénus. Préface de Maurice Barrès. Paris: Félix Brossier Éditeur, 1889.
SOLDIN, Adeline.
Exploring the Ambiguities of Feminism with Rachilde. In:
ANGELO, Adrienne;
FÜLÖP, Erika (Edit.). Cherchez la femme: Women and Values in the
Francophone World. Cambridge Scholars Publishing.
…………………………………..
Beves informações
sobre Rachilde
Marguerite Vallette-Eymery
(Château-l’évêque, 11 de fevereiro de 1860 – Paris, 4 de abril de 1953),
conhecida pelo pseudônimo de Rachilde, foi uma escritora francesa.
Representante do
decadentismo francês, criou para si mesma, além de um pseudônimo, um passado e
uma genealogia fantasiosas: identificava-se, por exemplo, com lobos, dando a
entender que havia sido criada entre as feras. Vestia-se com roupas masculinas,
apresentando-se, inclusive, como "homem de letras". A sua obra
mais conhecida, Monsieur Vénus (1884), trata da relação de uma
mulher aristocrata e dominante com um florista feminizado. Publicou boa
parte de suas obras no jornal Mercure de France, fundado e dirigido pelo seu
marido Alfred Valette.
- L'Oiseau
Mouche,
Périgueux (L'Echo de la Dordogne, 1877
- Les
Grandes Manœuvres de Thiviers, Paris, 1879
- Monsieur
de la Nouveauté,
Paris, 1880
- La
Femme du 199e régiment (fantaisie militaire), Périgueux, 1881
- Histoires
bêtes pour amuser les petits enfants d'esprit, Paris, 1884
- Monsieur
Vénus, roman matérialiste, Bruxelas, 1884
- Nono,
roman de mœurs contemporaines, Paris, 1885
- Queue
de poisson,
Bruxelles, 1885
- À
Mort,
Paris, 1886
- La
Virginité de Diane, Paris, 1886
- La
Marquise de Sade,
Paris, 1887
- Le
Tiroir de Mimi-Corail, Paris, 1887
- Madame
Adonis,
Paris, 1888
- Le
Mordu, mœurs littéraires, Paris, 1889
- Les
Oubliés. L'Homme roux, Paris, 1889
- Minette, Paris, 1889
- La
Sanglante Ironie,
Paris, 1891
- Théâtre, Paris, 1891
- L'Animale, Paris, 1893
- Le
Démon de l'absurde, Paris, 1894
- La
Princesse des Ténèbres, Paris, 1896
- Les
Hors Nature. Mœurs contemporaines, Paris, 1897
- L'Heure
sexuelle,
Paris, 1898
- La
Tour d'amour,
Paris, 1899
- Contes
et nouvelles suivis du Théâtre, Paris, 1900
- La
Jongleuse,
Paris, Mercure de France, 1900
- L'Imitation
de la mort,
nouvelles, Paris, 1903
- Le
Dessous,
Paris : Mercure de France, 1904
- Le
Meneur de louves,
Paris, 1905
- Son
Printemps,
Paris, 1912
- La
Terre qui rit,
Paris, Éditions de la Maison du livre, 1917
- Dans
le puits ou la vie inférieure, Paris, Mercure de France, 1918
- La
Découverte de l'Amérique, Genève, 1919
- La
Maison vierge,
Paris, 1920
- La
Souris japonaise,
Paris, 1921
- Les
Rageac,
Paris, 1921
- Le
Grand Saigneur,
Paris, 1922
- L'Hôtel
du Grand Veneur,
Paris, 1922
- Le
Château des deux amants, Paris, Flammarion, 1923
- Le
Parc du mystère (com
F. de Homem Christo), Paris, Flammarion, 1923
- Au
Seuil de l'enfer (com
F. de Homem Christo), Paris, Flammarion, 1924
- La
Haine amoureuse,
Paris, Flammarion, 1924
- Le
Théâtre des bêtes (ilustrações de Roger Reboussin, Paris, Les Arts et le Livre,
1926
- Refaire
l'amour,
Paris, Ferenczi, 1927
- Alfred
Jarry ou le surmâle de lettres, Paris, Grasset, 1927
- Le
Prisonnier (com
A. David), Paris, éd. de France, 1928
- Madame
de Lydone, assassin, Paris, Ferenczi, 1928
- Pourquoi
je ne suis pas féministe, Paris, éd. de France, 1928
- La Femme
aux mains d'ivoire, Paris, éd. des Portiques, 1929
- Le
Val sans retour (com
J.-J. Lauzach), Paris, Fayard, 1929
- Portraits
d'hommes,
Paris, Mornay, 1929
- L'Homme
aux bras de feu,
Paris, Ferenczi, 1930
- Les
Voluptés imprévues, Paris, Ferenczi, 1931
- Notre-Dame
des rats,
Paris, Querelle, 1931
- Jeux
d'artifice,
Paris, Ferenczi, 1932
- L'Amazone
rouge,
Paris, Lemerre, 1932
- La
Femme Dieu,
Paris, Ferenczi, 1934
- L'Aérophage (com J.-J. Lauzach),
Paris, Les écrivains associés, 1935
- L'Autre
Crime,
Paris, Mercure de France, 1937
- Les
Accords perdus,
Paris, Corymbes, 1937
- La
Fille inconnue,
Paris, Imprimerie la technique du livre, 1938
- L'Anneau
de Saturne,
Paris, Ferenczi & fils, 1938
- Pour
la lumière,
Paris, Fayard, 1938
- Face
à la peur,
Paris, Mercure de France, 1939,
- Duvet-d'Ange.
Confession d'une jeune homme de lettres, Paris, Messein, 1943
- Le
roman d'un homme sérieux. Alfred Vallette à Rachilde 1885-1889, Paris, Mercure de France
- Survie, Paris, Messein, 1945
- Mon
étrange plaisir,
Paris, Baudinière, 1934
- Quand
j'étais jeune,
Paris, Mercure de France, 1947
- Le
Château hermétique, sl, Ver Soli Ter, 1963
- À
l'Auberge de l'aigle, Reims, À l'Écart, 1977
- L'Homme
qui raille dans les cimetières, Paris, Éditions du Fourneau, 1982
- 14
contes de jeunesse, Paris, Éditions du Fourneau, 1983
- Portrait
de Hugues Rebell,
Reims, À l'Écart, 1987
- Auriant, Reims, À l'Écart, 1987
- Lettre
à Charles Régismanset, Reims, À l'Écart, 1991
- Trois
lettres à Alfred Jarry, Paris, Les Silènes, 1991
- Sade
toujours !,
Paris, Éditions du Fourneau, 1992
- Nu
primordial,
Paris, Éditions du Fourneau, 1992
- Cynismes, Paris, Éditions du
Fourneau, 1995
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