Em 1989 li o clássico OS SERTÕES, de Euclides da Cunha. Ele foi enviado pelo jornal Folha de São Paulo para a Bahia para cobrir a guerra de Canudos: uma revolta pelo intelectual Antonio Conselheiro. Essa obra é, no dizer de Antonio Cândido, “precursora no desenvolvimento das ciências sociais nos anos 30 e 40”. O autor acaba trazendo a baila o pensamento nacional e os questionamentos sobre o atraso do desenvolvimento no interior do Brasil e do próprio país em relação aos outros.
Euclides da Cunha inicia fazendo uma descrição perfeita da seca do nordeste e dos elementos que a integram, inclusive o vaqueiro. Há partes que parecem terem sido escritas hoje. Depois ele conta a história de duas famílias inimigas: os Araújo e os Maciéis, nessa última, faz parte Antonio Conselheiro, ou simplesmente Antonio Vicente Mendes Maciel, os quais eram pessoas de considerável poder aquisitivo para os padrões de sua região. Alguns episódios são comparáveis à história de Lampião, haja vista a injustiça que velhos coronéis, políticos e juristas cometeram contra a família Maciel, os quais eram pessoas de bem. Sabe-se que as brigas familiares, no sertão do Nordeste, tinham sempre como fatores determinantes a luta pela terra e pelo poder político. E o Estado sempre ficava do lado dos grandes latifundiários.
Penso que uma série de fatos injustos acabou condicionando Conselheiro a abraçar a causa da defesa da terra para quem não tinha. Não foi mais que isso. E ele fez com muita inteligência, pois, além de ser um homem culto, era extremamente focado (embora muitos o vendem como insano, beato etc). Seu discurso impressionava pela profundidade e pelo conhecimento que ia da Bíblia aos mais importantes clássicos.
Ele assumiu pastas públicas respeitáveis, como escrivão de juiz de paz, requerente do foro, advogado provisionado, além de ter montado escola onde era professor. O fato de a sua história ser mal interpretada ou contada por pessoas preconceituosas faz com que o vejam de forma negativa. O próprio Euclides é infeliz em vários pontos, embora o grosso da obra seja fundamental para a leitura de todo brasileiro. A guerra durou de 12 de novembro de 1896 a 5 de outubro de 1897, ou seja, logo após a proclamação da república.
O Arraial de Canudos atraia todas as categorias: artesãos, pequenos proprietários expulsos de suas terras pelos grandes ou pelo fisco, imigrantes, alforriados, escravos fugidos, elementos de todos os tipos, mas rezavam a cartilha da organização, da partilha, da “união faz a força” etc. Mas como ninguém tem bola de cristal, é certo que muitas pessoas – inclusive autoridades respeitáveis –abandonaram suas vidas e seus cargos para seguir o Conselheiro, pois eram inimigos do novo regime republicano recém-instalado.
Canudos tornou-se uma Canaã e fez medo à República que engatinhava desorganizada e politiqueira. Obviamente Antonio Conselheiro tinha lido Utopia, de Tomas More. Não é possível! E fez bom uso. Certamente a origem histórica de Canudos deu-se na ideologia desse clássico de More. Interessante era que ele recebia o mais profundo respeito das pessoas adeptas a Canudos, por pura admiração e pelo espírito igualitário como eram tratados. Foi um homem respeitado por muitos, desde mendigos a autoridades, inclusive, ao contrário do que alguns apregoam, até alguns padres o admiravam.
Certos trechos do pouco que ele deixou escrito são antológicos e não ficam atrás do que falaram ou escreveram os maiores abolicionistas. Infelizmente os governantes não entenderam quão visionário fora Antonio Conselheiro. O jeito foi matá-lo. E olha que deu trabalho, pois precisou de cinco expedições. Vieram militares de todo o Brasil, nos mais altos postos.
Quase
todos morreram pelos “jagunços” do Conselheiro, os quais eram em número
superior aos pelotões de todo o Brasil. Precisou então fazer uma “salada
brasileira de soldados”, na qual ia de gaúchos a nortistas. Mais de seis mil
homens, canhões e as mais potentes (para a época) armas de fogo. Tanto o pelotão do Conselheiro quanto o
pelotão dos militares (expedicionários) teve um inimigo em comum: a seca! Ela
matou a muitos. A história vale a pena ser lida, relida, refletida e imitada
pelos políticos brasileiros. (escrito em 2014)
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