No coração da história, repousa o Engenho São Roque, que até hoje pertence à lendária família Maranhão, os mesmos que ergueram o primeiro engenho do Rio Grande do Norte, o Cunhaú. Aquele solo sagrado foi palco do massacre outrora envolto em disputas de poder e terras, mas envolto no manto da religião pela Igreja Católica. Foi ali, em Cunhaú, que brotou o primeiro partido de cana-de-açúcar, lançando raízes profundas na capitania do Rio Grande do Norte.
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Jerônimo de Albuquerque Maranhão |
Jerônimo de Albuquerque Maranhão, fundador do município de Natal, capitão-mor e conquistador das terras do Maranhão, foi quem entregou aos filhos, Matias e Antônio, uma sesmaria de cinco mil braças quadradas, uma vastidão de terras férteis no Cunhaú. E foi ele, Jerônimo, quem erigiu o engenho, dedicando-o à Nossa Senhora das Candeias de Cunhaú, onde seu corpo, enfim, descansa na capela que leva seu nome.
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Roque Maranhão |
Avançando nos canaviais do tempo, surge Roque Maranhão, herdeiro dessa linhagem, intendente de Papary, conhecido hoje como Nísia Floresta. Ao seu lado, Luzia Peixoto, ou "Lula Maranhão", sua fiel companheira, que viveu até os 103 anos e repousa no primeiro túmulo de Papary, à direita de quem entra. Luzia, originária do Engenho Morgado, trazia em suas veias o sangue da família Peixoto, prima legítima da minha mãe.
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Engenho Morgado, onde nasceu Luzia Peixoto (Lula Maranhão), esposa de Roque Maranhã. Fica a uns 500 metros do Engenho São Roque. |
O último morador do Morgado foi o comunista Renato Peixoto, figura marcante, filho de Ezequiel Peixoto. Tamires Peixoto, meu primo, foi o último a residir ali, conforme informações num recenceamento de 1934, onde também pude ver o nome do meu avô, Abel Gomes Peixoto, cuja data de terra ficava entre a Cruz e o Braço Salgado, hoje “Fazenda Católé de Fátima”, ainda nas mãos da família (abaixo).
No seio dessa terra ancestral, o Engenho Morgado mantém-se como a casa mais antiga de São José de Mipibu, um refúgio que acolheu o ilustre Dr. Miguel Carlos Caldeira de Pina Castelo-Branco, juiz de fora e provedor, quando veio instituir a Vila de São José do Rio Grande em fevereiro de 1762.
Os Maranhão, como tantos senhores de engenho, mantinham, além de suas vastas propriedades, uma imponente residência no coração de São José de Mipibu, de frente à praça Desembargador Celso Sales. Era lá que se abrigavam nos dias festivos e onde seus filhos, enquanto cresciam, davam os primeiros passos na educação, antes de seguirem para Natal. Mas sua morada permanente, o verdadeiro lar, era o engenho.
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Engenho São Roque (fiz essa fotografia em 2009) Encontra-se atualmente (2013) nas mesmas condições. |
Roque e Luzia deixaram como herdeiro Geraldo Maranhão, o último a viver no São Roque. Geraldo uniu-se a Marlene Maranhão, uma jovem elegante e educada nos rigores de um colégio católico. O enlace a levou de uma vida social vibrante em Natal à quietude bucólica do engenho, onde, sob a luz suave do candeeiro, ela se adaptou à simplicidade da vida rural. Dormiam com as galinhas, acordavam ao canto dos galos, e até as pequenas serpentes encontravam caminhos pelas frestas das portas, como ela própria me contou em 2004, em Camurupim, na casa de uma prima.
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Engenho São Roque (fiz essa fotografia em 2009). Essa fotografia é quase no mesmo ângulo da foto colorizada, acima, de 1960. O engenho encontra-se atualmente (2013) nas mesmas condições. |
O choque, para ela, foi semelhante ao banzo dos escravos, mas o amor e o compromisso a fizeram abraçar aquela nova vida.
Dessa união nasceram Cristina, Sérgio e Roque. Com o engenho em fogo morto, Geraldo e Marlene buscaram outros caminhos, investindo no ramo de restaurantes enquanto os filhos estudavam em Natal e em outros estados.
O brilho do São Roque migrou para as proximidades do Ginásio Poliesportivo, para as praias de Camurupim, e finalmente, às margens da BR-101. Marlene, firme no legado da família, estabeleceu-se em Natal, na movimentada Avenida Deodoro da Fonseca, com um restaurante para atender um público exclusivo, mantendo a tradição viva.
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Resquícios da casa de máquinas, vendo-se a caldeira a vapor, o engenho de moer cana e o pilar do barracão. |
O São Roque, em tempos áureos, fervia sob a batida ritmada dos tachos, transformando o caldo da cana em rapadura, açúcar mascavo e cachaça. A chaminé que por tanto tempo dominou a paisagem e movimentou o apito da hora do almoço e encerramento do expediente, como verdadeiro relógio para toda a vizinhança, caiu em 2008, restando apenas os ecos dos dias de glória. Mas a casa grande ainda resiste, preservada em sua forma original, e os coqueiros centenários permanecem de pé, silenciosos guardiões de uma era em que a vida pulsava em cada estrada, nos gemidos dos carros de boi.
Hoje, o engenho é apenas uma sombra do que foi, uma memória viva, cuidada por mãos discretas, que zelam pelas suas ruínas. A chaminé calou-se, mas a casa grande, altiva, guarda o silêncio de uma história que o tempo não apaga. 7.11.2013
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