O livro “Cabarés da cidade de Natal”, de Gutemberg Costa, se constitui numa obra que preenche uma das lacunas que faltavam à História de Natal. Ninguém quis escrevê-lo até o autor acender o candeeiro sobre sua juntada de papéis velhos, fruto de metódicas anotações amarelecidas, parcas biografias, registros de áudio, entrevistas e memórias, com direito à música de cabaré e ditos populares dos mais engraçados e certeiros. Sabedoria de folclorista guardado no historiador!
Muita coragem de Gutemberg, afinal tem-se um tema suscetível a muito preconceito. Tema marginalizado. Esquecem os intelectuais santificados que tudo é história! Por que alguns se negaram a escrever o tema? Quem escreveu sobre o assunto o fez como se buscasse fogo. A vantagem foi que Gutemberg teve nas acanhadas biografias que reuniu, os sobejos que se constituiram em caminhos a refazer. Muito se perdeu, mas muito se achou. História é isso: da ponta da linha se chega ao novelo.
Nesse trilhar, ele construiu um trabalho inédito, permitindo ao leitor a deliciosa tarefa de quase literalmente entrar nos mais antigos e intrigantes cabarés da Natal do passado. Cabarés em que muitos foram além do comércio sexual, mas palco de histórias divertidas, tristes, curiosas e algumas inacreditáveis, e com a condição de apresentar os cabarés atuais, embora com nomes mais modernos.
E nos velhos cabarés passaram todos, inclusive homens importantes, acima de qualquer suspeita, que nem sempre o frequentavam pela oferta óbvia. Há uma sociologia no cabaré, ambiente de amadurecimentos políticos, apresentações musicais, sociabilidade entre amigos, busca de conselhos ou mera curiosidade. O próprio carnaval permitiu a ida de mulheres de família, fantasiadas, acompanhadas pelos maridos, loucas para ‘curiar’ o ambiente chique do cabaré de Maria Boa. Fora dessa data, arrede o pé, afinal eram mulheres de família!
Esses ambientes também foram muito perseguidos por autoridades diversas, embora, contraditoriamente, tolerados e até mesmo apreciados por muitas das mesmas. Hipocrisias à parte, o livro trata das histórias de cada uma dessas mulheres, desde anônimas, cujos próprios nomes são desconhecidos quais seus próprios cabarés, às casas conhecidíssimas e famosas, quais suas donas ou madames. É o caso de Maria Boa e Francisquinha.
A obra traz histórias tristes e de fracassos. As doenças do corpo e do espírito. Mulheres que viveram o glamour da época dos norte-americanos durante a Segunda Guerra Mundial, quando os EUA instalaram em Natal sua base militar, cujo dólar correu solto, mas que ficaram a ver navios e encerraram-se na miséria no trajeto para a velhice. Mulheres que morreram solteiras e anônimas. Mulheres que encontraram no cabaré o marido dos sonhos. Mulheres que se tornaram finas donas de casa, casadas com norte-americanos. Mulheres que ficaram ricas e morreram ricas. Mulheres que se tornaram evangélicas e não querem ouvir o passado sendo mexido. Mulheres que tiveram filhos com homens importantíssimos, cuja criança ficou com o pai, tornou-se uma pessoa importante, mas a mãe - prostituta -, jamais viu o filho que era filho da puta…
Os homens não ficaram longe e de diversas maneiras integravam a arquitetura dos cabarés. Embora em menor quantidade, vão de donos de cabarés a artistas famosos que ali fizeram grandes shows, vão de amigos das donas e donos, funcionários, vigilantes a fornecedores de mercadorias. Os cabarés também eram espaços de sociabilidade de muitos empreendimentos. Uns discretos, outros sem reservas. O autor traça o mapa da prostituição em Natal do passado ao presente, desde os cabarés chiques aos espaços mais humildes e logradouros públicos como o “Beco da Quarentena” e outros.
Enfim, “Cabarés da cidade de Natal”, de Gutemberg Costa, é uma preciosa contribuição para a história e a memória de Natal. O autor preenche, com muito humanismo, sensibilidade e olhar apurado a lacuna que faltava, embora deixa avisado que outros poderão continuar a história... Parabéns, Gutemberg!
Perfeita descritiva! Bravo
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