Ninguém é corrupto sozinho, a corrupção pede assessoria - "o folclórico voto de carbono"...
Tudo na vida evolui a partir de erros e acertos comandados pelo tempo. As transformações positivas são lentas porque são lapidadas pelo crivo de múltiplos fatores. No Rio Grande do Norte o coronelismo deu lugar à politicagem que está – vagarosamente - dando lugar à política. É uma coisa meio acanhada e troncha, mas se vê mudanças. Até porque, do contrário, seria um caos.
Quando cheguei por aqui, conheci um procedimento incrível no dia da eleição, chamado “Voto de Carbono”. Prátiva comum no interior. Era assim: as pessoas entravam numa determinada casa, recebiam um sanduíche de papel que consistia em duas cédulas (espécie de cópia que obedecia o modelo oficial das cédulas eleitorais). No meio delas ficava um carbono. Quando a pessoa escrevesse algo na cédula superior, preenchia-se automaticamente a cédula debaixo. Por incrível que pareça, isso não era feito de forma muito “segredosa”. Pelo menos na dita casa não notei cuidado extremo, tendo em vista tratar-se de um crime. Explicar isso fica para depois!
Quando o eleitor chegava ao local de votação, recebia a cédula oficial e, na cabine de votação (bem escondidinho!), refazia o “sauduíche oficial” (do mesmo modo explicado acima). Sem esquecer que deveria colocar na urna a cédula oficial, pois nela ficava a letra de caneta Em seguida corria até a casa de origem e entregava o “sanduíche”, onde ficava a cédula com a letra preta do carbono. Normalmente essa casa era de algum candidato, parente ou aderente.
Ao entregar o restante do “sanduíche”, estava “provado” – ou aparentemente provado – que o pobre eleitor realmente havia voltado no “cabra” que lhe pediram. Aí, só depois disso, ele recebia dinheiro em espécie. Era o “pagamento” pelo voto. Isso era o voto de carbono!
Curiosamente houve vários casos de votos anulados, pois o eleitor se atrapalhava, retornava com a cédula oficial e deposirava na urna a cédula-modelo. Imagino a confusão quando devolviam a cédula errada na casa dos “coronéis”.
Há quem tenha me narrado que conseguiu driblar o voto de carbono da seguinte forma: conseguia uma porção de cópias de cédulas (que ficavam espalhadas pelas ruas – aos montes), adquiria pedaços de carbono diversos e passava o dia visitando as casas de diferentes coronéis, simulando ter votado nos mesmos, “devolvendo” a cédula com os nomes de interesse dos dito cujos.
Por mais que hoje se vejam situações enojantes, naquela época os atrasos eram maiores. Os “coronéis” reinavam de forma escancarada. Prova maior é a experiência “in loco” que vi em pleno ano de 1992.
O tempo passou, surgiu a urna eletrônica e se tornou impensável a fraude, até porque as urnas são conferidas por pessoas de todos os partidos (fiscais) e a polícia, antes de serem disponibilizadas para o voto, e não ficam on line. Com certeza os velhos coronéis, corruptos, detestam a urna eletrônica.
Dia desses soube que um candidato passeava pelas ruas no dia do pleito, entregando um tipo diferente de “sanduíche”: eram cédulas de R$ 20,00 envolvidas em “santinhos”. Sem dúvida, ainda existem muitos “candidatos”, “lideranças” e simpatizantes dando vazão a esse comportamento que traduz o quanto são mal caráter. Mas não têm a mesma cara de pau de antes, pois tem muita gente de olho.
Na realidade o voto de carbono continua existindo com roupagem diferente, mas o cerco vem se fechando cada vez mais. Ainda estamos longe de ser um país plenamente civilizado, apesar dos avanços positivos em diversas áreas, mas sigamos mudando, conscientizando, reeducando aqueles que aprenderam desde os avós a vender o seu voto. Na verdade a corrupção começa no próprio povo, com suas devidas exceções. Na verdade, ninguém é corrupto sozinho. As engrenagens da corrupção funcionam com uma assessoria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário