Então me lembrei dessa fotografia cheia de simbolismos e bastidores. Ela poderia ser apenas uma imagem antiga para muitos, mas a mim exala poema... Poema perfumado de vida! É lembrança carregada de histórias, e exatamente por isso concedo importância traduzir os invisíveis contidos nela...
Quando nasci, minha cidade tinha apenas 13 anos de emancipação. Era pré-adolescente... Por aí já se deduz como seria um município nascido dentro de uma floresta permeada de fauna e flora. Nessa fotografia, feita em 1977, eu contava dez anos de idade, Ademir, meu irmão, contava nove anos, Paulo tinha sete, e o menor, Ricardo somava a sua terceira primavera da vida... Ainda faltam irmãos, mas me refiro a essa imagem.
Minha mãe tinha a tradição de reunir os filhos eventualmente e "chamar o fotógrafo" para fazer as fotografias. Ela dava muito valor às fotografias, pois sabia que aqueles registros eram importantes. Naquela época não existiam máquinas fotográficas para se comprar em qualquer lugar como hoje. Pelo menos na cidade era impossível, daí a importância dos fotógrafos com os seus estúdios. Era comum as famílias se reunirem lugares específicos da casa para que o fotógrafo desse os seus cliques. Por tal razão é comum vermos muitas fotografias antigas tendo como cenário uma televisão, um cortinado, o jardim da casa etc.
Aos olhos atuais esses registros soam engraçados, ou esquisitos, até porque os registros digitais, em aparelhos de celulares se tornaram tão banais que não existe mais pose, não existe mais aquela história romântica e poética por trás das fotografias atuais, exceto poucas situações.
Qualquer coisa é sintoma para fotografia. Aliás, nem sei mais se realmente é fotografia. Como chamar essas imagens que captamos em nossos celulares e nunca revelamos? Pois bem, eventualmente minha mãe empreendia o seu ritual. Ela ia ao estúdio fotográfico, combinava com o fotógrafo. Esse, no caso, ficava defronte a nossa casa, no centro da cidade. Ao se aproximar o horário acertado, ela pedia que fôssemos tomar banho porque havia marcado com o fotógrafo, e "o Sr. Jaime já estava chegando". Era um verdadeiro vavavu. Todo mundo pro banheiro enquanto ela passava a roupa e esperava o fotógrafo.
Naquele tempo nossas roupas eram feitas em costureira, pois a cidade ainda não contava com lojas de roupas prontas, e nem era comum comprar roupas desse tipo, exceto se se esticasse até o interior de São Paulo, ou na própria capital, Campo Grande. Coisa que só se fazia uma vez na vida. Melhor era ficar com a loja de tecidos da cidade.
Ri bastante dos "Ki Chute" nos pés dos meus irmãos. Eles vieram para tomar o lugar do "Conga". Feliz de quem tinha um "Ki Chute". Eu calçava um mocassim preto de ponta quadrada... Então... continuando... após meia hora entre banho, vestimenta e penteado, ficávamos na varanda aguardando o fotógrafo. Não podia brincar porque suava e se desarrumava. Nem sempre as orientações maternais eram cumpridas a rigor, afinal algumas vezes o fotógrafo se demorava um pouco e passava do horário combinado.
Era muito estranho ficar sentado no alpendre, aguardando a Rural estacionar. Parecíamos pares de jarro, um ao lado do outro com cara de tristeza por estarmos parados. De repente o carro aparecia. Minha mãe corria, atendia o fotógrafo e lá íamos para o cenário composto de uma televisão da marca Semp, preto e branco (ainda não existia a televisão com imagens coloridas) e o seu fiel companheiro: um transformador que tinha uns oito quilos.
Também existia ritual para o fotógrafo. Ele nos orientava como seria feita a fotografia, às vezes puxava a gente pelos ombros, para lá e cá, outrora endireitava nossas cabeças, mexendo nos nossos queixos com seus dedos que pareciam linguiças. Ele nunca deixava de explicar que deveríamos deixar os olhos bem abertos. Talvez isso explique algumas fotografias que trazemos os olhos arregalados. Também pedia que ríssemos. Não sei pra quê rir sem vontade! Depois de vários ajustes físicos ele fazia a fotografia.
Findados os cliques conosco, entravam outros personagens da família, mas tudo nos mesmos moldes. Naquele tempo os equipamentos não eram digitais, tornando possível saber como a imagem tinha ficado. Desse modo o que viesse tinha que ser pago. E minha mãe sempre pagou. Era inimiga de problemas. Houve uma vez que eu saí com os olhos fechados, mas ela disse que a culpa tinha sido minha, pois "o Sr. Jaime explicou muito bem como se devia fazer com os olhos". Os filmes eram de rolo, portanto nenhum fotógrafo queria perder fotos. Eles faziam um flash só. O que sair, saiu. E assim a gente passou anos olhando e fazendo caras e bocas para a câmera fotográfica do "Sr. Jaime".
Hoje, apreciando essa imagem de infância, dentre tantas que tenho, abriu-se um álbum fotográfico de lembranças. São recordações que nem sempre foram captadas nas fotografias, mas vivem - e viverão para sempre - arquivadas nos rolos de filme da minha mente.
Creio que as poesias mais verdadeiras vivem agarradas à infância. Talvez por isso olho as velhas imagens e leio histórias lindas de bondade, inocência e família. Hoje, essa velha televisão da marca SEMP, comprada em 1972 - motivo de admiração quando adentrou a nossa casa, num tempo que poucas residências contavam com tais aparelhos - dorme no Museu da cidade. Esses e outros bastidores que não estão na fotografia, só vieram à tona porque hoje é dia dos irmãos...
A cidade, que ainda era pacata naquele tempo, hoje se tornou uma potência econômica... Nem parece aquela clareira em meio a uma selva de fauna e flora. Feliz dia dos irmãos, aos meus, que estão nas fotografia, aos que não estão, e aos irmãos que a gente passa a ter nos caminhos da vida...
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