INVISÍVEIS VISÍVEIS...
Ano que vem completará meio
século da primeira edição de “Aspectos geopolíticos e antropológicos da
História do Rio Grande do Norte”, uma das obras de Tarcísio Medeiros, insígne
escritor norte-rio-grandense. Li-a em 1993, então aluno na UFRN, na aula de
Cultura Brasileira, por orientação do também ilustre potiguar Sanderson
Negreiros. Sanderson tinha um modo interessante de construir o conhecimento com
seus alunos. Lembro-me que certa vez, em sala de aula, quando ele citava Dorian
Gray Caldas, disse “querem ir em sua casa, conhecê-lo”. E lá fomos. Assim
conheci outro renomado mito da terra de Câmara Cascudo. Aquilo me marcou.
Outra vez eu havia faltado na
semana anterior. NÃO EXISTIA WHATSAPP. Quando voltei, soube que teríamos que ler
alguns livros para, depois, discutí-los. A dinâmica seria assim: a pessoa que
leu discorreria sobre a obra. Sanderson Negreiros, o professor, faria possíveis
observações, e o restante da turma, que não havia lido aquele livro, ouviria a
explanação fazendo perguntas e outras abordagens. Assim, todos saberiam sobre
todos os livros.
Como eu havia faltado, sobrou
para mim “História da Alimentação no Brasil”, de Câmara Cascudo. Ninguém quis
ficar com ele, pois é tão grande que algumas editoras o publicam em dois
volumes. No caso, li todo num livro só. As obras eram de Sanderson. Li como uma
criança degustando o seu sorvete preferido. É simplesmente fascinante e foi um
dos livros que mais me marcaram.
Essas foram duas passagens
marcantes com o professor Sanderson, na UFRN...
Eis que chega em minhas mãos,
ontem, a obra “Aspectos geopolíticos e antropológicos da História do Rio Grande
do Norte”, de autoria de Tarcísio Medeiros. Até aí, nada demais além da
importante obra. Mas ela continha esses invisíveis que a mim, pelo menos,
impressionam e que acho digno dar-lhes
visibilidade. O livro, apesar de carregar 49 anos de idade, está
intacto, mas o que mais chamou a minha atenção foi um cartão onde está
datilografada uma mensagem escrita pelo autor, dirigida a Sanderson Negreiros,
além da dedicatória.
O texto traz informações
preciosas em que é possível viajar até a Redinha e ver esses dois mitos
sentados no alpendre de uma espaçosa varanda jogando conversa fora. Dentre elas
as ideias que ele findou escrevendo nessa obra. O que me encanta é a humildade.
Ele fala do livro como se não fosse o tesouro que é. Dá impressão que é um
desses livros que você lê, lê e não há o novo, o inédito, o fascinante... só
mesmices.
O cartão foi escrito no dia 22 de
maio de 1973. Tarcísio tinha 55 anos de idade e Sanderson 34. 21 anos de experiência
a mais carregava Tarcísio, e ele acolheu sugestões do jovem Sanderson.
Humildade e respeito a um jovem que com certeza muito cedo se revelou genial.
Ele assina o cartão e com a mesma
caneta Bic diz “N.B. Releve os erros tipográficos”.Quem daria importância para “erros
tipográfico” diante daquele pergaminho de conhecimentos?
O que está ali que foi sugestão
de Sanderson? Quais as lacunas dos “grandes mestres” citadas por Tarcísio? São
esses invisíveis que nuterm a minha imaginação... Fico pensando o que
conversaram esses notáveis.
O clipe estava se desmanchando; deixou
nódoas no cartão e na página. Senti-me como os egiptólogos descobrindo câmara
em pirâmide ao retirar a peça metálica e imprestável, ali colocada por Tarcísio
e retirada por mim. Sanderson foi tão bom que deicou para alguém esse presente.
Tarcísio partiu em 2003, aos 85 anos. Sandersou se encantou em
2017, aos 78 anos. Ambos deixaram obras preciosas para o Rio Grande do Norte e
para o Brasil, tanto assinadas por eles quanto contidas em suas bibliotecas.
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