Confesso que sempre me espanta essa pressa de as escolas e instituições culturais – salvas as devidas exceções - se vestir de zumbi, de pendurar morcegos de plástico e de sair às ruas gritando “doces ou travessuras” como se o Brasil tivesse sido colonizado por druidas ou vampiros irlandeses. Não, não tenho nada contra o Halloween. Lá, onde nasceu, é uma expressão legítima da cultura de um povo. O que discordo é o modo como o importamos, como quem troca o chão por um carpete estrangeiro e passa a acreditar que o tapete é mais bonito que o próprio solo.
Eu, que há anos participo da Comissão Estadual de
Folclore, não posso silenciar diante dessa substituição quase silenciosa, porém
contínua, do nosso imaginário popular por fantasias enlatadas. Não o digo por
moralismo, nem por zelo religioso, até porque sou desprendido dessas convenções
de altar e púlpito. O que me move é a inquietação de ver nossas crianças
saberem mais sobre o Conde Drácula do que sobre o Negrinho do Pastoreio, mais
sobre abóboras com velas do que sobre o Bumba Meu Boi.
Talvez me dirão “Ora! Mas tudo do Brasil veio de
Fora!” Alto lá. Temos 500 anos (refiro-me a nós, colonizadores; e retiro os
povos indígenas dessa, afinal estão aqui há milênios. Isso é outra história,
inclusive os mesmos têm bibliotecas infindáveis de cultura popular). Temos 500
anos e a nossa cultura popular, embora muito dela, como exemplo, veio nas
caravelas que trouxeram o Romanceiro Ibérico. Mas são 500 anos de cultura
popular brasileira!!! Temos bibliotecas inteiras de Folclore puramente
nacional. Por qual razão, diante de um celeiro riquíssimo e extraordinário de
cultura popular, damos um salto tão longe para buscar abóboras, bruxas,
monstros, pessoas esfaqueadas e sangrando, e não fazemos esforço algum para,
por exemplo, enaltecer elementos da nossa cultura?
Não diga que as crianças não gostam. Não digam que os professores não gostam. Não digam que os gestores não gostam. Não digam que os representantes de instituições não gostam. AS COISAS SÃO CONSTRUÍDAS, É SÓ COMEÇAR - NATURALMENTE - SEM IMPOSIÇÃO.
Para mim é deplorável constatar que estão deixando de ensinar às crianças a sua brasilidade. E elas não terão culpa quando, no futuro, por exemplo, em estando em outro país, alguém lhe disser: "fale sobre a cultura popular brasileira" e ela ficar com cara de abóbora!
Essas pessoas precisam acordar desse
equívoco, pois da forma como fazem, negando à própria essência, negando a
própria identidade, está-se educando as crianças e os jovens a amar o que vem
de fora e desprezar a si. Isso não é bom, pois lá fora ninguém faz isso, pelo contrário,
são bairristas.
As escolas - salvo honrosas exceções -, parecem
competir entre si para ver quem faz o Halloween mais “instagramável”. E,
curiosamente, as mesmas escolas que afirmam “valorizar a cultura brasileira”
(Como orienta a própria Constituição Brasileira) esquecem-se de marcar no
calendário o Dia do Saci, ou de convidar os mestres da cultura popular a
conversar com os alunos. É como se o Saci tivesse sido derrotado pelo Batman, e
o mais triste: com o aplauso da plateia.
Instituições educativas e culturais têm, sim, o
dever de promover o intercâmbio entre culturas, mas esse dever não pode ser
confundido com a abdicação de nossa própria identidade. O respeito ao outro não
exige renúncia de si. Antes de vestir as crianças de fantasmas, deveríamos
ensiná-las a reconhecer o som das maracás, o riso do Curupira, a astúcia da
Iara, o eco das ladainhas de nosso interior, o batuque dos quilombos...
O Halloween pode - e deve - existir, desde que não
devore o que é nosso. Porque cultura não se impõe, se planta. E a nossa, tão
rica, não precisa de importação, mas de atenção e exaltação. É brasilidade. O
patriotismo tão falado também perpassa por isso. O que me entristece não é o
fato de celebrarem o Halloween; é o fato de esquecerem o Folclore Brasileiro -
que, aliás, é bem mais vivo, colorido e simbólico do que qualquer abóbora oca
iluminada por dentro. A lenda do Fogo Batatão é muito mais alegre do que uma
bruxa de nariz adunco e boca murcha voando de vassoura...
Não sou contra o Halloween. Sou a favor do Brasil.
E é a partir dessa convicção que escrevo, não como quem ergue muros, mas como
quem tenta resgatar pontes. Pontes que liguem as gerações aos seus mitos, aos
seus mestres, às suas memórias. Onde estão nossos mestres? Não estão mortos.
Talvez estão do seu lado, mas, quem sabe derrotado ou desmotivado por ver a
injustiça de buscar o riacho mesmo tendo o mar ao lado. Esses mestres, se
provocados, dão espetáculos!
REPITO: Quer comemorar o Halloween? Comemore! Mas antes, conheça o seu país. Conheça os seus valores, conheça a sua cultura e comemore com a mesma ênfase!
O que somos sem o que nos fez ser? Talvez apenas
personagens de um enredo estrangeiro, recitando falas que não nos pertencem.

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