A cidade é dividida por uma serpente preta
Vez em quando engole uma criança.
Quando ia-se a Campo Grande
Aquela alma de terra datava das minas de Cuiabá
Dá dó do caminho órfão
Sem pedras,
Sem tropas,
Sem viajantes…
(Um risco quase invisível)
Felizmente os bichos a honravam...
Talvez solidários ao seu abandono.
Nem andarilhos viajam nela.
Às vezes desaparece de mato e ressurge adiante
Igual que contorno de lápis,
Depois se despreza a rio...
Mas possui uma curiosa característica:
Impõe-se,
Mesmo escondida de árvores, resiste, é forte
Parece dizer:
“Sou pioneira!”
Enquanto o meu corpo viajava de carro
Meus olhos viajam de Boiadeira,
Percorrendo-a
Num verdadeiro esconde-esconde.
Por que minha curiosidade?
Contou meu pai que é a antiga Estrada Boiadeira,
Trajeto dos desbravadores do Mato Grosso no século XVIII,
Caminho das comitivas de peões de boiadeiros...
As telas de Hercules Florence registram o episódio,
Caminho de gado viajado a berrante para São Paulo e Paraná, Maracajú, Aquidauana, Rio Brilhante, Pedro Juan...
Trajeto de carros-de-boi lesmando pessoas e víveres
Rumo a Campo Grande, Cuiabá, Corumbá...
Nela viajou a Carmelita
Do Paraguai ao Porto XV...
O fiapo tinha modos de desprezo
Por isso me fascina.
Sinto pena de seu abandono.
Estradas boiadeiras são como veias no corpo do Mato Grosso do Sul,
São bondosas,
Saudosistas,
Nunca mataram animais silvestres.
Muitas voltaram a ser veredas,
Noutras despejaram piche.
E assim sobrevive a estrada Boiadeira…
Risco solitário a lápis...
Exemplo de resiliência
Faz sozinha a sua história...
Creio que muitas pessoas têm a alma dessas estradas...
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