O QUE A ESCOLA DE SAMBA IMPERATRIZ ALECRINENSE ESCREVEU SOBRE NÍSIA FLORESTA
Estamos em abril, mês em que Nísia Floresta Brasileira
Augusta faleceu em Rouen, França, aos 24 dias do ano 1885. Não se comemora data
do encantamento, mas lembra-se para enaltecer feitos. Como estudioso da vida e obra
dessa notável norte-rio-grandense, há trinta anos, tenho essa data sempre em minhas
lembranças, assim como a do seu natalício, e sempre a evoco através de breves
homenagens neste mês.
Exatamente com esse olhar estarei apresentando ao leitor – durante este mês – alguns textos relacionados a Nísia Floresta. Alguns até inéditos – para a maioria das pessoas – de autoria de intelectuais conhecidos, não por escrever sobre Nísia Floresta, mas por terem-na privilegiado em algum momento. Demais textos são de pessoas comuns, algumas desconhecidas, admiradoras da insigne intelectual. Outros, conhecidos mais por quem tem um aprofundamento no estudo sobre essa intelectual. Uns são mais diluídos, outros mais amplos, O legal é apreciarmos a visão da pessoa que escreveu. O que ela pensava sobre Nísia, como ela está mostrando Nísia, e no bojo de tudo, curiosidades e algumas informações que sempre os autores nos trazem. O material será postado aqui, aleatoriamente, nessa temporada de abril.
Esse é o segundo texto desse mês. Hoje
conheceremos o samba-enredo “Mulher, Arte e Cultura”, sobre a intelectual Nísia Floresta, com letra e música de
Chico Trunfa e Carlito, levado, ironicamente, à avenida Duque de Caxias durante
o Carnaval de 1998. Originalmente, esse logradouro se chamava “avenida Nísia
Floresta”, mas em algum momento algum desocupado quis homenagear um coronel do
exército, e para isso empurrou o nome da nossa Nísia para uma acanhada
travessa ali mesmo na Ribeira, hoje ainda mais combalida, palco de desprezo, ruela de cheiro
nauseabundo, transformada em banheiro por mendigos e quem passa. Coincidentemente fui assaltado ali em setembro de 2021, quando fazia alguns registros fotográficos.
“A escola de samba Imperatriz Alecrinense foi fundada no dia 18 de fevereiro
de 1986, no tradicional bairro do Alecrim, pelos irmãos Roberto Gonçola de
Oliveira e Ronaldo Luiz de Oliveira, tendo as cores amarelo, branco, preto e
vermelho. Na década de noventa 90, a Imperatriz se firma como escola de grande
porte e em doze anos foi sete vezes vice-campeã e 3 vezes campeã. Esses
resultados mostram que a Imperatriz, a herdeira da “Asa Branca” (primeira
escola de samba de Natal), disputava em pé de igualdade com as duas grandes
escolas (Balanço e Malandro)”. Vide https://brechando.com/2020/01/30/quais-sao-as-escolas-de-samba-de-natal/
Muitos escreveram sobre Nísia Floresta ao longo das décadas, começando logo após a sua morte. Alguns desses escritos jazem esparsos, sem nunca terem sido mencionados em bibliografias por pesquisadores. Nunca o nome de Nísia Floresta está esquecido, seja nas escolas, nas bibliotecas, em instituições diversas, no insight de algum jornalista ou de algum político... Dessa vez o nome de Nísia Floresta foi enaltecido pela Escola de Samba Imperatriz Alecrinense.
Desde 2012 assisto aos desfiles das escolas de samba de Natal. É um programa imperdível para mim. A experiência permitiu-me constatar ‘in loco’ os dificuldades que eles passam. Observo a indiferença de boa parte da sociedade, pois ali se vê apenas o povão das periferias próximas que emolduram a avenida inteira nessa ocasião. Grande parte é gente simples. Talvez por isso não há bons investimento na festa de Momo. Parece não haver ali uma voz forte que se levante para dizer "isso aqui é cultura, é arte, é a cara do Brasil, são brasileiros inventando felicidade... vamos apoiá-los. Algumas escolas de samba desfilam pobremente.
O samba-enredo “Mulher, Arte e Cultura” é um
material simples, mas precioso diante de seus significados. Outros
textos virão, postados aqui aleatória e despretensiosamente na temporada de
abril. A letra abaixo, foi publicada no Diário de Natal, no
dia 13 de fevereiro de 1998, conforme recorte que guardo em meu acervo. Vamos
conhecê-lo:
MULHER ARTE E CULTURA
Uma visão apareceu no céu
Encheu meu coração
de alegria
muita emoção
era um anjo de
bondade;
tinha um livro em
cada mão
I
Mas eu voltei
Voltei meu
pensamento no passado
No tempo do Brasil
Imperial
No Rio Grande do
Norte encontrei
Um grande talento
genial
Nísia Floresta
escritora
A quem o mundo
encantou, encantou
Suas obras
literárias
Ao mundo deslumbrou
II
Cante comigo
Vamos cantar (BIS)
Oh como é lindo a
Imperatriz desfilar
III
Seu nome
Seu nome corria fama
Do Brasil ao
exterior
Foi amada e adorada
Nos países em que
ela morou:
Portugal, Alemanha,
Inglaterra
Na França o seu nome
consagrou
Nísia, Nísia, Nísia
Guerreira pelo seu
ideal
Na cultura e na
arte, (BIS)
Tu és orgulho no
cenário mundial
IV
Lutou pelo direito da mulher
Defendeu a abolição,
Queria um
Brasil/República
Para ser uma grande
nação
era contra o
machismo
E da mulher foi a
redenção
V
Cante comigo
Vamos cantar (BIS)
Oh como é linda a
Imperatriz desfilar
BREVES
COMENTÁRIOS SOBRE O SAMBA-ENREDO “MULHER, ARTE E CULTURA” (L.C.F.)
É curioso o mote em
que os autores do samba-enredo se pautaram para dar passarela à intelectual
Nísia Floresta. Quando eles cantam que “...
Uma visão apareceu no céu/Encheu meu coração de alegria/muita
emoção/era um anjo de bondade/tinha um livro
em cada mão”, colocam Nísia Floresta num patamar de Deusa surgida entre as
nuvens, trazendo a sabedoria simbolizada pelo livro.
Nessa alegoria, eles divinizam a nossa Nísia. Somos transportados a um cenário imaginário, como naquelas telas de pintores que vemos nos livros de História da Arte, em que humanidade tem uma visão celestial com anjos e arcanjos despontando do céu. Nísia, na verdade, era de carne e osso, mas inegavelmente, por sua ilustração notável, somada à sua audácia de mostrar a cara num tempo de tanta escuridão e publicar o que pensava, parecia divinizada de fato. Divinizada pelo conhecimento. Divinizada pela leitura, isso sim. Os músicos foram bastante felizes em pintar esse quadro para ser cantado por todos. É uma bela releitura.
“... Mas eu voltei/Voltei
meu pensamento no passado/No tempo do Brasil
Imperial/No Rio Grande do Norte encontrei/Um grande talento genial/Nísia
Floresta escritora/A quem o mundo encantou,
encantou/Suas obras literárias/Ao mundo deslumbrou”. Nesse trecho, assim
como fazia Nísia Floresta, quando da Europa se transportava ao Brasil em
pensamentos – e quase que em corpo e alma – os autores do samba-enredo se
transportam ao Brasil Imperial e testemunham a genial conterrânea que encantou
a Europa com a sua inteligência e as suas obras.
Adiante os músicos apresentam o estribilho: “... Cante comigo/Vamos cantar (BIS)/Oh como é lindo a Imperatriz desfilar”. Quem vê um samba-enredo, julga fácil escrevê-lo, assim como pensam também sobre o cordel. Pois é um engano gigante. Para quem desconhece os segredos da composição da letra de um samba-enredo, há toda uma matemática, uma engenharia engendrada meticulosamente para acomodar as palavras, seus sons e acentos na cadência do samba, harmonizando-os com perfeição. O cordel usa critérios semelhantes.
“... Seu nome/Seu
nome corria fama”. Nesse trecho, a repetição seguida de palavras iguais: “seu nome/seu nome”, os autores nos
recordam um hino centenário, em homenagem a Nísia Floresta, de autoria anônima,
que descobri esquecido, em 1992, na cidade em que ela nasceu, e que ainda era cantado por raros nativos daquela cidade. Depois consegui musicá-lo e lançá-lo em CD, em 2000 e fiz um amplo trabalho de divulgação, tendo conseguido torná-lo comum. Depois desse trabalho, os órgãos municipais se despertaram para se apropriar desse patrimônio tão lindo que é o Hino em Homenagem a Nísia Floresta. Há um trecho
que diz “... Essa glória é a tua, essa
glória,os vindouros melhor guardarão...” É apenas uma coincidência curiosa.
Interessante a capacidade de os autores sintetizarem tão bem a história gigante que contam, cantam e sambam com meia dúzia de palavras, conseguindo dar um bom recado: “... Do Brasil ao exterior/Foi amada e adorada/Nos países em que ela morou:/Portugal, Alemanha, Inglaterra/Na França o seu nome consagrou/Nísia, Nísia, Nísia/Guerreira pelo seu ideal/Na cultura e na arte, (BIS)/Tu és orgulho no cenário mundial”.
“... Lutou pelo
direito da mulher/Defendeu a abolição,/Queria um Brasil/República/Para ser uma grande nação/era
contra o machismo E da mulher foi a redenção”. Esse trecho resume o auge das
ideias principais de Nísia Floresta, conforme escrevi no texto anterior
dessa temporada de abril. O abolicionismo lapidado ao longo de sua maturidade,
suas ideias republicanas, o sonho de um Brasil cada vez mais evoluído e
civilizado, suas críticas à sociedade patriarcal, pautada pelo machismo e
pelas ideias de inferioridade da mulher, e o seu brado em prol da emancipação
das mulheres, dignas de serem educadas tais quais os homens de seu tempo,
dignas das Ciências para assumirem quaisquer profissões. Isso deu a Nísia
Floresta o status de ter sido a primeira feminista da América Latina.
Tentei localizar os autores do samba-enredo e brincantes da escola de Samba Imperatriz Alecrinense para saber detalhes sobre a experiência de terem trabalhado a intelectual Nísia Floresta em 1998, mas não consegui localizá-los. Ficará para outra oportunidade.
Todos sabemos das
grandes dificuldades que a Cultura sofre em todo o país. As escolas de samba
fora do eixo Rio/São Paulo resistem porque são formadas por pessoas
resilientes, que fazem muito do seu resultado final na raça. Tudo é feito com
amor, voluntariado e muita abnegação. Grande parte dos carnavalescos são
pessoas simples, do povão, a exemplo o povo alecrinense.
Julgo importante ressaltar o quanto a história de Nísia Floresta deve ter servido de orgulho e inspiração para a referida escola de samba. Sabemos que desde o momento de se pensar o tema, os figurinos e adornos, uma multidão começa a incorporar a personagem homenageada, cumprindo aprender para bem representar.
Quantas crianças,
adolescentes, moços e idosos leram, estudaram e ouviram falar sobre Nísia Floresta.
Quantos nunca tinham ouvido falar sobre ela e imaginavam se tratar apenas de um
nome exótico de cidade. Portanto a Escola de Samba Imperatriz Alecrinense
cumpriu a missão preciosa de enaltecer a história e a memória de uma
conterrânea notável. A Escola de Samba se fez Escola de Educação.
É por essa e outras razões que se deve reforçar na sociedade e nas autoridades o respeito, o apoio e a valorização de todos os carnavalescos, pois eles enriquecem a Cultura do nosso estado e do nosso país. Parabéns a todas as escolas de samba e seus membros, em especial, a Escola da Samba Imperatriz Alecrinense.
Na realidade, mais que escrever, dançar e cantar esse belo samba-enredo sobre Nísia Floresta, o grande feito da
Escola de Samba Imperatriz Alecrinense foi escrever na história dessa escola de samba e na história desse povo a mensagem de
Nísia Floresta. Mensagem que se confunde com a história da liberdade, da democracia e da justiça. L.C.F.
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